Os aços austeníticos com alta resistência mecânica estão se tornando cada vez mais importantes na indústria automotiva, particularmente pela combinação de alta resistência mecânica com alta estampabilidade e por sua menor densidade específica em comparação aos aços de baixa liga convencionais(1). Contudo, seu processamento por soldagem impõe alguns desafios. É o que mostram alguns trabalhos(2), nos quais foi constatado que sequências específicas de operações envolvendo soldagem a ponto por resistência elétrica podem gerar trincas superficiais com tamanho considerável na região da endentação do eletrodo e em sua periferia. Nesses trabalhos(2), foi analisada a influência de tais trincas superficiais sobre a resistência à fadiga das chapas soldadas. As conclusões de vários trabalhos anteriores(1-7) foram consistentes, não tendo sido constatada nenhuma influência dessas trincas sobre o comportamento estrutural do material. Para possibilitar uma avaliação global sobre a influência de tais trincas sobre as características da resistência mecânica de juntas em forma de ponto soldadas sob condições reais de solicitações mecânicas, também é muito importante efetuar ensaios sob altas velocidades de solicitação mecânica, como as que podem ocorrer em casos reais de colisões entre automóveis.
Portanto, ensaios de tração sob alta velocidade efetuados em trabalhos anteriores(2), usando corpos de prova de cisalhamento sob tração contendo trincas, são úteis neste contexto. A avaliação que se deseja efetuar sobre a influência das trincas superficiais pode ser conseguida por meio de uma comparação entre os valores de resistência ao cisalhamento sob tração, de capacidade de absorção de energia e o comportamento da fratura que forem obtidos para corpos de prova contendo trincas ou não.
Procedimento experimental
Foi utilizado um aço austenítico ao manganês com alta resistência mecânica, na forma de chapas com espessura de 1,7 mm, para efetuar a análise da resistência mecânica dinâmica sob a influência de trincas de solda. Devido à sua composição química peculiar, esse material apresenta alta sensibilidade à formação de trincas durante a soldagem a ponto por resistência elétrica. Os ensaios de tração sob alta velocidade deste estudo foram feitos utilizando corpos de prova que apresentavam a geometria mostrada na figura 1.
Fig. 1 – Dimensões do corpo de prova para ensaio de cisalhamento sob tração para os testes de fadiga
Os ensaios de soldagem efetuados com o objetivo de obter os corpos de prova de referência, isentos de trincas, bem como aqueles contendo trincas, foram efetuados usando-se uma pinça em forma de “X” em um equipamento operando sob corrente alternada, bem como uma unidade pneumática para gerar a energia necessária para manter pressionadas as peças a serem unidas, utilizando pontas de eletrodo do tipo F16 (superfície de trabalho igual a 6 mm). Mais detalhes podem ser vistos em trabalhos anteriores(2). Para garantir a comparabilidade entre os resultados obtidos, foram adotados parâmetros de soldagem idênticos para a confecção de todos os corpos de prova (com ou sem a presença de trincas):
Neste estudo foram confeccionados e ensaiados seis corpos de prova apresentando trincas de solda em diversos locais, mais cinco corpos de prova de referência sem trincas.
A ausência de trincas nos corpos de prova de referência foi garantida por meio de exame visual e de ensaios radiográficos. Deve-se observar que uma significativa formação de trincas durante os ensaios de soldagem somente ocorreu nos casos em que se aplicou a soldagem tripla, processo sob o qual a união em ponto é confeccionada pela repetição tripla da operação de soldagem. A classificação das trincas foi feita conforme o padrão mostrado na figura 2.
Fig. 2 – Classificação das trincas conforme seu local no botão de solda
Os ensaios de cisalhamento sob tração em alta velocidade foram executados em máquina de tração hidráulica (“mordida rápida”), sob velocidade de tracionamento igual a 5 m/s. O equipamento usado para executar esses ensaios está presente na figura 3. Nessa oportunidade, a medição do deslocamento foi feita sobre a superfície dos corpos de prova utilizando um vibrômetro a laser.
Fig. 3 – Aparato experimental para a execução dos ensaios de cisalhamento sob tração a alta velocidade
Para viabilizar a comparação posterior entre os corpos de prova com e sem trincas, foi selecionado como parâmetro de avaliação a capacidade de absorção de energia Wges, medida sob o valor máximo de carga suportada (carga de cisalhamento sob tração). A capacidade global de absorção de energia foi determinada pela integração da área sob a curva de força versus deslocamento (figura 4).
Fig. 4 – Representação esquemática para determinação da capacidade de absorção de energia Wges
Resultados e discussão
A transferibilidade dos resultados obtidos na soldagem tripla para o processo convencional (soldagem única) já havia sido comprovada(2) pela comparação da evolução da dureza; portanto, ela não mais será discutida aqui. Os estudos sobre a influência das trincas sobre a resistência mecânica dinâmica foram feitos usando corpos de prova de cisalhamento sob tração com trincas na região de transição e na região periférica, de acordo com as condições mostradas na figura 2. Já a figura 5 apresenta exemplos de corpos de prova com trincas nos locais mencionados. Além disso, nas figuras 5b e 5d também são mostradas seções transversais dos corpos de prova após os ensaios destrutivos.
Fig. 5 – Trincas em vários locais dos corpos de prova para cisalhamento sob tração já ensaiados: (a) trincas localizadas na região de transição; (b) seção transversal do corpo de prova com trinca na região de transição; (c) trincas localizadas na região periférica; (d) e (e) seção transversal da superfície de fratura do corpo de prova ‘c’, com destaque para a região da trinca.
Um critério essencial para a avaliação do risco decorrente das trincas em uma junta soldada é sua geometria. Particularmente a profundidade de penetração prova para determinar a capacidade de absorção de energia): profundidade de trinca entre 0,30 e 0,80 mm.
Foram medidas as trincas que apareceram na região de transição da seção transversal (figura 5b). Os corpos de prova com trincas na região periférica sempre falharam com fratura ocorrendo por meio do destacamento do botão de solda na região das trincas geradas pela soldagem. Neste caso, foram feitas medições das profundidades das trincas presentes na superfície de fratura do corpo de prova (figuras 5c e 5d). Vale a pena notar que somente se considerou um plano de corte durante a determinação das profundidades das trincas na seção transversal; portanto, provavelmente não foi determinada a profundidade máxima da trinca. A figura 6 mostra um exemplo da evolução da força ao longo do deslocamento e da evolução da velocidade de tracionamento para um corpo de prova de cisalhamento sob tração de referência, isento de trincas, e outro apresentando trincas. Pode-se observar a partir daí que, nos ensaios dinâmicos de tração, a velocidade de tracionamento não é constante durante o ensaio devido à inércia decorrente da massa do sistema. Contudo, as oscilações mostradas para todos os corpos de prova ensaiados apresentaram magnitudes comparáveis e, portanto, não exercem nenhuma influência significativa sobre a força de cisalhamento sob tração ou a evolução da força ao longo do deslocamento.
Fig. 6 – Exemplo dos gráficos que mostram a evolução da força ao longo do deslocamento e a velocidade de tracionamento: (a) corpo de prova de referência, sem trincas; (b) corpo de prova com trincas de solda.
A figura 7a (pág. 24) apresenta uma comparação entre as evoluções de força ao longo do deslocamento para corpos de prova de referência e para corpos de prova apresentando trincas de solda. Ela mostra que as trincas produzidas não influenciaram de forma significativa a evolução da força ao longo do deslocamento até alcançar o valor máximo da força (força de cisalhamento sob tração). Já a figura 7b (pág. 24) efetua uma comparação entre os valores médios da força de cisalhamento sob tração para os corpos de prova de referência e para os corpos de prova contendo trincas, sendo que neste último caso eles foram classificados conforme a localização das trincas (para grupos de três corpos de prova com trinca na região de transição e na região periférica). Pode-se observar que a força de cisalhamento sob tração corresponde ao valor máximo da curva de força versus deslocamento. A partir desses resultados ficou claro que a presença de trincas nas regiões tanto de transição como periférica não levaram a nenhuma redução dos valores de resistência ao cisalhamento sob tração.
Fig. 7 – (a) Evolução da carga ao longo do deslocamento para cinco corpos de prova de referência e seis corpos de prova com trincas de solda; (b) valor médio da força máxima de cisalhamento sob tração considerando três corpos de prova com trincas na região de transição ou na região periférica.
Contudo, uma análise mais detalhada da evolução da força ao longo do deslocamento no caso dos corpos de prova contendo trincas mostrou um comportamento diferenciado da fratura no caso em que as trincas se localizavam na região periférica. De fato, os corpos de prova isentos de trincas e os que continham trincas na região de transição apresentaram evoluções comparáveis, conforme se pode observar na figura 8 (curvas com cor azul e negra). Por sua vez, no caso dos corpos de prova contendo trincas na região periférica (curvas de cor marrom), não ocorreu queda abrupta da força após ter sido alcançado seu valor máximo, mas sim uma diminuição progressiva do seu valor. Isso indicou uma alteração na morfologia da fratura, que passou de cisalhamento para destacamento do botão de solda.
Fig. 8 – Comparação entre as curvas de carga ao longo do deslocamento para um corpo de prova de referência, um corpo de prova com trinca na região de transição e três corpos de prova com trinca na região periférica.
As fratografias dos correspondentes corpos de prova confirmam a mudança na morfologia de fratura. A figura 9 mostra exemplos da morfologia da fratura em corpos de prova sem e com trincas na região de transição. Nesses casos, trata-se exclusivamente de fratura por cisalhamento.
Fig. 9 – Fratografias: (a) corpo de prova de referência; (b) corpo de prova com trinca na região de transição.
A figura 10a apresenta um exemplo da vista superior com a localização das trincas de solda para um corpo de prova com trincas na região periférica. Já a figura 10b (pág. 26) destaca o corpo de prova de cisalhamento sob tração com o botão de solda já destacado, deixando claro que a fratura ocorreu na região das trincas de solda. Isso também foi confirmado pelo destaque da superfície de fratura da chapa superior (figura 10c), na qual as trincas de solda estão claramente mais elevadas em relação à região restante da fratura.
Para avaliar a influência das trincas de solda sobre os parâmetros mecânicos determinados sob solicitação de cisalhamento sob tração, foi então efetuada uma análise complementar sobre a capacidade de absorção de energia correspondente ao valor máximo de resistência ao cisalhamento sob tração (figura 11). A comparação entre os resultados mostrou que, em concordância com o que já havia sido observado com as forças de cisalhamento sob tração (figura 8b), não ocorreu nenhuma diminuição da capacidade de absorção de energia, seja com as trincas presentes na região de transição, seja na região periférica. Ou seja, a alteração da morfologia da fratura, de cisalhamento para destacamento do botão de solda, não provocou nenhuma alteração significativa dos valores obtidos de energia absorvida. Deve-se observar que somente puderam ser usados dois corpos de prova para avaliar as trincas na região periférica, devido às condições do ensaio.
Conclusões
Os resultados obtidos neste trabalho mostraram que trincas superficiais presentes na região de transição e na região periférica da endentação dos eletrodos, com profundidade de até 0,8 mm (considerando-se chapas com espessura individual de 1,7 mm), não exerceram influência negativa sobre a resistência ao cisalhamento sob tração determinada por meio de ensaios sob alta velocidade (velocidade de tracionamento igual a 5 m/s) de juntas confeccionadas por soldagem a ponto por resistência elétrica em aços austeníticos com alta resistência. Contudo, pôde-se demonstrar que as trincas presentes na região periférica levaram a uma alteração na morfologia da fratura, a qual passou de cisalhamento para destacamento do botão de solda, o que também acarretou uma mudança na forma da curva força versus deslocamento. Por sua vez, a capacidade de absorção de energia não foi influenciada de forma negativa devido às diferentes localizações das trincas, nem devido à alteração observada na morfologia da fratura.
Considerando o atual estado da arte, pode-se deduzir que os resultados aqui obtidos podem ser transferidos para outros aços austeníticos de alta resistência mecânica. Contudo, são necessários estudos complementares para esclarecer até que ponto é possível transferir esses resultados a componentes mais complexos ao considerar as condições reais de uma colisão automotiva, nas quais ocorre sobreposição de diversos tipos de solicitação mecânica (tração, torção, flexão etc).
Referências
1) Beal, C.; et. al. Liquid zinc embrittlement of twinning-induced plasticity steel. Scripta Materalia 66. 2012. V. 12. p. 1.030-1.033.
2) Brauser, S.; et. al. Einfluss von schweiβbedingten Rissen auf die Schwingfestigkeit von Widerstandpunktschweiβverbindungen aus hochfestem austenitischen Stahl. Schw. Schn. 64. 2012. V. 1-2. p. 28-31.
3) Ritsche, S; Sierlinger, R. Einfluss von Imperfektionen auf die Gebrauschseigenschaften von punktgeschweiβten Mehrphasenstählen. Vortragsbd. 20. DVS-Sondertagung Widerstandsschweiβen. SLV, Duisburg, 2007. p. 40-46.
4) Kiessling, R.; Roos, E. Untersuchungen zu den werkstoffspezifischen Versagensmechanismen von Widerstandspunktschweiβungen unter Crash- und Ermüdungsbeanspruchung. Abschlussbericht, Forschungsvorhaben AiF 14.927 N.MPA. Stuttgart, 2009.
5) Hahn, O; Flüggen. Einfluss zyklischer Belastung auf das, Tragverhalten von Widerstandspunktschweiβverbindungen vor dem Hintergrund der Auslegung crashrelevanter Bauteile. Vortragsbd. 21. DVS-Sondertagung. Widerstandsschweiβen. SLV, Duisburg, 2010. p. 180-191.
6) Gaul, H; et. al. Untersuchungen zur Ermüdungsfestigkeit von Widerstandspunktschweiβvernindungen aus hochfesten Mehrphasenstählen unter Berücksichtigung fertigungsspezifischer Einflüsse. Abschlussbericht, Forschungsvereinigung Stahlanwendung – FOSTA. Düsseldorf, 2011.
7) Gaul, H.; et. al. Evaluation of fatigue crack propagation in spot welded joints by stiffness measurements. Int. J. of Fatigue 33. 2011. V. 5. p. 740-745.
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