A extensa lista de ex-tarifários para equipamentos solares fotovoltaicos está inibindo a criação de uma cadeia produtiva nacional para atender os projetos solares no Brasil. É fácil constatar a situação ao se atentar para o desempenho das poucas indústrias locais que se “atrevem” a produzir no País.
A Sengi Solar, produtora de módulos solares em Cascavel, Paraná, por exemplo, está continuamente retardando seus planos de ampliação no Brasil por conta da dificuldade de concorrer com os importados chineses, segundo revelou seu diretor de engenharia e operações, Everton Fardin, que participou nesta quinta (31/8) de painel sobre reindustrialização da cadeia produtiva nacional no congresso da Intersolar South America.
Segundo ele, o módulo hoje produzido na fábrica da Sengi fica 40% mais caro do que o importado. “Como pode a composição da matéria-prima importada que eu hoje uso para transformar o módulo aqui chegar a apenas 1 centavo mais barato que o módulo chinês pronto”, diz.
Essa situação, explica Fardin, faz a unidade, com capacidade para produzir 500 MW/ano estar hoje operando em apenas um turno. Também uma planejada segunda unidade, para Ipojuca, em Pernambuco, com mesma capacidade, tem tido seu cronograma atrasado, mas com previsão de sair do papel em 2024.
Para Fardin, o cenário demanda, mais do que protecionismo, isonomia para competir com os chineses. Ele cita o exemplo dos Estados Unidos, que está implementando política de desenvolvimento de cadeia produtiva local para atender o setor solar e que reconheceu a prática de dumping chinês para os módulos, não só seguindo recomendação da Organização Mundial do Comércio (OMC), como estudando a cadeia de suprimento da China. “Eles concluíram que os chineses internamente vendem o módulo mais caro, o que configura que nas exportações há a injeção de subsídios governamentais para conquistar mercados”, continua o executivo.
Essa política favorável para a produção nos Estados, aliás, que inclui incentivo de 7 centavos de dólar/watt produzido para a produção de módulos, e outros para todo o restante da cadeia, tem feito a Sengi considerar a abertura de uma terceira fábrica nos Estados Unidos, que tem procurado relações comerciais e industriais fora do eixo da China. “Estamos em conversas adiantadas com eles”, disse Fardin à FotoVolt.
Outro exemplo de política que deveria ser adotada no Brasil ocorre na Austrália, explica Fardin, onde são feitas auditorias dos módulos nos próprios portos para atestar a qualidade do produto e também a chamada “fake power”, ou seja, o falseamento na potência do módulo, vendido como de capacidade maior do que a de fato. Caso as autoridades atestem alguma irregularidade, os fabricantes ficam proibidos de negociar com o país por prazos de até cinco anos. “Por isso os chineses aproveitam mercados como o brasileiro, que não tem nenhum tipo de proteção, para exportar seus módulos de forma massiva”, disse.
Além de afetar os planos para ampliação da produção de módulos, esse cenário, segundo Fardin, também impacta a meta da empresa de estender a cadeia no upstream, construindo fábrica de células solares, para diminuir ou mesmo extinguir a dependência chinesa da matéria-prima.
Segundo ele, para comportar uma fábrica de células solares no Brasil, seria necessária demanda local de produção de módulos por volta de 4 GW, sendo que hoje a capacidade instalada nacional gira em torno de 2,1 GW. Já para criar cadeia para fornecedores de componentes para módulos hoje importados, caso do vidro e do backsheet, precisaria ter produção mínima nacional de 2 GW.
Caso o Brasil passasse a adotar uma política isonômica, segundo levantamento da Sengi, o total importado de módulos em 2022 no Brasil, de 17,8 GW, poderia criar 36 fábricas nacionais de módulos, com capacidade de 500 MW por ano cada, que gerariam 21 mil empregos diretos, 100 mil indiretos e R$ 1,6 bilhão em investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Ao contrário disso, os produtores locais, com todas as dificuldades de competição, responderam por apenas 0,20% do consumo de módulos no Brasil em 2022. Trata-se de um processo de desindustrialização, já que em 2017 a participação nacional era de 29%.
Atualmente, além da Sengi, os produtores locais são a BYD (capacidade de 500 MW), Pure Energy (310 MW), Globo Brasil (180 MW) e Balfar Solar (120 MW).
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