Se por um lado a geração distribuída é benéfica por estar próxima aos locais de consumo, dispensando gastos relacionados à transmissão, de outro, traz algumas preocupações, principalmente no que se refere à qualidade da energia elétrica (QEE). A produção de eletricidade a partir de geradores eólicos e células fotovoltaicas não é constante, oscilando conforme as condições ambientais, podendo deixar o sistema instável. Nesse cenário, o fator de potência (FP) do sistema preocupa.

Fator de potência e distorções harmônicas

Com o crescente uso de equipamentos eletrônicos (retificadores, inversores, lâmpadas compactas fluorescentes), o sistema elétrico é um cenário não senoidal, pois tais cargas não lineares provocam distúrbios devido às distorções harmônicas de corrente e tensão [5]. Portanto, tornam-se inaplicáveis as simplificações feitas para cálculo de potências de sistemas senoidais [7]. Desta forma, o cálculo das potências considerando as distorções harmônicas são obtidos por (1), (2) e (3) [5]:

O índice 1 refere-se ao item na frequência fundamental;  e o índice H, nas frequências harmônicas. DI e DV  são, respectivamente, potências de distorção de corrente e tensão. SH é a potência aparente harmônica.

A referência [8] fornece informações para cálculo detalhado das potências definidas pela IEEE 1459-2010 sob condições de distorção.

As fórmulas (4) e (5) calculam, respectivamente, o fator de potência e o fator de potência para frequência fundamental, o qual também é denominado fator de potência de deslocamento, ou apenas fator de deslocamento (FD), por não considerar a presença de frequências harmônicas [7]. FD destoa do fator de potência verdadeiro, que leva em conta a parcela harmônica nas potências.

FP1 é o fator de potência calculado para frequência fundamental, sendo FP1 = FD (vide figura 1).

O excesso de reativos é calculado sobre o fator de potência de deslocamento, conforme [9]. Vale mencionar que a instalação de bancos de capacitores para compensação de reativos no cenário com harmônicos pode ocasionar problemas, como amplificação das tensões e correntes harmônicas (ressonâncias), acarretando danos aos equipamentos e à instalação, além de não corrigir de fato o excedente de reativos.

O FP não deve ser utilizado para compensação de reativos, visto que alguns inversores com modulação em PWM operam com FD próximo de 1,0, porém, devido às distorções, apresentam FP menor [7]. Desta forma, o FD é utilizado para compensação de reativos, enquanto o FP mostra a relação da capacidade de utilização do sistema.

Fator de potência e geração distribuída

Quando inserida potência ativa no sistema elétrico devido à produção fotovoltaica, o triângulo de potências sofre alteração conforme a variação entre potência gerada e consumida. A maioria dos inversores de controle dos painéis fotovoltaicos são configurados para operar com FP constante e unitário, injetando apenas potência ativa no sistema, para que as chaves de comutação operem com eficiência máxima [10]. O controle de inversores com FP estável é mais simples, requer menor esforço computacional e sensores, tornando‐o mais econômico e uma boa opção para inserção de GD na rede [10].

Quanto menor o módulo da diferença entre potência gerada e consumida, menor será o fator de potência da instalação em um consumidor reativo Q constante. A figura 2 mostra a relação entre módulo da potência e o FP com variação da quantidade de geração.

As noções de atraso e avanço para o FP (para cargas indutivas, o fator de potência de 0,92 é considerado atrasado; já para cargas capacitivas, adiantado — ou seja, a corrente está atrasada ou adiantada 23,07° em relação à tensão) se invertem quando há fluxo reverso de potência. Portanto, o FP não é mais relacionado ao tipo de carga (indutiva ou capacitiva), mas apenas à defasagem da onda de corrente em relação à tensão.

A operação dos inversores fotovoltaicos em FP diferentes do unitário não é desejável para não haver alteração na regulação de tensão da rede [2]. Contudo, a partir de 2014, foi permitida a operação em outros FP, com produção ou absorção de reativos, desde que aprovada e coordenada pela concessionária e outros produtores de GD, para não haver impactos na regulação de tensão da rede.

Devido à regulamentação [3] não mencionar a compensação de energia reativa (apenas ativa) e alteração no FP, os inversores ainda são configurados para operar com FP unitário. Aproveita‐se, assim, a implementação mais simples e econômica, e também evita‐se prejuízo financeiro, já que os possíveis danos causados na rede, advindos da GD, devem ser ressarcidos e indenizados pelo consumidor-produtor. O caso em estudo opera com FP unitário. Mas é interessante avaliar o comportamento do sistema com a mudança de FP dos inversores, respeitando‐se a possibilidade dessa operação.

A referência [12] apresenta métodos de controle de reativos por inversores fotovoltaicos, analisando os impactos na regulação de tensão e perdas no sistema.

Medições e análise preliminar

A instalação estudada localiza‐se em um campus universitário. A GD fotovoltaica é conectada por meio de três inversores (dois de 7,5 kW e um de 12 kW), com potência total de 27 kWp, e transformadores de 20 e 12 kVA com entrada 380 V e secundário 220 V, conectados em YY. Os três transformadores utilizados são do tipo seco; o de entrada (150 kVA) é conectado no lado primário em delta (13,8 kV) e no lado secundário em estrela (0,22 kV).

As cargas da instalação consistem majoritariamente de iluminação, computadores, televisores e monitores, além de alguns aparelhos de ar condicionado e motores (ventiladores, elevador, bombas d’água). Há também um UPS conectado à rede, para alimentação de cargas prioritárias. A figura 3 apresenta o diagrama unifilar simplificado da instalação.

Para análise da variação do FP, foram definidos alguns cenários, conforme a tabela I. O cenário 0 indica um dia comum de utilização do prédio; neste caso, foram realizadas duas medições de 24 horas: uma sem e outra com o sistema fotovoltaico conectado à rede. O cenário 1 considera apenas a geração, o cenário 2 somente consumo, e o cenário 3, ambos (geração e consumo), referentes, respectivamente, às partes c, a, e, b e d da figura 2. Para os cenários 2 e 3, buscou‐se utilizar o máximo da carga instalada para obter valores mais expressivos de medição, tendo em vista o baixo consumo diário do prédio.

Resultados das medições e observações

O medidor utilizado para estudo atende aos padrões da classe A (Advanced) de [13] e [14] e registra tensão, corrente, fase, frequência e demais parâmetros elétricos calculados. As medições foram feitas com agregação de 1 minuto para o cenário de 24 horas e 1 segundo para os demais, com taxa de 256 amostras por ciclo. O medidor apresenta valores máximos, médios e mínimos para cada registro. Para análise, foram considerados apenas os valores médios.

Os resultados das medições são mostrados nas tabelas II (cenário 0) e III (cenários 2 e 3), divididos conforme as ocorrências observadas na figura 2. Os valores máximos e mínimos mencionados resultam da variação de carga e geração ao longo do período de medição; ou seja, os maiores e menores valores obtidos durante as medições.

O cenário 2 quantifica o consumo máximo alcançado pela instalação, chegando a 31,35 kVA — sendo 29,43 kW de potência ativa e 10,77 kvar de reativa capacitiva, com FP = 0,924 e FD = 0,939.

Os valores das potências apresentados nas tabelas II e III são resultantes, já que o fluxo de potência é bidirecional no caso dos inversores conectados à rede.

Do cenário 1, foram tomadas as medidas de geração máxima atual, conforme a conexão dos inversores, obtendo‐se os resultados mostrados na tabela IV.

Análise

Em geral, a carga da instalação apresenta fator de potência variável ao longo do dia. O menor FP ocorre em períodos ociosos (à noite) (figura 4).

Com a inserção de GD fotovoltaica em períodos de grande quantidade de potência ativa exportada para a rede, o FP aumenta consideravelmente (FP > 0,90). Contudo, no caso do limiar entre potência consumida e geração serem iguais ou apresentarem pequena diferença frente à potência reativa da instalação, como observado na tabela III, diminui o valor do FP, podendo chegar a 0,242. Esse cenário corresponde à faixa (e) da figura 2, ou convergindo para ela.

Quando se aumenta a carga para os testes (cenário 3), não há exportação de energia para a rede, tampouco inversão no fluxo de potência. Contudo, quando P < Q, o FD apresenta‐se abaixo de 0,5 (veja figura 5).

De acordo com os dados apresentados, ao instalar sistemas fotovoltaicos, é interessante avaliar o perfil de consumo do local, a fim de evitar que o FP permaneça abaixo dos valores recomendados, principalmente para os casos de consumidores tarifados por extrapolá‐los, buscando alternativas para ocorrências dos cenários “d” e “e” da figura 2. Nessa premissa, o FP torna-se um parâmetro importante a ser avaliado antes de inserir um sistema de geração fotovoltaica na rede, visto que a capacidade de hospedagem de FVs não deve afetar o bom funcionamento do sistema (confiabilidade, qualidade da energia, limites térmicos) [15].

Ao comparar os valores de FP com FD, nota-se considerável presença de harmônicas na instalação. O inversor de 7,5 kW apresenta menor FP do que o de 12 kW (cenário 1). Ambos funcionam com FD unitário, tendo-se obtido valores um pouco abaixo devido ao local da medição. Dada a diferença no FP, presume-se que o inversor de 12 kW tem melhor topologia, pois produz menor quantidade de distorção. 

A potência consumida no cenário 2 foi aproximadamente 20% da capacidade total da instalação, com o transformador de entrada sobredimensionado, devido à previsão de considerável expansão de carga do prédio. Os reativos gerados por este equipamento não influenciaram nas medições realizadas, pois estas foram feitas do lado do secundário.

Sabe-se que a operação de transformadores em carga leve absorve muita energia reativa, devido à predominante corrente de magnetização do núcleo, causando significativa queda no FP da instalação. Isso costuma acontecer no período noturno, quando há pouco consumo. No caso em análise, os transformadores ligados aos inversores da GD operam a vazio nesse período, pois entram em standby na falta de sinal CC proveniente das células fotovoltaicas. Apesar disso, como a carga reativa capacitiva predomina durante as medições, devido à presença do UPS, não fica visível se há grande impacto nesse sentido.

Para absorver ou gerar reativos com o intuito de balancear o FP da instalação, pode-se configurar os inversores para operar com fator de potência menor que 1, o que também contribui para o controle do nível de tensão [16].

Conclusões

A geração fotovoltaica pode influenciar o FP da rede onde está instalada. Quando a geração é significativamente superior ao consumo, o FP aumenta. Já quando a produção se equipara ao consumo, o FP fica baixo. Devido à correlação entre geração fotovoltaica e irradiação, o FP apresenta grandes oscilações durante a intermitência do sol.

As medições mostraram diferenças entre FD e FP, alertando quanto à presença de distorções harmônicas na rede, e também destacaram a importância em conhecer o perfil de consumo e avaliar o FP para o estudo de capacidade de hospedagem para GD.

Para continuidade e estudos futuros, recomenda-se realizar medições no lado de média tensão, permitindo analisar o FP, dentre outras grandezas, vistos pela concessionária de energia. Como o transformador está sobredimensionado, é possível que esteja consumindo mais ou menos reativos do que o esperado, o que não pode ser observado na medição na baixa tensão, onde o FP foi predominantemente capacitivo.

 

Referências

[1] Villalva, M.G.: Energia solar fotovoltaica: conceitos e aplicações. 2 ed, São Paulo: Érica, 2015.
[2] IEEE Standard for Interconnecting Distributed Resources with Electric Power Systems, IEEE Std 1547, 2003 (R2008).
[3] Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica – Resolução Aneel n° 482/2012.
[4] Ribeiro, P.; Ferreira, F.; Medeiros, F.: Geração distribuída e impacto na qualidade de energia. VI Seminário Brasileiro Sobre a Qualidade da Energia Elétrica - SBQEE, Pará: 2005, pg. 781-787.
[5] IEEE Standard Definitions for the Measurement of Electrical Power Quantities Under Sinusoidal, Nonsinusoidal, Balanced or Unbalanced Conditions, IEEE Std 1459, 2010.
[6] Nilson, J. W.; Riedel, S.A.: Circuitos Elétricos. Tradução de Marques, A.S. - 8a ed., São Paulo: Person Prentice Hall, 2009.
[7] R. C. Dugan; M. F. McGranaghan; S. Santoso, H. W. Beaty: Electrical Power Systems Quality. 3rd Ed., McGraw-Hill, 2012.
[8] Pinzón, A. M. O. et al.: Power Measurements under IEEE 1459-2010 Standard on a Microgrid with Renewable Sources. in Harmonics and Quality of Power (ICHQP), 2016 17th International Conference on, pp. 968-973. Oct. 2016.
[9] Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica - Resolução Aneel no 414/2010.
[10] A. Elserougi et al.: A simple active-power control technique for grid-connected three-phase inverters at unity power factor. in Power Engineering, Energy and Electrical Drives (Powereng), 2013 Fourth International Conference on, pp. 265-270. May 2013.
[11] IEEE Standard for Interconnecting Distributed Resources with Electric Power Systems - Amendment 1, IEEE Std 1547a, 2014.
[12] R. Kabiri; D. G. Holmes; B. P. McGrath: The Influence of PV Inverter Reactive Power Injection on Grid Voltage Regulation. in Power Electronics for Distributed Generation Systems (PEDG), 2014 IEEE 5th International Symposium on, pp. 1-8. June 2014.
[13] IEEE Recommended Practice for Monitoring Electric Power Quality, IEEE Standard 1159, 2009.
[14] International Standard for Electromagnetic compatibility (EMC) - Part 4-30: Testing and measurement techniques - Power quality measurement methods, IEC 61000-4-30, 2008.
[15] Schwaegerl, M.H.; J. Bollen; K. Karoui; A. Yagmur: Voltage control in distribution systems as a limitation of the hosting capacity for distributed energy resources. 18th International Conference and Exhibition on Electricity Distribution, 2005. Cired 2005, vol., no., pp.1-5, 6-9 June 2005.
[16] F. Ding; B. Mather: On Distributed PV Hosting Capacity Estimation, Sensitivity Study, and Improvement. IEEE Transactions on Sustainable Energy, vol. 8, 2017.


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