Paula Mints, SPV Market Research; e Bonna Newman, Sunfly Consulting (EUA)
Data: 20/11/2016
Edição: Fotovolt Novembro 2016 - Ano 2 - No 7
Compartilhe:Durante os 40 anos de sua história, a indústria fotovoltaica global integra um ecossistema de energia no qual a demanda por instalações conectadas à rede é impulsionada por incentivos, enquanto a demanda por instalações fora da rede opera quase totalmente sob condições de mercado livre. Devido aos incentivos da indústria FV serem inerentemente instáveis, houve a criação de um perfil da indústria, que se compromete com a demanda disponível, mesmo se esta não for rentável. Na década de 1990, impulsionada pelos incentivos do Estado da Califórnia nos EUA, Alemanha e Japão, a demanda por sistemas solares conectados à rede começou a acelerar. Em 1997, houve um crescimento extraordinário de instalações conectadas à rede; incentivos, como o Programa de 100 000 Telhados Solares e financiamento com juros zero da Alemanha, subsídios e descontos nos telhados residenciais do Japão e descontos na Califórnia, impulsionaram o crescimento da indústria em 234%, atingindo > 39 MWp no decurso de 1996.
A demanda por instalações de multigigawatts conectadas à rede nos últimos 10 anos (2004-2014) é resultado direto do modelo de tarifas de incentivo de energias renováveis, como o FiT Feed-in Tariff da UE, e subsequentes incentivos similares. O modelo de incentivo FiT também é diretamente responsável por impulsionar o sucesso do subsegmento de multimegawatts (escala de concessionária nos Estados Unidos e parques solares na Europa) da aplicação comercial. Sem o interesse de grandes investidores, o segmento de instalações de multimegawatts não teria proliferado até o ponto em que a indústria é dominada por ele.
Este artigo explora os aspectos econômicos e comportamentais da indústria fotovoltaica global impulsionada por subsídios, bem como sua direção futura, considerando que os incentivos podem eventualmente não estar disponíveis.
Os dados apresentados neste artigo são resultados do trabalho de pesquisa de campo primário, entrevistas, cobertura de importantes seminários técnicos, análise da literatura disponível e resumo dos programas governamentais. Eles refletem as informações obtidas em levantamentos de fabricantes de módulos/células fotovoltaicas (do lado da oferta) e participantes do lado da demanda, como distribuidores, integradores de sistema, revendedores, instaladores e OEMs Original Equipment Manufacturer (fabricante do equipamento original) da indústria fotovoltaica. O trabalho de pesquisa inclui fabricantes de matéria-prima de silício e de wafers (lâminas) e usuários finais dos produtos FV. A análise também mostra um conhecimento da capaci‐ dade de fabricação da indústria. Esta combinação fornece à empresa SPV Market Research uma base realista e equilibrada para visualização do pro‐ gresso atual e futuro da indústria foto‐ voltaica. Para evitar a contagem dupla, foram analisadas as remessas (vendas) de células internas. As vendas são con‐ sideradas uma métrica importante e valiosa para as decisões de gestão.
O período de 1974 a 1984 represen‐ ta o início da implantação de FV e foi dominado por aplicações fora da rede, bem como por aplicações de consumo interno (calculadoras, relógios, etc.). Em particular, os projetos de demons‐ tração de governos de aplicações co‐ nectadas à rede, bem como o aumento do consumo interno, dominaram as implantações. Durante este período, o aumento das aplicações conectadas à rede foi totalmente impulsionado por projetos de demonstração de governos e um projeto de concessionária.
A figura 1 ilustra as vendas, custos e preços de FV desde 1974 até 1984. Nesse período, as vendas cresceram a uma taxa anual composta de 84% (0,04 MWp para 17,5 MWp), os custos di‐ minuíram a uma taxa anual composta de 17% ($ 98,10/Wp para $ 14,66/Wp) e os preços médios do módulo dimi‐ nuíram a uma taxa anual composta de 16% ($ 87,60/Wp para $ 15,56/Wp).
O silício amorfo (a‐Si) foi introdu‐ zido no mercado comercial em 1982, e entre 1982 e 1992 registrou aumento a uma taxa anual composta de 30%. Du‐ rante este período, o mercado de todas as tecnologias fotovoltaicas cresceu a uma taxa anual composta de 22%.
Frequentemente, o timing é tudo, e a estreia de um a‐Si comercial coinci‐ diu com o sucesso inicial das aplica‐ ções associadas ao consumo interno (calculadoras, relógios e outros pequenos dispositivos portáteis tipicamente alimentados por energia solar). O uso do a‐Si, cujo desempenho é razoavel‐ mente adequado em condições de pouca luz, com displays de cristal lí‐ quido substituiu os antigos displays de LED (diodo emissor de luz) dos mode‐ los iniciais de calculadoras. No final de 1980, o mercado das apli‐ cações de consumo interno estava saturado, começando rapidamente a decrescer. A figura 2 apresenta a partici‐ pação das aplicações FV de 1974 até 1984.
No período de 1984– 1994, a indústria fotovol‐ taica recebeu relativamente poucos projetos de demons‐ tração de governos e con‐ cessionárias, bem como poucos incentivos. Como resultado, os fabricantes de filmes fotovoltaicos finos e células cristalinas (principal‐ mente a‐Si) precificaram os módulos abaixo do custo, demonstrando uma dis‐ posição de continuar pro‐ duzindo e vendendo com margens negativas.
A figura 3 ilustra as vendas, custos e preços de FV desde 1984 até 1994. Durante este período, as vendas cresceram a uma taxa anual composta de 13% (17,50 MWp para 61 MWp), os custos diminuí‐ ram a uma taxa anual com‐ posta de 7% ($ 14,66/Wp para $ 7,32/Wp) e os preços médios do módu‐ lo diminuíram a uma taxa anual composta de 6% ($ 15,56/Wp para $ 8,08/Wp). Houve menos progresso durante este período na redução dos células e filmes finos.
A figura 4 apresenta a participa‐ ção das aplicações de 1984 até 1994. A implantação durante este período continuou a ser dominada pelas apli‐ cações fora da rede, particularmente a residencial (casas, vilas, bombeamento de água e iluminação).
No período de 1994 a 2004, houve aumento nos incentivos legislados por governos, tanto baseados na capacida‐ de quanto o início da tarifa feed-in.
Na década de 1990, os incentivos ba‐ seados na capacidade (principalmente descontos) adotados na Califórnia (EUA), Alemanha (100 000 telhados) e Japão (programa de telhados residen‐ ciais) impulsionaram a demanda ace‐ lerada para instalações fotovoltaicas. O programa alemão foi acompanhado por financiamento com juros zero e aumentou repentinamente a demanda para as instalações residenciais.
Em meados da década de 2000, o incentivo europeu baseado na tarifa feed-in impulsionou a demanda para níveis de gigawatts; contudo, isto foi muito rápido para que uma indústria acostumada a incentivos baseados em iniciar/parar pudesse reagir a um mercado subitamente forte. Este perío‐ do não permitiu que os participantes da indústria FV tivessem tempo para efetuar um planejamento; aqueles que tinham capacidade disponível foram beneficiados, mas os demais tiveram que se esforçar para acompanhar.
Durante este período, os preços de todas as tecnologias aumentaram e os preços dos contratos de longo prazo para o silício policristalino, wafers, cé‐ lulas e módulos elevaram‐se significa‐ tivamente. A rentabilidade foi uma nova experiência para os participantes da indústria FV, e com a falta de fornecimento dos módulos cristalinos, os filmes finos tornaram‐se a esperança para o futuro.
De 1994 até 2004, as vendas FV cresceram a uma taxa anual composta de 33% (61 MWp para 1 GWp), os custos diminuíram a uma taxa anual composta de 8% ($ 7,32/Wp para $ 3,33/Wp) e os preços médios do módulo diminuíram a uma taxa anual composta de 6% ($ 8,08/Wp para $ 3,54/Wp), como demonstra a figura 5. Uma forte demanda incentivou os fabricantes da indústria fotovoltaica a aumentar o preço e começar a apreciar margens positivas.
No início da década de 2000, impulsionada por incentivos na Califórnia, Japão e Europa, a implantação fotovoltaica efetuou a transição de aplicações fora da rede, geralmente não apreciadas e para as quais incentivos não eram solicitados, para a implantação conectada à rede. Durante este período, 100% das instalações conectadas à rede implantadas solicitaram incentivos, e também teve início a implantação impulsionada por investidores em multimegawatts (escala de concessionária). A figura 6 mostra a participação das aplicações fotovoltaicas de 1994 até 2004.
De 2004 a 2008, as tarifas feed-in eu‐ ropeias impulsionaram a demanda global, e elevaram a participação da Europa para mais de 80% do total global. O incentivo é, contudo, caro para ser mantido, e os governos consequentemente começaram a instituir mudanças retroativas e reduções rápidas. As mudanças retroativas desapontaram os investidores, enquanto os investidores, enquanto as reduções rápidas nas tarifas FiT consolidaram o comportamento dos participantes da indústria, ou seja, assim que uma redução era anunciada, os participantes efetuavam a implantação a um ritmo ainda mais rápido, aceitando margens menores para continuar a implantar. Durante este período, a indústria fotovoltaica global foi estabelecida com um padrão de comportamento frenético, muitas vezes não‐rentável.
De 2004 até 2014, as vendas cres‐ ceram a uma taxa anual composta de 44% (1 GWp para 39,3 GWp), os custos diminuíram a uma taxa anual compos‐ ta de 13% ($ 3,33/Wp para $ 0,87/Wp) e os preços médios do módulo dimi‐ nuíram a uma taxa anual composta de 14% ($ 3,54/Wp para $ 0,81/Wp) (figura 7). Incentivos instáveis, bem como um período prolongado de precificação agressiva desde 2008 até 2012, levaram os fabricantes de FV a aceitar margens desde baixas até negativas. Este período foi acompanhado por uma significativa consolidação dos fabricantes da indústria.
A figura 8 exibe a participação nas aplicações da indústria fotovoltaica de 2004 até 2014. Durante este período, as aplicações conectadas à rede – sem dúvida o setor mais volátil – passaram a dominar, atingindo quase 100% da implantação fotovoltaica.
A teoria econômica comportamental considera que as interações humanas são complexas e que as motivações econômicas incluem nuances além da maximização da utilidade. Isto é certamente verdadeiro na indústria solar global, uma vez que em toda a sua história houve interação dentro de um contexto de incentivos e subsídios baseados no conceito da disponibilidade variável (here-one-day-gone-the-next), expectativas de quedas de preços significativas, competição com tecnologias de energia convencional adequadamente subsidiadas, além de uma percepção contínua entre muitos de que a energia solar permanece sendo um experimento científico. De forma global, a indústria solar pode certamente continuar evoluindo, mas se não houver mudanças no comportamento, ela pode não continuar a fazê-lo de forma rentável.
Qualquer tipo de estímulo econômico, até mesmo um ilusório, ainda é necessário para incentivar o mercado de instalações FV. A dependência que a indústria FV tem de incentivos criou e promoveu um comportamento específico entre os participantes de oferta e demanda (fabricantes e aqueles que compram e instalam os módulos). Quando é determinado o término ou a redução de um incentivo, como ITC Investment Tax Credit, a atividade de instalação aumenta significativamente [N. da R: O ITC prevê deduções fiscais equivalentes a até 30% dos custos de sistemas fotovoltaicos]. No caso específico de projetos impulsionados por ITC, que possuem um cronograma de desenvolvimento de longo prazo, a implantação dos sistemas > 50 MWp está sendo paralisada, enquanto a das aplicações residenciais e comerciais de pequeno a médio porte (sistemas que podem ser instalados no final de 2016) está aumentando. A aceleração da implantação de sistemas menores dá a falsa impressão de que a demanda está crescendo organicamente.
Em relação à precificação, os participantes da indústria FV se comprometeram a rapidamente reduzir os preços dos módulos e sistemas, o que não pode ser mantido constantemente de forma rentável.
Desde 2012, os incentivos que impulsionam a aplicação conectada à rede continuam a declinar, com novos programas sendo cancelados frequentemente antes de qualquer implantação ter sido efetuada. Os incentivos são muitas vezes definidos por licitação, restringindo as margens para aqueles do lado da demanda da indústria fotovoltaica (desenvolvedores, EPC Engineering, Procurement and Construction (engenharia, suprimentos e construção), instaladores), os quais estão normalmente dispostos a se comprometer e adotar um comportamento econômico contra seus melhores interesses para continuar a implantar.
À medida que os incentivos dimi‐ nuem e desaparecem globalmente, outros modelos de negócios passarão a ser o principal impulsionador da implantação, particularmente aqueles que utilizam propriedade de terceiros (third party ownership).
O armazenamento possibilita que uma residência ou empresa seja autos‐ suficiente, talvez até o nível em que o desacoplamento por longos períodos da rede da concessionária passe a ser mais importante para uma implanta‐ ção contínua somente em conjunto com a disponibilidade de net metering, bem como uma mudança significativa nas estruturas da concessionária e mo‐ delos de negócios.
Modelos de negócios que incentivam o autoconsumo oferecem potencial para mitigação das preocupações da conces‐ sionária sobre variabilidade, reduzindo, ao mesmo tempo, suas receitas. Esta dicotomia precisará ser abordada para que a GD FV continue a crescer.
As concessionárias estão atualmente abordando o crescimento de FV, particularmente no segmento residencial, por meio da implementação de taxas para os proprietários de sistemas FV e aplicação de pressão política com o objetivo de acabar ou reduzir seve‐ ramente os programas de net metering. Uma vez que a taxa de conexão e outras taxas para os proprietários/locatá‐ rios de sistemas FV sejam implementadas, elas são susceptíveis de aumentar ao longo do tempo — uma situação que desencorajaria os usuários finais a efetuar leasing ou compra de um siste‐ ma FV. O net metering é crucial para a implementação contínua da GD solar comercial e residencial.
Um futuro energético autossuficien‐ te, particularmente para a eletricidade, requer um grau de desacoplamento das concessionárias, além de mais res‐ ponsabilidade por parte do proprie‐ tário ou locatário do sistema FV. Conscientização será exigida, assim como participação na manutenção do sistema FV. Isso significa que os modelos atuais de leasing do sistema FV precisarão ser autorregulados para incentivar a conscientização e a responsabilidade do usuário final.