Marco Lindner (Universidade Técnica de Munique), Rolf Witzmann, Ole Marggraf, Stefan Laudan, Bernd Engel, Sören Patzack, Hendrik Vennegeerts, Markus Gödde, Fabian Potratz, Armin Schnettler (Alemanha)
Data: 23/06/2017
Edição: FV - Maio - 2017 No 10
Compartilhe:O Cenário seguinte ilustra um problema típico que podem enfrentar as empresas operadoras do sistema de distribuição(OSD) a geração de energia solar fotovoltaica (FV) tende para o máximo, e o consumo de energia tende a zero. A consequência é uma elevação da tensão da rede, o que coloca em risco a operação segura de toda uma área do sistema. Contudo, o OSD é obrigado a observar limites de tensão máximos e mínimos, mediante recursos adequados, e com isso assegurar que a tensão não se afaste da faixa estabelecida por norma [1]. Trata-se da regulação estática de tensão, cuja tolerância é de ±10% (no máximo, portanto, 20%) da tensão nominal. Desse total, conforme a norma VDE para fontes de geração distribuída (GD), 3% se aplicam a redes de baixa tensão, e 2% a redes de média tensão [2]. [N. da R.: No Brasil aplicam-se aos sistemas de distribuição as prescrições do Módulo 8 do Prodist, versão 8, de 01/01/2017, disponível em http://www.aneel.org.br.]
Naturalmente, no passado também já eram necessários meios de controle e regulação da rede. Utilizava-se para tal a energia de usinas geradoras convencionais e outras instalações eletrotécnicas, e não se deve recear mudanças da noite para o dia. Entretanto, na medida em que diminui a proporção das usinas tradicionais no fornecimento de energia, e aumenta simultânea e continuamente a geração de energias renováveis, os sistemas fotovoltaicos e outros devem ter parte ativa nos meios de controle, e talvez em algum momento assumir integralmente essa função.
As funções de suporte à rede essenciais para a operacionalidade do sistema elétrico – estabilidade da frequência, estabilidade da tensão, restabelecimento do sistema e gerenciamento operacional – constituem um conjunto de serviços. Eles estão orientados para a transição energética do sistema e devem também satisfazer requisitos futuros. Numa projeção para 2030, visando a segurança e a confiabilidade do fornecimento de energia com elevada participação de fontes renováveis, a Agência de Energia Alemã (Dena) analisou e definiu as medidas de suporte à rede possíveis.
Tendo em vista que essa transição do sistema para fontes renováveis (Energiewende) afeta igualmente projetistas e instaladores, um resumo dessa análise, apresentado na primeira parte deste artigo, é útil como introdução ao tema. Evidentemente, uma alteração na estrutura do sistema eletroenergético com tal profundidade demanda inovações e novos produtos técnicos. Entre estes, destaca-se o transformador regulador para rede local, abordado na segunda parte deste artigo.
O estudo da Dena foi elaborado por especialistas em transmissão e distribuição de energia, bem como projetistas e fabricantes de equipamentos elétricos para esse segmento. Em síntese, os autores apresentam recomendações para que sejam alcançados os objetivos desejados, conforme segue.
A responsabilidade pela estabilidade do sistema elétrico na Alemanha é dos operadores da transmissão, que também assumem a coordenação com outras empresas congêneres do sistema interligado europeu. Para cumprir a sua atribuição legal de manter o sistema em condições estáveis, e de conduzi-lo de volta à normalidade após um eventual colapso, eles se defrontam com uma certeza física irrevogável: a quantidade de energia injetada na rede deve corresponder, a cada instante, à quantidade de energia retirada da rede. Se essa equivalência oscilar, a frequência predeterminada da rede pública (50 Hz, naquele país) diminui ou aumenta, com consequências negativas que podem chegar à destruição da rede e das cargas por ela alimentadas. Compete, então, aos operadores da transmissão tomar providências imediatas para restabelecer a frequência ao seu valor nominal. Aqui entram em cena principalmente a reserva momentânea e a reserva de regulação.
A reserva momentânea consiste da energia cinética armazenada na massa girante dos geradores das usinas convencionais. Graças à sua inércia, é possível amortecer com ela oscilações rápidas de frequência. O estudo da Dena determina que, futuramente, quando a disponibilidade de massas girantes nas usinas convencionais em um dado momento já não for suficiente, sejam utilizadas instalações de geração distribuída com inversores para fornecimento de reserva momentânea. Particularmente geradores eólicos, grandes usinas solares e acumuladores podem ser tecnicamente configurados para atender a essa função. Também para a potência de regulação, com a qual os operadores da transmissão corrigem variações de frequência, os autores do estudo recomendam cobrir a crescente demanda, causada pelo declínio dos tempos de operação das usinas convencionais, por meio de acumuladores, geradores de energia renovável e cargas flexíveis. [N. da R.: Informações sobre a atuação da Agência de Energia Alemã podem ser consultadas em http://www.dena.de, também no idioma inglês.]
De acordo com a norma europeia [1], admite-se para a tensão da rede pública uma variação de ±10%. Essa faixa de 20% deve ser respeitada pelo OSD, o que já implica dificuldades causadas pelas flutuações da geração proveniente de fontes renováveis. Não fosse a obrigação legal de conectar essas fontes à rede pública imediatamente, e integrá-las de tal modo que o sistema se mantenha estável apesar do incremento na geração, o OSD seria pressionado pelos custos decorrentes, com consequências imprevisíveis para o processo de transição energética.
Caso se torne necessária uma medida visando a estabilidade estática da tensão, o OSD pode escolher entre diversos conceitos, como o suprimento de energia reativa, a utilização de transformadores reguladores para rede local, a instalação de cabeamento adicional ou a ampliação da rede em larga escala. Visando o ano de 2030, a Dena oferece no seu road map [3] a seguinte recomendação sobre a estabilidade estática da tensão: Tanto em redes de transmissão como de distribuição são crescentes as exigências de estabilidade de tensão, ao mesmo tempo em que diminuem os tempos de operação das usinas convencionais. Por isso, deve ser reforçada a utilização de fontes alternativas de energia reativa. As possibilidades para tal já foram pesquisadas, mas ainda demandam desenvolvimento antes de que estejam maduras para aplicação prática. No futuro próximo, diversos pesquisadores e operadores de rede consideram que os transformadores reguladores estão em posição de vantagem.
Nos grêmios nacionais e internacionais de normalização, as atenções estão voltadas no momento para a estabilidade de tensão dinâmica. Cabe esclarecer que os regulamentos vigentes determinam que instalações geradoras de baixa tensão sejam desconectadas da rede quando ocorrerem afundamentos momentâneos de tensão causados por faltas na rede de nível superior. Conforme a quantidade de instalações atingidas ou a sua potência, a estabilidade do sistema pode ser afetada por esse desligamento. Diversos estudos da VDE discutem atualmente se, e em que casos, pode ser evitada a desconexão da rede perante um afundamento de tensão [4]. Futuramente, para ter condições de assegurar a estabilidade da rede não só em regime normal, mas também em caso de falta, as instalações geradoras deverão aportar elevadas potências de curto-circuito na rede. Isso é necessário, entre outras razões, para que os curtos-circuitos possam ser seguramente detectados, e a fim de limitar as quedas de tensão locais. Essa medida é classificada como dinâmica e significa que os geradores, diante de afundamentos de tensão muito breves, tipicamente da ordem de 100 ms, não se desconectam da rede como ocorre atualmente, e sim, em curtíssimo tempo, podem novamente fornecer energia ativa. Entretanto, segundo a Dena, ainda é preciso ampliar a pesquisa para avaliar em detalhes os efeitos de uma oscilação da potência de curto-circuito sobre o sistema de proteção.
Como o termo indica, trata-se de restabelecer a operação de usinas geradoras de grande porte no sistema de transmissão após uma interrupção no suprimento de energia total, ou parcial que afete extensa região. Como essas perturbações não são relevantes para os projetistas e outros profissionais de eletricidade que operam localmente, vamos citar apenas os objetivos que se esperam do restabelecimento do sistema no futuro, do modo como a Dena os formulou no roteiro para 2030: Após um apagão, o suprimento de energia deve poder ser restabelecido com confiabilidade, qualquer que seja a situação de geração das fontes renováveis.
Este tópico interessa em particular ao OSD, a quem compete supervisionar e, se necessário, controlar a rede de distribuição com todas as unidades geradoras e cargas, visando garantir a operação segura do sistema como um todo. A esse respeito, o roteiro da Dena prescreve: As exigências de gerenciamento operacional aumentam em todos os níveis de tensão, principalmente devido ao número crescente de unidades de geração distribuída, cuja coordenação perpassa todos os níveis. Para tanto, devem ser desenvolvidos processos e ferramentas adequados, bem como ser capacitado o pessoal envolvido no gerenciamento operacional.
Neste ponto passamos examinar os transformadores reguladores para redes locais, aqui designados com o acrônimo TR [Ronts, na sigla em alemão, para Regelbare Ortsnetztransformatoren]. Os operadores do sistema depositam grandes esperanças nos TRs para estabilizar as redes de distribuição com múltiplas alimentações de GD. Eles apresentam em muitos casos melhor desempenho na estabilidade da tensão do que os transformadores convencionais existentes, e podem substituí-los sem grandes investimentos físicos e financeiros. Além disso, como revelam as pesquisas, em redes rurais com TRs é possível triplicar a potência de geração máxima distribuída entre os pontos de conexão à rede [5]. Mesmo em redes que alimentam pequenos povoados, a potência pode ser duplicada.
A grande vantagem dos transformadores reguladores decorre da sua configuração elétrica: a relação de transformação não é fixa, mas ajustável sob carga por meio de um comutador de derivações. Esta técnica não tem nada de novo, quase todos os transformadores de potência em sistemas de alta tensão funcionam consoante esse princípio. Já em redes de média e baixa tensão sua aplicação foi esparsa, porque ali a necessidade de estabilizar a tensão ocorre raramente; bastam transformadores com relação de transformação fixa, ajustável somente sem carga e sem tensão. Pois esta imagem que nos acompanha há décadas está desaparecendo, não por último devido ao forte incremento da GD com fontes renováveis, do advento da eletromobilidade, da irreversível disseminação das bombas térmicas e da evolução da tecnologia de regulação de tensão.
Confirmando essa tendência, a empresa MR Maschinenfabrik Reinhausen GmbH, que se declara pioneira nesse campo, forneceu em 2016 um lote de 180 TRs à concessionária alemã E.ON, e mais de 500 unidades mundialmente, desde o lançamento do modelo Gridcon iTAP, em 2012. O equipamento consiste de um comutador de derivações sob carga, um regulador de tensão, instrumentos de medição de tensão e de corrente, e do próprio transformador (figura 1, pág. 28).
A mais recente versão desse TR dispõe de um algoritmo para ajuste dinâmico da tensão, em função da potência aparente medida ou da corrente, com possibilidade de identificar o sentido do fluxo. Este conceito de regulação é em particular vantajoso para redes com múltiplas fontes de GD em baixa tensão, porque ele reconhece se, e em que medida, o transformador está injetando corrente na rede de média tensão a montante, e pode assim ajustar coerentemente sua característica de regulação.
Com os transformadores reguladores, dois temas correlatos ganharam relevância: a capacidade de comunicação segundo IEC 60870-5-104, e o decreto sobre eco-design da União Europeia. No primeiro caso, o fabricante alemão MR atende os requisitos de comunicação, inclusive opcionalmente com o Modbus TCP. Quanto aos novos limites para perdas em vazio e em curto-circuito estabelecidos pelo decreto da EU, o transformador da MR, conforme a execução, supera as exigências normativas. Por meio do projeto do TR e da parametrização de um software, é ainda possível ao Gridcon iTAP não produzir perdas em vazio adicionais, o que o torna desde já compatível com os requisitos do decreto válidos a partir de meados de 2021.
A empresa energética da cidade alemã de Gronau decidiu instalar um transformador regulador para rede local, em substituição a um transformador convencional existente. O objetivo é adquirir experiência com essa tecnologia, que representa uma alternativa à necessidade de expansão da rede.
Após a avaliação de todas as propostas, a empresa optou por um TR tipo Minera SGrid, de fabricação Schneider Electric. Em contraste com o produto da MR, descrito anteriormente, cuja estratégia de regulação já consolidada pode ser vista como uma solução clássica, o equivalente da Schneider baseia-se num outro conceito eletrotécnico: o Minera SGrid é composto de dois transformadores, sendo a potência do segundo apenas 10% da potência do transformador principal. O princípio é simples e conhecido; a regulação não é efetuada no transformador maior, mas no menor (booster transformer), cuja tensão serve de referência para elevar ou abaixar a tensão de saída do transformador principal (figuras 2 e 3).
Uma vantagem significativa desse conceito é que, reduzindo-se a potência do transformador, a corrente a ser comutada também diminui e pode perfeitamente ser manobrada por contatores de baixa tensão comuns, de aquisição rápida e econômica. O desgaste esperado é menor, assim como os custos de manutenção para o operador. Entre as demais características do TR da Schneider podem ser mencionadas a regulação exata para tensões nominais de até 36 kV, a demanda de manutenção extremamente reduzida devido à ausência de partes móveis no interior do tanque do transformador, e os diversos modos de regulação disponíveis.