Helder Leite, Denise Martins e José Ferreira, da Universidade do Porto; e Alberto Pinto e Helder Heitor, da EDP Distribuição (Portugal)
Data: 02/05/2017
Edição: EM Março 2017 - Ano 45 - No 516
Compartilhe:No mundo todo, os OSD Operadores de Sistemas de Distribuição buscam qualidade do serviço, desempenho financeiro, flexibilidade, confiabilidade e mais capacidade de monitorar e controlar os equipamentos primários nas subestações. As normas da série IEC 61850 podem ajudar os OSDs a atingir seus objetivos por meio da implementação de redes de comunicação EDP de subestações segundo um novo paradigma.
Em Portugal, o OSD utiliza as normas IEC 61850 com os objetivos de obter interoperabilidade, configuração livre e estabilidade a longo prazo para suas subestações. Outra expectativa é aplicar a facilidade de expansão de sistemas com protocolos e estruturas de dados “à prova de futuro” (protegidos contra obsolescência) a uma ampla gama de tecnologias de interconexão, rumo à padronização das subestações, a fim de que estas continuem a melhorar a qualidade do serviço, com redução dos custos.
Ao implementar os padrões IEC 61850 nas diferentes subestações de energia, a meta é equalizar a arquitetura da rede de comunicação, eliminando erros causados por equipamentos incompatíveis de fabricantes diferentes. À medida que essa arquitetura se torna padronizada, o OSD espera que os dispositivos de vários fabricantes se comuniquem entre si, tornando mais fácil e menos dispendioso integrá-los.
A interoperabilidade pode ser definida como a capacidade de os IEDs trocarem e usarem informações corretamente. Embora as normas IEC 61850 definam uma metodologia consistente para interligar IEDs em subestações, usando tecnologias baseadas em LAN, a capacidade de trocar informações corretamente nem sempre é alcançada entre IEDs de diferentes fabricantes. Es te artigo aborda os desafios para troca e recebimento de informação, considerando IEDs de fabricantes diferentes, dotados de funções IEC 61850 e conectados à mesma rede de comunicação. Também são discutidas soluções possíveis utilizando esquema XML para gerar um arquivo SCL compatível, bem como a forma de potencializar a padronização do projeto de subestação.
A IEC 61850 especifica a linguagem de descrição de configuração de subestação (SCL), baseada no formato de linguagem de marcação estendida (XML), para configuração e engenharia de automação de subestações (AS). A SCL define o diagrama unifilar da subestação, alocações de função, dados obrigatórios/opcionais e extensíveis, serviços, parâmetros de comunicação e configuração. O objetivo da SCL é ter uma descrição comum da AS para todos os fabricantes.
O sistema de automação com IEDs consiste na configuração do sistema de distribuição e controle da subestação. Desempenhando as funções de monitorização, medição, controle e proteção, os IEDs baseados na IEC 61850 são configurados com a rede de comunicação. Em outras palavras, o processo de engenharia compreende a construção e configuração das interfaces entre IEDs, ou entre IEDs e a interface homem-máquina, na subestação [1-3].
Usando arquivos de esquema da IEC 61850, as ferramentas de configuração criam, editam e guardam o arquivo SCL de acordo com sua finalidade, que pode ser classificada nos seguintes tipos: Descrição de Capacidade do IED (ICD), Descrição de Configuração da Subestação (SCD), Descrição do IED Configurado (CID) e outros. Os dados da Interface Ho mem-Máquina (IHM) são obtidos a partir da Unidade Central (UC) do barramento da estação para que o usuário realize monitoramento e controle, e o grupo de dados baseado na IEC 61850 crie ou exclua dados, obtenha as mensagens de eventos e também dê suporte a download, upload e pesquisa de arquivos com serviço de IEDs, permitidos pelo processo de engenharia. O processo de engenharia com ferramentas convencionais é eficaz para a comunicação entre IEDs de um mesmo fabricante, mas isto não acontece se a instalação possui dispositivos de marcas diferentes, embora o grande objetivo da IEC 61850 seja alcançar interoperabilidade de comunicação, integração funcional e engenharia avançada em sistemas de múltiplos fornecedores. O software de um fabricante não pode ser usado por outro, fazendo com que os operadores de sistemas elétricos necessitem de ferramentas de engenharia capazes de facilitar a configuração de IEDs, a fim de executar o processo de engenharia do sistema de automação da subestação com produtos de fabricantes distintos [3-5].
Em Portugal, o OSD ainda não determinou uma orientação específica aos fornecedores para solução de automação de subestações IEC 61850. As sim, na falta de uma pa dronização imposta pelo OSD, os fabricantes aplicam aos produtos suas próprias soluções. Portanto, a solução empregada é muito dependente dos fabricantes, dificultando a uniformização do processo de engenharia de automação de subestação para outros projetos, ou a obtenção da interoperabilidade entre IEDs [3,6].
A figura 1 ilustra diferentes ferramentas de engenharia de dois fabricantes de IEDs, usadas nos testes de interoperabilidade realizados neste trabalho. O software proprietário de cada um dos fabricantes indicados na ilustração permite configurar a comunicação na subestação, tanto vertical como horizontal. Para comunicação vertical, é determinado o endereço IP (protocolo de internet) do IED, e, para comunicação horizontal, é definido o conteúdo das mensagens de Eventos de Subestação Orientados a Objeto Genérico (cuja sigla em inglês é Goose) enviadas ou recebidas.
Dois IED diferentes foram usados para realizar o teste de interoperabilidade vertical. Substituiu-se um IED por um dispositivo equivalente de outro fabricante, ambos em conformidade com a IEC 61850 e aprovados pelo OSD. A base de dados da subestação foi atualizada. Os dois IEDs estão conectados à mesma LAN, como mostra a figura 2.
A figura 3 mostra o resultado da sequência de comunicação no teste de interoperabilidade vertical. Observa-se que ocorreu um erro contínuo na comunicação quando a Unidade Central (UC) tentou se comunicar com o novo IED.
A dificuldade de interoperabilidade vertical é resultado dos nomes genéricos atribuídos ao conjunto de dados na norma IEC 61850, como os nomes dos nós lógicos (LN), em vez de nomes descritivos apropriados. A tabela I mostra, como exemplo, o mesmo LN atribuído na Unidade Central por ambos os fabricantes de IEDs.
Como um dado LN não é especificado pela norma IEC, e o OSD também não o especifica, cada fabricante atribui diferentes nomes e soluções, por vezes definindo-os como LN Genéricos, GGIO (em inglês, Generic Processs I/O). É fácil verificar que acabam por existir demasiados GGIOs na implementação das funções de proteção, comando e controle na automação de subestações, dificultando a simplicidade no processo de desenvolvimento do produto.
Um IED do fabricante A foi ligado a uma Unidade de Controle do fabricante B (figura 4). Em seguida, atualizou-se a base de dados da unidade central e reconfigurou-se o IED A. A figura 5 ilustra a sequência de comunicação entre o IED do fabricante A e a UC do fabricante B.
Comparando este registro com o da figura 3, verifica-se efetivamente uma troca de informação entre o nível 1 e o nível 2 da subestação, apesar de os dispositivos serem de fabricantes diferentes. O banco de dados atualizado e a reconfiguração do IED compreenderam a utilização de LNs Genéricos (GGIOs ou pdGGIOs) em vez de LNs específicos, como mostrado na tabela II.
Depois de atualizar a base de dados, o procedimento que permitiu a integração de um novo e diferente fabricante de IED pode ser resumido na seguinte sequência:
Com o objetivo de obter interoperabilidade entre equipamentos de diferentes fabricantes, a norma IEC 61850 especifica uma linguagem de configuração, um formato de dados e o mapeamento de dados na camada de comunicação do modelo 1 do Open System Interconnection (OSI), entre outras especificações. A Parte 8 da IEC 61850 propõe mensagens de Eventos de Subestação Orientados a Objetos Genéricos (Goose) caracterizadas pelo formato editor/assinante (publisher/subscriber), pelo qual a informação é distribuída de forma ponto-a-ponto, multipontos ou broadcast. Ou seja, as mensagens podem ser recebidas por um único, por vários ou todos os IEDs (assinantes), os quais podem usar as informações ou não.
O OSD português ainda não implementou qualquer funcionalidade para verificar a interoperabilidade horizontal. A configuração de cada IED tem sido feita individualmente, em vez de executada via ferramenta de configuração de sistema, independentemente do equipamento envolvido. Embora diferentes fabricantes sejam capazes de trocar mensagens Goose uns com os outros, a indisponibilidade de equipamento capaz de monitorar as comunicações entre os IEDs desses fabricantes tem atrasado conclusões neste aspecto.
Alcançar a interoperabilidade de comunicação na automação de subestações segundo a IEC 61850 é possível, mas a integração funcional e a engenharia avançada ainda não são simples, pelo menos em sistemas multi-fabricantes. A principal causa da não interoperabilidade entre IEDs de fabricantes diferentes é o fato de os dados não seguirem a organização hierárquica definida na Parte 7-2 da norma, ou a organização funcional ali também definida. A IEC 61850 não é rígida, permitindo diferentes interpretações por parte dos fabricantes. Além disso, a falta de equipamentos transversais e de ferramentas de engenharia não permite a configuração de mensagens Goose que forneça operação adequada entre IEDs de fabricantes distintos. O ideal seria ter uma ferramenta orientada pela IEC 61850 para permitir e oferecer suporte a todas as configurações IEC 61850, garantindo a interoperabilidade desejada.
Visando maximizar os benefícios da norma IEC 61850, uma possível solução a ser adotada pelo OSD é a definição de especificações IEC 61850 em nível de projeto, como já é feito em outras áreas. Assim, a SCL do operador, com suas especificações funcionais IEC 61850, teria um formato que poderia ser importado pelas ferramentas de configuração dos fabricantes.
Trabalho apresentado no Cired Workshop 2016, realizado em 14 e 15 de junho, em Helsinque, Finlândia.