Os aços são os materiais metálicos mais utilizados na vida moderna graças a sua variedade de aplicações. As características normalmente desejadas, de acordo com a aplicação, são: alta resistência, alta tenacidade, boa “trabalhabilidade” e baixo custo, entre outras. O processamento dos aços tem sido estudado atualmente com a finalidade de obter microestruturas que assegurem melhores propriedades aos produtos semiacabados fabricados por conformação mecânica (usando processos como laminação, estampagem, trefilação e forjamento).

Uma das formas de aumentar a resistência mecânica dos aços é pelo refino de grão, no qual os contornos de grão atuam como obstáculos ao deslizamento das discordâncias e ao processo de maclagem que acontece dentro dos grãos. Com base em fenômenos e mecanismos desenvolvidos em recentes trabalhos de pesquisa(1, 11, 12) – como formação de subgrão/grão por deformações severas à temperatura ambiente, transformação dinâmica de fase induzida por deformação, recristalização dinâmica contínua da ferrita – observou-se que a microestrutura de grãos finos e ultrafinos é adequada para a produção de peças que são normalmente obtidas a partir de aços com altos teores de liga. Assim, é possível ampliar o campo de aplicações dos aços de baixa-liga/baixo-carbono, antes restrito devido a propriedades mecânicas inadequadas.

É necessária, portanto, uma constante evolução tecnológica dos projetos de tratamentos termomecânicos para que se obtenham melhorias nos resultados do processo de conformação. Um dos possíveis processos para alcançar microestruturas mais refinadas é o trabalho a morno (warm working).

Segundo Montanari et al (5) e Narayana et al(6), essa técnica oferece melhor precisão dimensional do que o trabalho a quente, ocasiona oxidação superficial moderada e, além disso, promove uma melhora significativa das propriedades mecânicas do material, o que permite que etapas de usinagem ou de tratamento térmico posterior sejam eliminadas. Contudo, a adoção do processamento a morno requer um maior conhecimento dos.

processos de conformação e do comportamento dos materiais, já que essas operações demandam maiores esforços mecânicos e frequentemente são realizadas em estruturas instáveis.

O presente trabalho estudou o efeito do processamento termo mecânico a morno no refino de grão de um aço de baixo carbono (C-Mn). Neste artigo é apresentada a evolução do tamanho de grão ferrítico e o comportamento mecânico desse aço, por meio de ensaios mecânicos de microdureza Vickers e Rockwell B.

Materiais e métodos

No estudo desenvolvido foi utilizado um aço de baixo carbono ao manganês (CMn), produzido pela empresa Arcelor Mittal Vega Brasil em escala comercial. A composição química deste aço é apresentada na tabela 1.

O material foi fornecido na forma de chapas com dimensões inicias de 300 mm de largura, 400 mm de comprimento e 4 mm de espessura. Para facilitar o manuseio desse aço durante os tratamentos termomecânicos planejados, foram preparados corpos de prova triangulares, com dois lados de 20 mm.

O tratamento termomecânico foi realizado em uma prensa de fricção de 150 toneladas, e o aquecimento foi feito em um forno mufla. A temperatura de aquecimento, de 550o C, foi determinada a partir de ensaios preliminares.

O procedimento para a realização do tratamento termomecânico consistiu no aquecimento dos corpos de prova a 550o C e na sua manutenção sob essa temperatura por dez minutos. Em seguida, eles foram submetidos a três diferentes percentuais de deformação – de 40%, 60% e 80% – e resfriados em água. Foram, então, novamente aquecidos a 550o C e mantidos nessa temperatura por três diferentes intervalos de tempo – 1 min, 5 min e 10 min –, sendo, por fim, imediatamente resfriados em água a temperatura ambiente.

Análise microestrutural

A preparação metalográfica das amostras do aço C-Mn foi realizada seguindo os procedimentos tradicionais. Para revelar a microestrutura e os contornos de grão foi utilizado, como reagente químico, Nital a 2%. A caracterização microestrutural foi feita com o auxílio das técnicas de microscopia óptica (MO) e de microscopia eletrônica de varredura (MEV), por meio de um microscópio Olympus, modelo BX60M, com uma câmera digital Olympus P11 acoplada, e de um microscópio eletrônico de varredura da marca Jeol JSM 6390LV, que tem acoplada uma microssonda de energia dispersiva (EDS).

O tamanho de grão ferrítico foi determinado pelo método dos interceptos lineares médios, utilizando o analisador de imagens Analysis Five, acoplado a um microscópio metalográfico. O método de cálculo corresponde àquele estabelecido na norma ASTM E112. Os resultados foram processados estatisticamente, o que permitiu calcular a média e o intervalo de confiança, neste caso com um nível de precisão de 95%.

Ensaios mecânicos

Medições de dureza foram realizadas na superfície das chapas dos aços estudados. A escala de dureza aplicada foi a Rockwell B (HRB, que utiliza uma carga de 100 kg). O equipamento utilizado para o ensaio foi um durômetro Wilson Rockwell da série 600. Também foram realizadas medições de microdureza Vickers nas amostras metalográficas obtidas, retiradas do material-base e do material submetido ao tratamento termomecânico definido anteriormente. Um microdurômetro da marca Shimadzu, modelo HMV, com carga de penetração de 2 kg, foi utilizado para as medições de microdureza Vickers. Os resultados apresentados são a média de sete medições individuais por amostra.

Resultados e discussão

Os resultados obtidos neste trabalho foram analisados e discutidos separadamente, para o material-base e para o material submetido a tratamento termomecânico com recozimento subcrítico.

Material-base

O processamento industrial realizado nos aços C-Mn favoreceu a formação de uma microestrutura preponderantemente constituída de ferrita equiaxial, conforme pode ser observado nas micrografias das figuras 1 e 2 (págs. 58 e 59). O tamanho médio de grão ferrítico foi igual a 16,6 μm, com um nível de confiança de ± 1,3 μm.

Fig. 1 – Micrografia do aço C-Mn, apresentando uma microestrutura de ferrita equiaxial

Fig. 2 – Microestrutura ferrítica do aço C-Mn, apresentando um tamanho de grão de 16,6 μm

O ensaio de dureza Rockwell B medido na superfície das chapas de aço, na condição como recebidas, é apresentado na tabela 2 (pág. 59), na qual são mostrados os valores médios da dureza H e o nível de confiança SH. A tabela 3 (pág. 60) apresenta os valores obtidos no ensaio de microdureza Vickers realizado nas amostras do aço C-Mn, na condição inicial.

Em geral, o material-base apresentou uma microestrutura homogênea (ferrita equiaxial) compatível com aços que têm composição e tratamentos termomecânicos similares. No entanto, a cementita precipitou na forma de filmes nos contornos dos grãos ferríticos. Já as durezas deste aço C-Mn estão de acordo com as esperadas para um aço de baixo carbono e pelas condições do processamento.

Tratamento termomecânico com recozimento subcrítico

O aço C-Mn inicialmente foi aquecido e deformado a morno e, após o recozimento subcrítico (primeiros instantes) e independentemente da taxa de deformação, foram observadas, em geral, características típicas de uma microestrutura encruada – com grãos alongados e bandas de deformação no interior dos grãos ferríticos, como ilustra a figura 3 (pág. 60).

Fig. 3 – Características típicas de uma microestrutura encruada, com grãos alongados e bandas de deformação

Igualmente, à medida que aumentou o tempo de recozimento ou a taxa de deformação, observou-se um maior grau de recristalização na microestrutura, mas ainda apresentando algumas indicações da deformação a morno – como grãos alongados e bandas de deformação (figuras 4 a 6, pág. 63). Por outro lado, a recristalização foi acompanhada de um leve crescimento do tamanho de grão.

Fig. 4 – Microestrutura (MEV) em que é possível observar a ocorrência de recristalização parcial

Fig. 5 – Microestrutura com finos grãos alongados de ferrita, onde observa-se, ao mesmo tempo, grãos recristalizados

Fig. 6 – Ampliação mostra finos grãos recristalizados de ferrita

Foram encontrados dois tipos de precipitados: (i) precipitados finos que estão distribuídos uniformemente na matriz (figura 7, pág. 64) e (ii) precipitados que estão agrupados preferencialmente nos contornos de grão (figura 8, pág. 64). Também foi observado que, à medida que aumenta o tempo de recozimento, ocorre um coalescimento dos precipitados, independentemente do tipo de precipitado.

Fig. 7 – Ampliação da microestrutura mostra a presença de um grande número de precipitados finamente dispersos no interior dos grãos

Fig. 8 – Ampliação revela uma recristalização parcial e a presença de precipitados finos e grosseiros (contornos de grão)

A tabela 4 (pág. 65) mostra os resultados do tratamento termomecânico, indicando um maior refino de grão durante o recozimento subcrítico e um aumento representativo da dureza durante o processamento termomecânico.

O aço C-Mn tende a apresentar, após o tratamento termomecânico, algumas características próprias de materiais encruados, como grãos alongados e bandas de deformação no interior.

dos grãos de ferrita. Ao mesmo tempo, foi observada a presença de grãos recristalizados que nucleiam preferencialmente nas bandas. Isso se deve ao fato de que essas regiões encruadas apresentam um maior acúmulo de energia, atuando como sítios preferenciais para a nucleação.

Assim, vários trabalhos(2, 4, 8, 9) indicam que as deformações criam um complexo estado de defeitos cristalinos, que aumentam a densidade de discordâncias de forma a favorecer a nucleação de novos grãos e, ao mesmo tempo, promovem o aumento da quantidade de defeitos e bandas de deformação isso contribui para a ocorrência de recristalização dinâmica e para a formação de uma ferrita recristalizada.

Foram encontrados, simultaneamente, finos precipitados dispersos no interior dos grãos, o que indica que a cementita coalesceu, formando partículas esferoidizadas e distribuídas homogeneamente na matriz ferrítica. A precipitação da cementita é favorecida pela interação com as tensões internas geradas pelas discordâncias. Por outro lado, foi observado que esses carbonetos também precipitam nos contornos dos grãos e subgrãos e que, com o decorrer do tempo de recozimento, irão coalescer, atuando como barreiras para a movimentação de discordâncias e ancorando os contornos.

Segundo Hodgson(3), Liu(4), Narayana(6), e Song(10), a presença desses fenômenos leva a uma recristalização dinâmica contínua, que tem como resultados principais o refino da microestrutura e, ao mesmo tempo, a presença de finos precipitados, que ancoram os contornos de grão e evitam o crescimento da ferrita.

Por outro lado, foi notado um aumento da dureza do aço após o tratamento termomecânico planejado. Esse aumento da resistência no trabalho a morno devese à ocorrência do encruamento e a outras formas de bloqueio de discordâncias, como a precipitação e o ancoramento por contornos de grão (figura 9).

Fig. 9 – Relação entre dureza e tempo de recozimento subcrítico para o aço C-Mn submetido ao tratamento termomecânico

 

Também foi observado que, sob maiores tempos de recozimento subcrítico, o material apresentou uma tendência a estabilizar sua dureza, devido à ocorrência de recuperação – na qual acontecem rearranjos, aniquilamento e modificações morfológicas em pequena escala nos defeitos cristalinos pontuais e lineares – e também devido à recristalização, na qual ocorre uma substancial alteração da subestrutura, capaz de influenciar a microestrutura.

Ao longo dos tempos de recozimento, observase uma melhora progressiva na homogeneidade da microestrutura ferrítica, com um aumento da recristalização, além de um pequeno crescimento dos grãos ferríticos recristalizados (figura 10).

Fig. 10 – Relação entre tamanho de grão e tempo de recozimento subcrítico para o aço C- Mn submetido ao tratamento termomecânico

Conclusões

Com base nos resultados apresentados neste trabalho, destacam-se as seguintes conclusões:

Após o tratamento termomecânico, o aço C-Mn apresentou características próprias de materiais encruados, com grãos alongados e bandas de deformação no interior dos grãos de ferrita. Essas regiões encruadas apresentam um maior acúmulo de energia pela presença de defeitos cristalinos, o que favorece a nucleação preferencial de novos grãos nas bandas e contribui para a ocorrência de uma recristalização dinâmica.

A dureza do aço aumentou após o tratamento termomecânico, principalmente devido ao encruamento e a outras formas de bloqueio de discordâncias (como precipitação e o ancoramento por contornos). Por outro lado, com maiores tempos de recozimento subcrítico foi observada uma tendência para a estabilização da dureza devido à ocorrência de recuperação e recristalização. Ao mesmo tempo, com o aumento da recristalização observou-se uma melhora na homogeneidade da microestrutura ferrítica, além de um pequeno crescimento dos grãos recristalizados.

Finos precipitados foram encontrados no interior dos grãos, indicando que a cementita coalesceu, formando partículas esferoidizadas e distribuídas homogeneamente na matriz. Também foi observado que esses carbonetos precipitaram nos contornos dos grãos e subgrãos e atuaram como barreiras para a movimentação de discordâncias, ancorando esses contornos, o que tem como resultado o refino da microestrutura.

Finalmente, o tratamento termomecânico ao qual foi submetido o aço C-Mn mostrou-se adequado para a obtenção de tamanhos de grãos ferríticos entre 4 μm e 8 μm, permitindo que se atingisse um nível de refinamento de 62,5%. Por outro lado, o tamanho de grão ferrítico demonstrou exercer uma grande influência sobre o comportamento mecânico (dureza). No entanto, a recristalização dinâmica é a responsável pelos resultados de refino de grão obtidos no material. Isso é melhorado pela presença de precipitados finos e grosseiros, que estão agrupados preferencialmente nos contornos de grão.

Agradecimentos

Os autores agradecem a colaboração e o apoio do Laboratório Central de Microscopia Eletrônica da Universidade Federal de Santa Catarina (LCME-UFSC) na execução das análises de microscopia eletrônica de varredura.

Referências

  1. Ferezim, L.M., Batista, N., Padilha, A.F. Evolução da microestrutura e da textura de recristalização, após baixos graus de deformação a frio, em dois aços ferríticos com baixo teor de carbono. In: Anais do Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais (17o CBECImat), Foz do Iguaçu, Brasil. V. 1, pp. 6729-6742, 2006.

  2. Hase, K., Tsuji, N. Effect of initial microstructure on ultrafine grain formation through warm deformation in medium-carbon steels. In: Scripta Materialia, v. 65, pp. 404–407, 2011.

  3. Hodgson, P., Hickson, M., Gibbs, R. Ultrafine ferrite in low carbon steel. In: Scripta Materialia, v. 40, pp. 1179–1184, 1999.

  4. Liu, M., Shi, B., Bi, G., Cao, H. A submicron mild steel produced by simple warm deformation. In: Materials and Engineering A, v. 360, pp.101-106, 2003.

  5. Montanari, L., Fazolo C.L., Rodrigues, A.R., Villar, O., Gallego, J 5) Montanari, L., Fazolo C.L., Rodrigues, A.R., Villar, O., Gallego, J Processamento termomecânico de laminação a morno para refino de grão em um aço 0,16%C. In: Anais do 66º Congresso Anual da ABM, v. 1, São Paulo, Brasil, pp. 1599-1606, 2011.

  6. Narayana, S., Torizuka, S., Nagai, K., Koseki, N. Classification of microstructural evolution during large strain high Z deformation of a 0.15 carbon steel. In: Scripta Materialia, v. 52, pp. 713–718, 2005.

  7. Narayana, S.V., Torizuka, S., Nagai, K., Kita, T., Kogo, T. Dynamic recrystallization of ferrite during warm deformation of ultrafine grained ultra low carbon steel. In: Scripta Materialia, v. 53, pp. 763–768, 2005.

  8. Niechajowicz, A., Tobota, A. Warm deformation of carbon steel. In: Journal of Materials Processing Technology, v. 106, pp. 123-130, 2000.

  9. Okitsu, Y., Takatab, N., Tsuji, N. A new route to fabricate ultrafine-grained structures in carbon steels without severe plastic deformation. In: Scripta Materialia, v. 60, pp. 76–79, 2009.

  10. Song, R., Ponge, D., Raabe, D., Kaspar R. Microstructure and crystallographic texture of an ultrafine grained C–Mn steel and their evolution during warm deformation and annealing. In: Acta Materialia, v. 53, pp. 845-858, 2005.

  11. Songa, R., Ponge, D., Raabe, D., Speer, J., Matlock, D. Overview of processing, microstructure and mechanical properties of ultrafine grained bcc steels. In: Materials Science and Engineering A, v. 441, pp.1–17, 2006.

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