As ligas à base de níquel são amplamente utilizadas como material de construção de componentes relevantes do ponto de vista da segurança, não só na indústria química, como também na de energia e do meio ambiente, devido à sua excepcional resistência à corrosão e alta resistência à fluência. Da mesma forma que essas ligas eventualmente precisam suportar severas solicitações durante sua vida útil, também as juntas soldadas devem atender aos mesmos requisitos. Contudo, o processo de soldagem das ligas à base de níquel frequentemente é considerado problemático devido à sua alta sensibilidade ao aparecimento de trincas a quente no metal depositado e na zona termicamente afetada do metal-base. Outros defeitos típicos são falhas de fusão nas juntas em decorrência da alta viscosidade da poça de fusão e das más características de molhamento do metal fundido à base de níquel, bem como a precipitação de fases intermetálicas e carbonetos na microestrutura e, sobretudo, nos contornos de grão do metal de soldagem plenamente austenítico, os quais podem afetar tanto as propriedades mecânicas e tecnológicas do componente, como sua resistência à corrosão. As contramedidas indicadas para enfrentar os problemas citados recomendam a diminuição do aporte de calor durante a soldagem – por exemplo, pela limitação da energia específica e da temperatura entre os passes de soldagem, ou da utilização da técnica de cordão tracejado. Essa situação incentivou o estudo da aplicação de processos de soldagem a arco sob gás de proteção com aporte de calor limitado, usando a tecnologia modificada de arco curto, para a confecção de juntas soldadas de componentes com paredes espessas feitas com ligas de níquel sensíveis ao trincamento a quente. Foi verificado e avaliado o efeito da redução do aporte de calor na produção de juntas usando processos modificados de soldagem sob gás de proteção com arco curto sobre a tendência ao trincamento a quente e a garantia dos requisitos impostos pelas normas técnicas, tendo em vista as irregularidades internas e externas da junta soldada (falhas de fusão entre o metal-base e o depositado pela soldagem, poros etc.), bem como dos valores especificados de propriedades mecânicas e tecnológicas, e da resistência à corrosão.

 

Materiais, processos de soldagem e métodos

Foram selecionadas como metalbase para este estudo diversas ligas austeníticas à base de níquel e uma liga à base de ferro, para uso sob alta temperatura e em meio sujeito à corrosão úmida, bem como as respectivas ligas adequadas para uso como material de adição nos processos de soldagem (tabela 1). Foram pesquisadas diversas variantes de processo para escolher um representante da soldagem modificada com arco curto, as quais são designadas pelas siglas comerciais CMT (Cold Metal Transfer ou transferência a frio de metal), PulsMix e coldArc (por amostragem), as quais foram comparadas com a soldagem convencional a arco pulsante sob gás de proteção. A diminuição do aporte de calor na soldagem nos processos modificados com arco curto aqui estudados ocorre de diversas formas, todas resultando na limitação da corrente de curto-circuito, de forma que a reignição do arco ocorre sob menores intensidades de corrente. No processo coldArc adota-se uma versão modificada da evolução de corrente versus tensão, enquanto o processo CMT inclui adicionalmente o controle digital do processo de avanço do eletrodo em fio. Uma combinação do processo CMT e da soldagem com arco pulsante resulta na variante de soldagem Puls-Mix, a qual apresenta energia específica um pouco superior à do processo CMT convencional e melhor influência sobre a geometria do cordão e da poça de fusão.

A seguir diversos materiais experimentais foram caracterizados de acordo com a sua susceptibilidade ao trincamento a quente usando-se as informações constantes no Relatório Técnico 17641-3 editado pela DIN sobre o ensaio de trincamento sob deformação programada (ProgrammiertenVerformungs-Riss-Test, PVR -Test), seguido da análise metalográfica, para identificar as trincas a quente eventualmente produzidas (figura 1). A liga 59 (2.4605), à base de níquel, mostrou resistência máxima contra o aparecimento de trincas a quente no ensaio programável de deformação e trincamento, enquanto a liga 600H (2.4816) apresentou máxima susceptibilidade ao trincamento a quente. Para estudar a influência do menor aporte de calor decorrente do uso de processos modificados de soldagem com arco curto foram feitos, além dos ensaios programados de deformação e trincamento, testes com um corpo de prova submetido a solicitações internas, o qual era constituído por múltiplas camadas depositadas por meio da soldagem. Os resultados obtidos a partir do comportamento de trincamento a quente de metal-base constituído de liga à base de níquel ou de ferro, bem como de múltiplas camadas depositadas pelo processo modificado de soldagem com arco curto, já se encontram disponíveis na literatura(1-4).

Fig. 1 – Resultado dos ensaios de trincamento a quente (teste de trincamento sob deformação programada, PVR) efetuados em corpos de prova previamente submetidos à soldagem TIG com fusão do metal-base e micrografias das trincas ocorridas para as ligas (a) 800 H e (b) 617.

A partir de uma abrangente otimização tecnológica foram confeccionadas juntas similares em todos os materiais aqui testados usando-se os processos modificados de soldagem com arco curto, as quais foram comparadas com as obtidas por meio da soldagem convencional com arco pulsante, para chapas com espessura na faixa entre 5 e 16 mm. Para produzir altas tensões residuais e elevado grau de susceptibilidade ao trincamento a quente, a soldagem a arco foi feita sob forte restrição de alongamento e de contração. As juntas soldadas foram feitas de maneira totalmente mecanizada e na forma de um cordão em forma de “V”, com um ângulo de abertura de 70°. O aporte de calor durante a soldagem das camadas intermediárias pelo processo a arco sob gás de proteção, expressa por meio do aporte de energia específica, variou entre aproximadamente 3 a 5 kJ/cm ao se usar o processo modificado com arco curto, valor que corresponde a cerca da metade do que é observado na soldagem convencional por arco pulsante (na qual Eeff varia entre 5 e 10 kJ/cm). Foram registradas curvas de temperatura ao longo do tempo na zona termicamente afetada, usando-se termopares para caracterizar a influência do processo sobre a evolução do resfriamento. Foram efetuados ensaios visuais, de líquido penetrante e radiográficos para verificar a presença de irregularidades internas e externas no cordão de solda. As análises por meio de microscopia óptica foram feitas em muitas seções transversais para cada cordão de solda. Foram executados ensaios de aprovação para os cordões de solda (tração transversal, dobramento lateral e transversal, bem como resistência ao impacto) e de corrosão (resistência à corrosão cristalina, conforme a norma técnica ASTM G28-A).

 

Resultados e discussão

Os processos modificados de soldagem com arco curto aqui aplicados para a confecção de juntas soldadas nas ligas estudadas à base de níquel e ferro mostraram altos níveis de estabilidade, na forma de baixa tendência à formação de salpicos e boa separação entre gotas, permitindo a formação de cordões de solda muito uniformes e com alta qualidade, os quais requereram pouco trabalho de acabamento (figura 2). Podese conseguir alta capacidade para deposição de camadas usando-se o processo de soldagem com arco curto por meio da otimização das geometrias das camadas isoladas, bem como pela adequação da configuração das camadas (figura 3). Um grau suficiente de queima (nos flancos) e um bom grau de molhamento podem ser conseguidos adotando-se simultaneamente altas velocidades de requereram pouco trabalho de acabamento (figura 2). Pode-se conseguir alta capacidade para deposição de camadas usando-se o processo de soldagem com arco curto por meio da otimização das geometrias das camadas isoladas, bem como pela adequação da configuração das camadas (figura 3). Um grau suficiente de queima (nos flancos) e um bom grau de molhamento podem ser conseguidos adotando-se simultaneamente altas velocidades de arco sob atmosfera protetora que foram utilizados aqui.

Fig. 2 – Superfície de cordões de solda confeccionados pelos processos de transferência a frio de metal (CMT, parte superior) e Puls-Mix (parte inferior) em uma liga 617.

A evolução medida da temperatura ao longo do tempo mostrou que, ao se usar o processo modificado de soldagem com arco curto, ocorreram poucos picos de temperatura durante a soldagem, bem como um resfriamento particularmente rápido dos cordões isolados durante os intervalos de tempo entre as aplicações dos passes de soldagem. Consequentemente, constatou-se nos ensaios aqui executados que o tempo de confecção para uma junta soldada foi reduzido em até 50% em relação aos processos convencionais de soldagem a arco pulsante sob atmosfera protetora.

Fig. 3 – Macrografias de juntas soldadas em liga 657 (chapa com espessura ‘s’ igual a 12 mm): (a) junta confeccionada pelo processo de transferência a frio de metal (CMT); (b) junta confeccionada pelo processo Puls-Mix; (c) junta confeccionada pelo processo de soldagem com arco pulsante.

Com relação aos efeitos da redução dos níveis de energia específica sobre a tendência ao trincamento a quente durante a soldagem de ligas plenamente austeníticas à base de níquel e ferro, ficou evidente que não é possível evitar com segurança a formação de microtrincas a quente, mesmo aplicando-se o processo modificado com arco curto (tabela 2). As trincas a quente ocorreram de forma isolada, tanto no metal de soldagem quanto no metal-base afetado termicamente. Podem ocorrer trincas de refusão na zona termicamente afetada no cordão de solda nas ligas 617 (2.4663) e 600H à base de níquel, em associação com as bandas de carboneto que se formam devido à ocorrência de segregação no metal-base soldado (figura 4). Foram constatadas microtrincas no metal de solda, nas seções transversais das juntas soldadas das ligas 617 e 625 (2,4856) à base de níquel. A formação de trincas no metal de solda da liga 617 pode ocorrer em associação com o enriquecimento da região interdendrítica com molibdênio, o qual ficou demonstrado pela análise por espectroscopia por energia dispersiva de raios-X (EDX, Energy Dispersive X-Ray Spectroscopy) e da microanálise por sonda eletrônica (EPMA, Electron-Probe Microanalysis).

Fig. 4 – Aparência característica das trincas de refusão que surgem na zona termicamente afetada na junta confeccionada pelo processo de soldagem a arco sob gás de proteção de uma liga 617: (a) microestrutura observada em microscópio óptico; (b) microestrutura observada em microscópio eletrônico de varredura.

Em relação aos efeitos dos níveis reduzidos de energia específica típicos do processo modificado de soldagem com arco curto, foi mostrado que elas se caracterizaram por apresentar altos valores de propriedades mecânicas e tecnológicas, bem como de resistência à corrosão, comparáveis com os obtidos a partir de juntas confeccionadas pelo processo de arco pulsante. Não se conseguiu comprovar a influência das microtrincas detectadas por meio da microscopia óptica sobre os valores medidos de resistência mecânica e ao impacto das juntas soldadas nas ligas à base de níquel. Os resultados dos ensaios de corrosão presentes na figura 5 mostraram que, para ambas as ligas resistentes à corrosão em meio úmido, 625 e 59, as juntas soldadas apresentaram níveis equivalentes de resistência à corrosão, independentemente do processo de soldagem a arco sob gás de proteção utilizado ou da energia específica aplicada durante o processo de soldagem.

Fig. 5 – Resultados dos ensaios de resistência contra corrosão intercristalina determinados conforme a norma técnica ASTM G28A numa junta soldada a arco sob gás de proteção, constituída de duas camadas, a qual foi confeccionada em ligas à base de níquel do tipo 59 e 625. A espessura da chapa foi igual a 5 mm.

 

Conclusões

Os resultados dos ensaios efetuados neste trabalho mostraram que é possível confeccionar juntas soldadas com boa qualidade em ligas de níquel, típicas do processo de soldagem a arco submerso sob gás de proteção, usando-se um processo modificado de soldagem por arco curto sob baixos níveis de energia específica. As juntas soldadas apresentaram boas características superficiais, alcançando altos valores de propriedades mecânicas e tecnológicas. A resistência geral contra corrosão cristalina mostrou-se comparável com a verificada nos cordões confeccionados por meio da soldagem com arco pulsante. Conseguiu-se evitar falhas de fusão entre o metal-base e o depositado pela soldagem por meio de uma configuração otimizada das camadas e de um posicionamento regular da tocha. Além disso, foi mostrado que o menor aporte de calor decorrente do uso do processo modificado de soldagem com arco curto é vantajoso do ponto de vista da produtividade no processo de soldagem. A aplicação do processo modificado não conseguiu evitar com segurança a ocorrência de microtrincas a quente nas juntas soldadas das ligas à base de níquel. Um estudo mais abrangente sobre o comportamento do trincamento a quente e dos processos metalúrgicos que ocorrem na zona termicamente afetada e no metal depositado pela soldagem durante esse processo de união, aplicando, entre outros testes, o ensaio de trincamento sob deformação programada levará a um melhor conhecimento sobre a tendência ao trincamento a quente e suas causas para os vários materiais investigados.

 

Agradecimentos

O projeto 16.316B/DVS-01.069 da Associação Industrial de Pesquisa e Desenvolvimento (Industriellen Gemeinschaftsforschung und Entwicklung, IGF) alemã, de responsabilidade da Associação Alemã para Pesquisa em Soldagem e Processos Similares (Deutscher Verband für Schweiβen und verwandt Verfahren, DVS), contou com o apoio da Associação dos Grupos de Trabalho em Pesquisa Industrial (Arbeitsgemeinschaft industrieller Forschungsvereinigungen, AiF) dentro do programa de promoção da Associação Industrial de Pesquisa e Desenvolvimento (Industriellen Gemeinschaftsforschung und Entwicklung, IGF) do Ministério Federal Alemão para Economia e Tecnologia (Bundesministerium für Wirtschaft und Technologie, BMWi), com base em uma resolução do Senado Alemão.

 

Referências

  1. Fink, C.; et al. Bewertung der Heiβrissneigung verschiedener Feund Ni-Basiswerkstoffe. Vortragsbd. Groβe Schweiβtechnische Tagung 2011. DVS-Bericht 275m p. 147-152. DVS Media, Düsseldorf, 2011.
  2.  Fink, C.; et. al. Evaluation of hot cracking susceptibility of nickel base alloys by the PVR-test. Wdg. In the World 56, 2012, vol. 7-8, p. 37-43.
  3. Fink, C.; Zinke, M. Beitrag zum wärmereduzierten MAGSchweiβen heiβrissempfindlicher Nickelbasislegierungen. Vortragsbd. 31. Assistentenseminar Füge- und Schweiβtechnik. DVS-Bericht, 270, 2011, p. 113-119. DVS-Media, Düsseldorf, 2011.
  4. Fink, C.; Zinke, M. Wärmereduziertes MAG-Schweiβen der heiβrissempfindlichen NiBasislegierung alloy 625 (2,4856). Nationale Technische Universität der Ukraine “Kiewer Polytechnisches Institut”: “Visnyk”. Kiew, Band 61, 2011, vol. 1, p. 45-50.

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