Estellito Rangel Junior
Primeiro representante brasileiro no Technical Committe 31 da IEC
Data: 20/12/2017
Edição: EM Setembro 2017 - Ano - 46 No 522
Compartilhe:A certificação profissional visa comprovar, por meio de exames aplicados por uma entidade independente, que o profissional possui experiência na função, conhecimento dos procedimentos de execução das tarefas e capacidade de executá-las corretamente, no tempo estipulado pelo avaliador.
No Brasil, as entidades que promovem certificação de pessoas atendem às diretrizes do Inmetro, tendo como base a norma ABNT NBR ISO 17024. Várias ocupações já estão contempladas nos processos de certificação, e existem no País diversos centros de certificação, como Senai (eletricista instalador predial de baixa tensão), Abendi (inspeção de fabricação – eletricidade) e Abraman (eletricista de manutenção), entre outros.
Antes da certificação, é necessário identificar as necessidades e a normalização dos padrões de desempenho no trabalho. A certificação é a linha de chegada de um processo de reconhecimento da competência profissional do trabalhador. É preciso cuidado para definir o tipo de certificação desejado, a fim de que a proposta não represente fator de exclusão, fazendo com que o mercado interprete equivocadamente que o profissional não certificado é incapaz.
Dentre os princípios da certificação profissional, destaca-se a legitimidade (baseada na construção ética do processo de certificação), a confiabilidade (produzida por um processo preciso e idôneo) e a validade (pelo reconhecimento do valor da certificação pelos empregadores e órgãos fiscalizadores).
Em um País com acentuadas características regionais, como o Brasil, é essencial customizar os modelos de certificação utilizados por outros países, evitando-se simplesmente copiá-los, uma vez que a abordagem precisa aproximar os sistemas educativos e de formação profissional. Cada vez mais as ineficiências de um afetam o outro, e cada vez mais os conhecimentos básicos e as condutas próprias da cidadania (que idealmente deveriam ser aprendidos na educação) se convertem em competências imprescindíveis para bom desempenho no trabalho.
Podem ser listados diversos ganhos proporcionados pela certificação profissional: menor necessidade de supervisores, haja vista que os executantes são comprovadamente aptos a executar as tarefas com perfeição; eliminação do retrabalho para correção de nãoconformidades; redução do desperdício de material; e aumento da produtividade.
A certificação dos profissionais que interagem com instalações elétricas em atmosferas potencialmente explosivas está disponível em diversos países, em sistemas nacionais e internacionais. Os dois sistemas internacionais são: CompEx e IECEx.
Na área de instalações elétricas em atmosferas explosivas, o processo de certificação pessoal Ex foi iniciado após a explosão da plataforma de produção de petróleo Piper Alpha, no Mar do Norte, em 6 de julho de 1988, que matou 167 pessoas. Como parte das ações mitigadoras recomendadas no relatório desse desastre, foi criado, em 1993, o programa CompEx Competence on Explosive Atmospheres, cujo primeiro centro de certificação começou a operar em 1994, em Aberdeen, Escócia. Hoje, o sistema conta com 59 000 profissionais certificados. A figura 1 mostra o certificado CompEx.
O CompEx tem como base as normas IEC (sendo que nos EUA tem como base o NEC, o código americano) e ampliou ao longo do tempo suas unidades de competência. Uma delas, a “Ex-F”, não tem status de certificação profissional, mas serve para identificar quem possui conhecimento sobre o tema sem ser um executante de serviços (um gerente, por exemplo).
A competência em atmosferas explosivas é atualmente uma exigência do HSE Health and Safety Executive, do Reino Unido, e o certificado CompEx é uma das formas de comprová-la. Vale destacar que outros tipos de comprovação são aceitos, sendo a certificação voluntária.
Em 1999, a IEC iniciou a operação do seu sistema de certificação, o IECEx System International Electrotechnical Commission System for Certification to Standards Relating to Equipment for use in Explosive Atmospheres, com a certificação de equipamentos Ex baseada apenas nas normas IEC.
Em 2010, o IECEx lançou seu sistema para certificação de profissionais Ex, que hoje conta com 11 unidades de competência, todas com base nas normas IEC.
O IECEx possui duas unidades de competência — Ex 000 (Conhecimentos básicos) e Ex 001 (Aplicação dos princípios básicos de proteção em atmosferas explosivas) —, que são baseadas em questionário de múltipla escolha e visam apenas indicar que a pessoa (que pode ser um gerente, por exemplo) conhece o tema.
A unidade Ex 000 não é tratada como uma certificação pessoal, mas como uma “autorização de entrada” em áreas classificadas — aspecto ressaltado na diferenciação das carteiras emitidas pelo IECEx (veja figura 2).
O IECEx também pode certificar empresas, que neste caso precisarão também certificar seus empregados em várias unidades, o que é bem oneroso.
A Petrobras é pioneira nos processos de certificação profissional. Em 1978, dada a inexistência de sistemas nacionais, foi criado o Sequi Setor de Certificação, Qualificação e Inspeção na estrutura da Petrobras, subordinado ao Segen Serviço de Engenharia, que, a fim de oferecer maior confiabilidade aos serviços e instalações, introduziu a certificação para inspetores de soldagem, conduzida hoje pelo Sistema Nacional de Qualificação e Certificação de Inspetores de Soldagem.
Na área de Ex, foi iniciado em 2003 um processo interno de certificação profissional, com a emissão da norma N-2731, a qual descrevia o programa de avaliação de competências dos profissionais que atuam em instalações em áreas classificadas, conduzido também pelo Sequi em São José dos Campos, SP.
Diferentemente das unidades de competência dos sistemas internacionais atuais, que são compartimentadas por atividades (instalação, manutenção, inspeção, etc.), a norma N-2731 exigia um perfil mais abrangente, pois deveria ser demonstrada competência na execução da instalação dos tipos Ex-d, Ex-e e Ex-i; na inspeção em equipamentos Ex-d, Ex-e, Ex-n e Ex-i; e na manutenção em equipamentos Ex-d. Não eram abordados todos os tipos Ex, apenas aqueles majoritariamente presentes nas instalações da empresa, considerados prioritários.
Para inscrição dos candidatos havia requisitos de escolaridade e de experiência profissional, e a avaliação era composta de provas teóricas e práticas — estas realizadas em um skid de medição de fluido de processo, disponível no próprio Sequi. Devido a algumas dificuldades operacionais, não chegou a certificar profissionais.
Em 2012, a Abendi iniciou o trabalho de tradução dos documentos do IECEx sobre certificação pessoal e anunciou em 2014 o início das atividades de certificação pessoal Ex baseado nessa documentação, disponibilizando unidades similares às Ex 000 e Ex 001.
Porém, como a Abendi ainda não é uma entidade autorizada pelo IECEx, mesmo tendo traduzido seus procedimentos, seus certificados não podem conter qualquer referência ao IECEx. Não foi divulgado o número de profissionais até então certificados.
O Senai conta com dois laboratórios aparelhados para realização de provas práticas na avaliação de competências Ex: um no Rio de Janeiro, RJ, e outro em Mauá, SP.
Os treinamentos dedicados ao aperfeiçoamento profissional foram as primeiras atividades nos laboratórios; em 2015, o Senai anunciou sua entrada na certificação pessoal Ex, disponibilizando uma unidade similar à Ex 001 do IECEx, promovendo 27 profissionais certificados até fevereiro 2016.
A UL é o único organismo credenciado IECEx para certificação de profissionais Ex no Brasil, mas apenas está credenciada a disponibilizar as Ex 000 e Ex 001, unidades que, como não submetem o profissional a exames práticos, não devem ser consideradas como suficientes para efetiva certificação do profissional Ex.
A UL do Brasil emitiu o primeiro certificado pessoal IECEx em 14/11/16 (unidade Ex 001) e até maio de 2017 tinha dois profissionais certificados.
A ABNT é o Foro Nacional de Normalização, e as normas publicadas pela entidade podem ser utilizadas em processos de certificação de pessoal.
Porém, a ABNT, ao avalizar a tradução integral de documentos operacionais internos do IECEx e tê-los publicado como norma nacional (ABNT IECEx OD 014: 2011, ABNT IECEx OD 015: 2011 e ABNT IECEx OD 504: 2012), suscitou um questionamento do IECEx, especialmente por direitos autorais e pagamento de royalties, o que a forçou a cancelá-las em 12/11/2014.
O lançamento desses OD como normas brasileiras mediante tradução direta revelou-se uma prática equivocada, já que, por conceito, uma norma nacional deve ser emitida por consenso e refletir a prática, a tecnologia e os recursos do país. Um documento interno, elaborado apenas pela diretoria de uma empresa privada estrangeira, não poderia ter sido imposto a todo um país — ainda mais sobre certificação pessoal —, haja vista que normas devem ser estabelecidas a partir de um acordo com empresários e associações profissionais, visando estabelecer regras adequadas à realidade nacional.
Pode-se dizer que sistema de certificação pessoal Ex ainda é inexistente no Brasil, pois as unidades de competência disponibilizadas ainda não avaliam a execução de tarefas — ponto fundamental em um sistema de certificação profissional. No País, para executar serviços em áreas classificadas, o profissional precisa estar devidamente capacitado e sua ficha funcional deve registrar os treinamentos técnicos recebidos, para que obtenha a exigida autorização do profissional habilitado, conforme disposto na NR-10.
No Brasil, a certificação Ex, assim como nos demais países, é voluntária. A chancela IECEx tende a promover um custo maior da certificação Ex, tendo em vista a remessa de royalties das entidades brasileiras. Na Europa, devido à proximidade entre os países que facilita a migração de trabalhadores, uma certificação IECEx pode se traduzir em maior rapidez no processo de recolocação profissional; já no Brasil, onde o fluxo de trabalhadores de outros países é muito reduzido, tais benefícios não serão sensíveis.
A certificação pessoal IECEx tem algumas unidades de valor questionável, como, por exemplo, a Ex 007, pois as empresas procuram um inspetor “completo”, e não um com competência apenas em inspeção visual — atividade insuficiente para garantir a segurança da planta. Uma formatação contendo unidades de competência com foco nas necessidades das empresas é o que fará a certificação Ex brasileira decolar.
O fator crítico para o sucesso de um processo de certificação é a validade dada ao certificado pelo mercado. Ou seja, é o setor produtivo quem determina, em última instância, a necessidade e o valor da certificação.