As crescentes demandas pela redução de peso da carroceria e pela redução das emissões de substâncias prejudiciais, associada à segurança, estão implicando a elevação da participação dos aços austeníticos na fabricação de automóveis, aços com diferentes temperaturas inerentes, alta resistência mecânica e excelente deformabilidade devido ao seu processo de fabricação e sua composição química. Contudo, esses materiais impõem desafios significativos durante seu processamento por meio de soldagem, os quais são decorrentes do surgimento de trincas (a assim chamada fragilidade induzida por metal líquido) no botão de solda ou na zona termicamente afetada, dependendo de um forte aporte térmico localizado, em função tanto de altas taxas de resfriamento na região da união como do efeito do revestimento superficial. A influência das trincas sobre o comportamento de transferência de carga mecânica das juntas confeccionadas por soldagem a ponto por resistência elétrica tem sido estudada e, até o momento, não foram observadas influências negativas, tanto sob solicitações estáticas como sob solicitações de impacto ou dinâmicas alternadas(1-4). Porém, tal estudo aborda combinações de materiais ferríticos, enquanto em relação aos aços austeníticos com alta resistência ainda não há conhecimentos consolidados acerca da influência das trincas sobre o comportamento em termos de resistência mecânica.

Este trabalho avalia a influência das trincas sobre a resistência à fadiga de juntas confeccionadas por meio de soldagem a ponto usando corpos de prova contendo trincas e outros não contendo trincas, ambos feitos com aço austenítico de alta resistência mecânica, comparando a evolução da rigidez e o número de ciclos aplicados até a ocorrência de falha.

 

Procedimento experimental

A análise da resistência à fadiga sob influência das trincas geradas pela soldagem foi executada em uma chapa de aço austenítico com alta resistência mecânica e espessura de 1,7 mm a qual, em função de sua composição química, apresentava alta sensibilidade ao trincamento durante a soldagem a ponto por resistência elétrica, e incluiu ensaios de cisalhamento por tração usando corpos de prova cuja geometria está mostrada na figura 1. Os ensaios de soldagem para confecção dos corpos de prova de referência, com e sem trincas, foram feitos usando-se uma pinça em forma de “X” (X-Zange) operando em corrente alternada e dotada de acionamento pneumático e pontas de eletrodo do tipo F16 (superfície de trabalho de 6 mm). Para se garantir a comparabilidade entre os resultados obtidos foram adotados parâmetros de soldagem idênticos (tabela 1) e os corpos de prova de forma idêntica e com trincas de soldagem foram identificados por meio de inspeção visual empregando estereomicroscópio.

Fig. 1 – Dimensões dos corpos de prova de cisalhamento sob
tração usados nos ensaios de fadiga.

Para garantir a inexistência de trincas nos corpos de prova de referência foram executados também ensaios de radiografia. Deve-se ainda observar que ocorreu a formação de trincas durante os ensaios de “soldagem tríplice”, o único tipo de soldagem usado neste trabalho, processo no qual a junta em forma de ponto é confeccionada repetindo-se três vezes a operação. A distinção entre as soldagens tríplices com e sem formação de salpicos pode ser vista na tabela 1. As soldagens com salpicos foram feitas nos primeiros pontos soldados. Foram empregados neste estudo corpos de prova soldados com trincas em diversos locais e tamanhos. A figura 2 mostra uma classificação das trincas.

Fig. 2 – Classificação das trincas em função de sua localização em relação ao botão de solda.

A investigação sobre resistência à fadiga foi feita por meio da análise da rigidez dos corpos de prova soldados, a qual foi caracterizada pelo quociente entre as amplitudes de força e do curso de oscilação. Gaul e outros5) demonstraram que a rigidez do corpo de prova pode ser correlacionada com a propagação de uma trinca numa junta confeccionada por soldagem a ponto por resistência elétrica, utilizando o número de ciclos aplicados até a ocorrência de falha, Nv, o qual serviu como critério de comparação entre os vários corpos de prova e que pode ser determinado usando-se a equação(1). Aqui foi considerada como falha uma queda de 30% no valor de rigidez do corpo de prova:

Com

sendo FO e FU as forças superior e inferior, respectivamente, e LO e LU os deslocamentos superior e inferior, respectivamente. As trincas de fadiga surgiram a partir de uma queda na rigidez de aproximadamente 5% e penetraram significativamente a superfície por ocasião da queda de 30% na rigidez do corpo de prova.

Os testes foram feitos numa máquina de ensaios hidráulica sob razão de carga R igual a 0,1 (sendo R igual a FU/FO). Os parâmetros para o ensaio de fadiga foram selecionados de forma que o número de ciclos até sua interrupção deveria se situar entre 1 x 105 e 2 x 105. Para que os resultados fossem determinados de forma significativa foram analisados 20 corpos de prova, sendo 10 com trincas na junta confeccionada por soldagem a ponto e 10 sem trincas. Os parâmetros usados no ensaio de fadiga foram:

• Razão de carga R: 0,1;

• Carga superior FO: 3,2 kN;

• Carga inferior FU: 0,32 kN;

• Amplitude Fa : 1,44 kN;

• Critério para interrupção do ensaio em função de queda na rigidez: 30%;

• Número de corpos de prova: 10 de cada condição.

 

Resultados e discussão

Para a transferência dos resultados obtidos com a soldagem tríplice para o caso da soldagem convencional (soldagem em um único ponto) foi analisada a evolução da dureza na junta soldada (figura 3), a qual mostrou que não ocorreram influências significativas sobre a dureza e sobre os parâmetros de resistência mecânica, particularmente na zona termicamente afetada, essencial para a resistência à fadiga. Portanto, os resultados obtidos a partir da soldagem tríplice podem ser transpostos para as juntas soldadas de forma convencional.

Fig. 3 – Comparação entre as evoluções de dureza obtidas na “soldagem tríplice” e numa junta confeccionada por soldagem convencional a ponto por resistência elétrica.

Para se estudar a influência das trincas sobre a resistência à fadiga foram confeccionados corpos de prova de cisalhamento por tração com trincas nas regiões central, de transição e periférica, com profundidades entre 0,4 mm e 0,8 mm na seção transversal. A figura 4 mostra trincas na região de transição (figuras 4a e 4b) e na região periférica (figuras 4a até 4f), constatadas pela inspeção visual e nas respectivas seções transversais. A avaliação da influência das trincas sobre a resistência à fadiga foi feita com base no número de ciclos aplicados até a ocorrência de falha, Nv - ou seja, até o momento em que ocorria uma queda de rigidez de 30%. A figura 5 mostra os valores médios do número de ciclos aplicados até a ocorrência de falha para os dez corpos de prova de referência, isentos de trincas (em branco), e sete corpos de prova com trincas (em cinza claro), ambos confeccionados sem geração de salpicos. E, conforme mostrado a seguir, os corpos de prova contendo salpicos apresentaram maior número de ciclos aplicados até a falha do que aqueles contendo trincas e isentos de salpicos. Os três corpos de prova com trincas confeccionados com geração de salpicos durante a soldagem estão mostrados em destaque (cinza escuro), evidenciando que os corpos de prova de fadiga contendo trincas apresentaram resistência à fadiga comparável à dos isentos de trincas. Além disso, os corpos de prova soldados contendo trincas mostraram maior aplicação do número de ciclos até a ocorrência de falha em relação à aplicação nos corpos sem trincas, devido à expulsão de material, a qual resultou na alteração da geometria do entalhe no plano de união.

Fig. 4 – Inspeção visual e seções transversais (após o ensaio de fadiga) com corpos de prova com trincas de soldagem: a), b) na região de transição; c), d) na região periférica; e), f) na região periférica, com corpo de prova confeccionado com geração de salpicos.

Fig. 5 – Influência das trincas de soldagem sobre o número de ciclos aplicados até a falha Nv (neste caso a falha é definida como sendo a queda de 30% na rigidez do corpo de prova).

Para uma análise mais detalhada sobre a influência das trincas sob solicitações de fadiga, a figura 6 mostra a evolução da rigidez padronizada ΔF/ΔL (conforme medida para o alargamento da trinca) até uma queda de 30% nesse parâmetro, apontando que a queda na rigidez e o início do alargamento da trinca em todos os corpos de prova sem salpicos de soldagem ocorreu em torno de 50.000 ciclos de carga. Isso demonstra que as trincas produzidas durante a soldagem não exerceram nenhuma influência significativa sobre a nucleação ou a formação de trincas de fadiga. É relevante o fato de os salpicos da soldagem terem promovido um deslocamento do início da formação de trincas para um número maior de ciclos de fadiga, do ponto de vista da evolução do alargamento da trinca, o qual se caracteriza pela queda na rigidez do corpo de prova, porém, deduz-se que não houve nenhuma influência das trincas de soldagem sobre a resistência à fadiga.

Fig. 6 – Evolução da rigidez padronizada para dez corpos de prova de fadiga sem trincas, bem como dez corpos de prova com trinca de soldagem (as curvas marcadas correspondem aos corpos de prova mostrados na figura 4).

 

Conclusões

Os resultados obtidos na investigação mostraram que trincas superficiais com profundidade de até 0,8 mm (para chapa isolada com espessura de 1,7 mm) não exercem nenhuma influência negativa sobre a resistência à fadiga de juntas confeccionadas por soldagem a ponto por resistência elétrica em aço austenítico de alta resistência mecânica, sendo consideradas como não-críticas para componentes e grupos construtivos feitos com esse tipo de aço. Conforme o conhecimento disponível até o momento, esses resultados podem ser transportados para outros aços austeníticos, porém, são necessárias investigações adicionais para verificar a validade dos resultados para outros tipos de solicitação mecânica (alternância entre tração e compressão, cisalhamento sob tração, etc.). Além disso, esses resultados mostraram que a formação de salpicos na soldagem a ponto não levou à diminuição da resistência à fadiga, pelo contrário, foi demonstrado que tal formação levou a uma elevação do número de ciclos aplicados até a ocorrência de falha, de forma que igualmente não se revelou crítica em relação à resistência contra a fadiga. Contudo, os resultados aqui mostrados se referem a uniões de mesmo tipo, enquanto na carroceria bruta há preponderância de uniões mistas, ou seja, juntas soldadas entre diferentes materiais. Logo, é necessário que futuras investigações comprovem a transferibilidade dos mesmos resultados para uniões entre aços ferríticos e austeníticos.

 

Referências

  1. Ritsche, S., u. R. Sierlinger: Einfluss von Imperfektionen auf die Gebrauchseigenschaften von punktgeschweissten Mehrphasenstählen. Vortragsbd. DVS-Sondertagung „ Widerstandsschweissen 2007, S. 40/46. SLV-Duisburg 2007.
  2. Kiessling, R., u. E. Roos: Untersuchungen zu den werkstoffspezifischen Versagensmechanismen von Widerstandspunktschweissungen unter Crash- und Ermüdungsbeanspruchung. Abschlussbericht, AiF-Nr. 14927 N. IMWF, Stuttgart 2009.
  3. Hahn, O., u. F. Flüggen: Einfluss zyklischer Belastung auf das Tragverhalten von Widerstandspunktschweissverbindungen vor dem Hintergrund der Auslegung crashrelevanter Bauteile. DVSSondertagung Widerstandsschweissen 2007, S. 180/91. SLV-Duisburg 2010.
  4. Gaul, H., u. a.: Untersuchungen zur Ermüdungsfestigkeit von Widerstandspunktschweissverbindungen aus hoch festen Mehrphasenstählen unter Berücksichtigung fertigungsspezifischer Einflüsse. Fosta Forschungsvorhaben P802. Forschungsvereinigung Stahlanwendung, Düsseldorf 2011.
  5. Gaul, H., u. a.: Evaluation of fatigue crack propagation in spot welded joints by stiffnes measurements. Int. J. of Fatigue 33 (2011), H. 5, S. 740/45.

Mais Artigos CCM



Soldagem MIG/MAG de chapas de aço ARBL com uso de delineamento Box-Behnken

O presente trabalho consiste no estudo e desenvolvimento do processo de soldagem MIG/MAG de passe de raiz com modo de transferência de metal goticular projetada em uma junta de topo tipo “V”, confeccionada em aço de alta resistência e baixa liga (ARBL) Quend 700 com 10 mm de espessura, em uma caçamba de empurre para mineração, na empresa Beltz do Brasil Ltda. Foi usado o delineamento de experimentos (DOE) do tipo Box-Behnken e os fatores variáveis foram velocidade de soldagem, distância do bico de contato à peça, e ângulo de deslocamento. Os valores de tensão e velocidade de arame foram fixados em 33 V e 8,5 m/min, respectivamente.

25/08/2023


Validação do processo de simulação computacional aplicado à estampagem incremental

Nas últimas décadas, a área de estampagem tem aprimorado seus conhecimentos tanto em termos de materiais utilizados como de flexibilidade e redução de custo de processo. Novos processos de estampagem vêm sendo estudados, como a estampagem incremental (incremental sheet forming, ISF), usada basicamente para produção de pequenos lotes de peças e prototipagem rápida, tendo como vantagens a grande flexibilidade e o custo operacional reduzido. Este trabalho compara a simulação computacional do processo de estampagem com experimentos reais. Os resultados dos caminhos de deformação das três principais simulações foram compatíveis com os experimentos na manufatura de uma peça com geometria simétrica.

11/04/2023


Aços TWIP/TRIP são tendência na indústria automotiva

Este trabalho tem como objetivo apresentar os novos tipos de aço que provavelmente assumirão posição de destaque nas estruturas automotivas do futuro, alterando a forma com que os elementos estruturais são projetados. Primeiramente serão descritas suas propriedades mais significativas. A seguir, os ganhos ambientais decorrentes de sua aplicação. Finalmente, as conclusões mostrarão sua adequabilidade para uma ampla variedade de aplicações em que se requer aumento da segurança com redução de peso.

11/04/2023