João Cunha, diretor da Mi Ômega Engenharia e consultor técnico da Nexans Brasil
Data: 22/02/2017
Edição: EM Fevereiro 2017 - Ano - 45 No 515
Compartilhe:A capacidade de condução de corrente de um cabo elétrico é definida como corrente máxima que este pode conduzir continuamente, em condições especificadas, sem que sua temperatura em regime permanente ultrapasse um valor determinado. Por essa definição, pode-se concluir que a corrente que circula pelo cabo deve ser igual ou inferior à capacidade de condução de corrente do seu(s) condutor(es), para que seja garantida durabilidade satisfatória a este(s) e à isolação, em face dos efeitos térmicos produzidos pela circulação de correntes.
Como a capacidade de corrente do cabo está relacionada com a temperatura que seus componentes podem atingir em regime permanente, então as condições para sua instalação (tais como tipo de linha elétrica, número de condutores no mesmo conduto e temperatura ambiente) influenciarão essa capacidade.
Este artigo discute os efeitos térmicos da corrente elétrica nos cabos, sem, no entanto, apresentar a física do fenômeno, uma vez que a apresentação adequada desta só poderia feita em um livro — o que, a propósito, não vem ocorrendo nas obras de instalações elétricas no Brasil, com exceção dos livros de Ademaro Cotrim.
A maioria dos livros dessa área publicadas no País tem partido das normas de instalações elétricas, a NBR 5410 para cabos de baixa tensão [1] e a NBR 14039 para cabos de média tensão [2], para tratar do assunto capacidade de corrente dos cabos. As tabelas de capacidade que constam dessas normas são determinadas a partir de modelos matemáticos e procedimentos estabelecidos na norma brasileira de cálculo de capacidade de corrente de cabos, a NBR 11301 [3], que é baseada na IEC 60287 [4].
Deixar de abordar os aspectos apresentados na NBR 11301 dá ao assunto uma simplicidade maior, mas retira o sentido físico do problema. A limitação da corrente circulante em um cabo se dá pela elevação de temperatura, e não tem relação direta com a corrente elétrica, em si, como pode transparecer pela leitura desses livros. E o mesmo acontece com a maioria dos componentes e equipamentos elétricos. Por exemplo, a pergunta “Qual a potência elétrica máxima que pode ser retirada de um transformador de 1000 kVA?” soa estranha, numa primeira abordagem. Mas aqui também a limitação da potência acontece devido à limitação da temperatura no isolante do equipamento. Exatamente a mesma pergunta pode ser feita para um motor ou para um barramento. Essa falta de conhecimento da física que está por trás do problema pode levar a um conhecimento limitado do fenômeno ou mesmo a aplicações equivocadas.
Neste artigo não se defende que sejam abolidas as tabelas de capacidade de corrente e de fatores de correção das normas de instalações elétricas, nem que os cálculos sejam feitos sempre usando os modelos matemáticos e procedimentos da NBR 11301, até porque estes são modelos complexos, que utilizam conceitos termodinâmicos, e, para aplicações rotineiras, resultariam em trabalho totalmente desnecessário. O que se enfoca aqui é a importância de conhecer os princípios físicos envolvidos na circulação de corrente nos cabos elétricos, infelizmente esquecidos na literatura técnica nacional.
A circulação de corrente gera calor, devido ao efeito Joule, o qual provoca a elevação de temperatura no condutor de maneira muito rápida, pois este é metálico. Em seguida, mais lentamente, o calor gerado no interior do cabo atravessa todos os componentes deste, até alcançar o ambiente externo. Esse processo de dissipação é resultado da diferença de temperatura e da resistência térmica dos componentes do material. O equilíbrio se dá quando a geração de calor por efeito Joule for igual ao calor dissipado; neste caso há uma estabilização da temperatura do condutor. Para cada valor de corrente, há uma temperatura de equilíbrio. O calor gerado no condutor depende do valor eficaz da corrente, incluindo os harmônicos, se houver.
A elevação da temperatura provoca deterioração dos materiais que compõem o cabo e, sendo os isolantes os materiais mais sensíveis, estes determinam o limite de temperatura. Como, em funcionamento normal, a temperatura é maior no interior do cabo do que no exterior, a temperatura máxima se dá no condutor e é igual à da primeira camada de material isolante. Portanto, pode-se dizer que a temperatura do condutor é que determina a temperatura máxima do cabo
Os componentes do cabo são definidos em função da aplicação deste. O condutor isolado de baixa tensão é o mais simples que existe, pois dotado apenas da camada de isolação, conforme mostra a figura 1. Outros cabos, como os de média tensão (figura 2), possuem camadas adicionais com funções de blindagem e cobertura.
A vida útil de um cabo está diretamente relacionada com sua temperatura de trabalho. Visando a uma vida útil satisfatória, as normas de condutores isolados e de cabos uni ou multipolares definem três temperaturas características, em função do tipo de isolação, consideradas na superfície externa do condutor, propriamente dito (interface condutor-isolação) — vide tabela I:
Um condutor sem circulação de corrente tem a temperatura ambiente. Quando por ele circula uma corrente I = IZ constante após o transiente, sua temperatura se estabiliza no valor de θR = θZ. Se, após o transiente, a corrente aumenta para 1,45IZ, então a temperatura do condutor estabiliza-se no valor θR = θS. Tanto no regime nominal quanto em sobrecargas, há um regime transitório e uma dissipação do calor para o ambiente. No caso de curto-circuito, o tempo é muito curto, menor que 5 segundos, e nes te caso não há tempo para a dissipação do calor para o ambiente, e, consequentemente, para o transitório. Neste caso, o regime térmico é o adiabático, ou seja, o calor gerado pelo efeito Joule é integralmente consumido no aquecimento do condutor e, assim, não se pode relacionar a temperatura limite de curto-circuito a um valor de corrente. O modelo matemático usado é, então, o balanço energético, descrito pela integral de Joule. Todo o calor produzido durante o curto-circuito (do instante inicial até o instante de sua interrupção) tem de ser inferior ao necessário para elevar a temperatura do condutor de θZ para θK.
Neste momento aparece um problema de ordem prática: o calor é a grandeza que interfere na vida útil do cabo, mas não é aquela que os profissionais da área elétrica utilizam usualmente. Portanto, é necessário relacionar o calor com a corrente elétrica, grandeza de maior familiaridade entre esses profissionais. A metodologia para se estabelecer essa relação é a apresentada na norma brasileira NBR 11301, que determina a capacidade de condução de corrente de um cabo elétrico em funções das suas características termodinâmicas. Ela, no entanto, não é de fácil aplicação, devido aos modelos matemáticos e ao grande número de parâmetros termodinâmicos exigidos. Para simplificar a utilização, as normas brasileiras, assim como suas congêneres estrangeiras, adotam o conceito de métodos de referências. Estes métodos de instalação, para os quais a capacidade de condução de corrente foi determinada por cálculos segundo a NBR 11301, são os mais usados em instalações prediais e industriais.
Para instalações elétricas de baixa tensão, a NBR 5410 adotou os seguintes métodos: u
Para instalações de média tensão, a NBR 14039 adotou os métodos:
Para cada método de instalação, seja em baixa ou em média tensão, a respectiva norma apresenta tabelas com a capacidade de condução de corrente em função da seção nominal do cabo, para cada tipo de material usado como condutor (cobre e alumínio) e para cada temperatura máxima de material usado como isolante (70, 90 e 105 graus). Um aspecto extremamente importante a ser ressaltado é que este valor de capacidade de corrente só vale para a condição calculada. Qualquer alteração nas características termodinâmicas utilizadas na definição do método de referência faz com que a tabela perca o seu valor. Ainda visando facilitar o trabalho do profissional de instalações elétricas, a norma NBR 5410 apresenta várias tabelas com fatores de correção, que podem ser aplicados ao valor original para se obter um número mais próximo à realidade da instalação considerada. Estes fatores dizem respeito a:
No caso da correção de temperatura, como orientação geral, considerando o interior de edificações em diferentes regiões do país, sugere-se adotar os seguintes valores de temperatura ambiente:
O fator mais difícil de aplicar é o relativo à resistividade térmica do solo. O valor adotado como referência pelas normas brasileiras é de 2,5 K.m/W, que é o valor recomendado pela IEC 60364 quando o tipo de solo e a localização geográfica não são especificados, sendo este um número médio para os solos encontrados no entorno da maioria das edificações urbanas. Quando a resistividade térmica for superior a 2,5 K.m/W, caso de solos muito secos, os valores indicados nas tabelas devem ser adequadamente reduzidos, a menos que o solo na vizinhança imediata dos condutores seja substituído por terra ou material equivalente com dissipação térmica mais favorável.
Já o fator de agrupamento é de fácil aplicação, pois o número de circuitos em uma linha elétrica é conhecido na fase de projeto.
A exemplo de outros componentes, os cabos elétricos são sensíveis ao calor e isto se deve principalmente aos isolantes, cujas propriedades são fortemente afetadas pela elevação de temperatura. Porém, se todos os projetos se baseassem unicamente nas temperaturas, a atividade do profissional de eletricidade se tornaria extremamente difícil. Por isso, as normas apresentam critérios que convertem a elevação de temperatura em corrente. Mas o profissional de instalações elétricas sempre deve ter presentes os princípios físicos por trás dos números apresentados nas tabelas. Bem como estar atento para que, se em alguma situação os critérios que basearam os cálculos que resultaram nessas tabelas são desrespeitados, a conversão de elevação de temperatura em corrente deixa de ser válida e isto vai refletir-se em problemas na instalação.