Devido aos requisitos de conforto e segurança postulados pelas normas de desenvolvimento de automóveis, que abrangem a redução de custos de produção e de emissão de gases poluentes, a fabricação de construções leves usando materiais específicos se tornou prioridade, e um desafio, para desenvolvedores de veículos e fornecedores de metais, principalmente no que tange à elaboração de novos aços. Entre eles se encontram os aços TWIP, os quais apresentam alta resistência mecânica e ductilidade (figura 1), e se caracterizam por ter menor densidade em comparação com os aços convencionais (tabela 1, pág. 31), sendo indicados para construções leves (1-4). É necessário garantir a processabilidade desses aços para que eles possam ser usados na fabricação de automóveis.

Fig. 1 – Posicionamento dos aços TWIP dentro da chamada “curva da banana” (ductilidade versus resistência mecânica).

 

 

Sob este aspecto, a adequação do material aos processos de união usados na manufatura da carroceria bruta possui papel essencial.

Foi estudada neste trabalho a soldabilidade do aço HSD 600 (nome comercial de um aço TWIP fabricado pela usina siderúrgica alemã Salzgitter Flachstahl GmbH), tomando como exemplo a soldagem a ponto por resistência elétrica. Este material se baseia no projeto de liga Fe-Mn-Al-Si (3,4). Devido às suas propriedades físicas, mostradas na tabela 1,

durante a sua soldagem a ponto por resistência elétrica usando equipamentos convencionais pode ocorrer trincamento a quente no meio do botão de solda (figura 2) durante a solidificação do material, em razão dos altos coeficientes de dilatação térmica e do amplo intervalo de solidificação dessa liga. Esse efeito pode ser intensificado por tolerâncias de fabricação como, por exemplo, o abaulamento que ocorre na chapa, uma vez que, neste caso, a força efetiva exercida pelos eletrodos durante a soldagem será reduzida (5) . As juntas soldadas confeccionadas sob condições laboratoriais apresentaram trincas formadas a quente no meio do botão de solda, as quais se estenderam até um valor máximo correspondente a 50% do diâmetro dele.

A influência de anomalias durante a soldagem a ponto por resistência elétrica tem sido pesquisada para aplicações de diversos tipos de aços,

Fig. 2 – Trincas formadas a quente, durante soldagens similares a ponto por resistência elétrica, do aço HSD 600.

 

sendo constatada pouca ou mesmo nenhuma influência sobre a resistência mecânica dos elementos de união em função da direção de introdução da força, tanto sob solicitações quase estáticas, cíclicas ou de impacto (5-11). Por sua vez, nada se sabe no caso dos aços TWIP com alto teor de manganês. Devido às peculiares propriedades físicas, mecânicas e tecnológicas desses materiais, o conhecimento (6) acerca da influência das trincas sobre o comportamento estrutural de aços austeníticos é restringido.

Portanto, neste trabalho foram simuladas, de maneira sistemática, trincas a quente com diversos tamanhos no centro do botão de solda, para estudar a sua influência sobre o comportamento estrutural da junta. Foram feitos ensaios tanto sob condições quase estáticas como solicitações cíclicas.

Procedimento experimental

Material para os ensaios

Nos ensaios foi usado o aço HSD 600 fabricado pela Salzgitter Flachstahl GmbH, na forma de chapas com espessura ‘t’ igual a 1,5 mm. Ele continha 0,681% de carbono, 15,5% de manganês, 2,51% de alumínio e 2,53% de silício, tendo apresentado as seguintes propriedades mecânicas:

• Limite de escoamento (Rp0,2) = 610 MPa;

• Limite de resistência (Rm =)1.000 MPa;

• Alongamento total (A80) = 50%; Módulo de elasticidade (E) = 160 GPa.

Geometria dos corpos de prova

A geometria dos corpos de prova era do tipo KSII (figura 3), desenvolvida no Laboratório para Tecnologia de Materiais e União da Universidade de Paderborn (Laboratorium für Werkstoff-und Fügetechnik der Universität Paderborn – L.W.F.) (12). Trata-se de um corpo de prova constituído por um monoelemento no qual a carga mecânica pode ser aplicada conforme diferentes valores de ângulo.

Programa de ensaios

Os ensaios foram feitos sob solicitações quase estáticas de tração cruzada e cisalhamento por tração (sete corpos de prova para cada tipo de ensaio), bem como cisalhamento cíclico por tração (catorze corpos de prova, dois estados de

Fig. 3 – Conceito do ensaio KSII

Ensaio

Fig. 4 – Simulação das trincas formadas a quente no meio do botão de solda pela inserção de furos passantes

 

tensão). O diâmetro da junta soldada a ponto dp foi definido como:

onde tB corresponde à espessura da chapa isolada, uma vez que, durante a confecção dos corpos de prova, muitos deles apresentaram juntas soldadas a ponto com pequenos valores de diâmetro, os quais possivelmente encontravam-se abaixo do limite de qualidade. Portanto, o diâmetro do ponto de solda correspondeu à metade inferior da faixa de corrente de soldagem.

Para avaliar a influência das trincas formadas a quente no meio do botão de solda sobre o comportamento estrutural da junta foi necessário analisar corpos de prova com defeitos de grande tamanho e comparar os resultados obtidos com os correspondentes a corpos de prova sem defeitos. Este trabalho recorreu às abordagens que afirmam que as trincas formadas a quente no meio do botão podem ser reproduzidas pela inserção padronizada de furos passantes (7, 10) (figura 4), que atuam como “trincas sintéticas”. O tamanho dos danos foi expresso de forma percentual em relação ao diâmetro do botão de solda. A transferibilidade desta abordagem aos corpos de prova com trincas reais será comprovada a seguir.

Os corpos de prova foram confeccionados sob condições laboratoriais. Todos eles foram radiografados antes da aplicação ou do teste posterior. Foram utilizados apenas os que não tivessem apresentado trincamento a quente nestas etapas. Em seguida foram feitos neles furos passantes com diferentes tamanhos. Parte dos corpos de prova que não apresentaram trincamento a quente foi mantida como referência.

Comprovação numérica da reprodução das trincas

Para reproduzir as trincas formadas a quente no meio do botão de solda, os estados de tensão referentes a um ponto de solda foram reproduzidos por simulações usando o método de elementos finitos, bem como o software ANSYS. Para tanto, foi proposto um modelo constituído pela metade de um corpo de prova KSII (figura 5). Foi gerada uma malha extremamente fina na região central do botão de solda. A região externa do botão tinha malha menos refinada para reduzir o tempo dos cálculos. No plano intermediário horizontal do botão de solda foram reproduzidas diversas variantes de trincas formadas a quente, as quais se diferenciavam tanto em termos de volume como de formato. A figura 6 (pág. 35) mostra os resultados obtidos sob solicitações de cisalhamento por tração de um corpo de prova que apresentou nível de dano correspondente a 50%. Foi feita a simulação das solicitações reinantes durante um

Fig. 5 – Modelo para simulação do corpo de prova KSII

Fig. 6 – Simulação numérica da solicitação de tração cruzada sob carga cíclica. Parte superior: corpo de prova sem danos; parte intermediária: furo correspondendo a 50% do diâmetro do botão de solda; parte inferior: trinca a quente “real”.

 

ensaio sob carga cíclica dinâmica, sob força de 5 kN, sendo calculada a deformação elastoplástica.

A simulação mostrou que o estado de tensões não é significativamente alterado nem pela presença da trinca no plano de união, nem

Fig. 7 – Evolução da trinca sob carga cíclica num corpo de prova contendo dano correspondente a 75% do diâmetro do botão de solda

 

pelo furo passante (trinca sintética), em comparação com os corpos de prova sem defeitos. Os valores máximos de tensão ainda ocorreram no plano de união e na periferia do botão, onde normalmente ocorre o ponto inicial da nucleação da trinca sob solicitações cíclicas dinâmicas. Para que os resultados da simulação pudessem ser verificados, corpos de prova com dano correspondente a 75% do valor do diâmetro do botão foram submetidos a solicitações cíclicas, sendo determinada a evolução das trincas a partir de seções transversais polidas (figura 7). Elas mostraram que as trincas, nas regiões definidas pela simulação onde foi calculada a concentração local de tensões, iniciaram entre as chapas e se propagaram ao longo da zona termicamente afetada rumo à superfície da chapa.

Resultados obtidos

Foi determinado o diâmetro do ponto de solda em todos os corpos de prova submetidos aos ensaios a seguir. De forma geral, para todas as séries de ensaio, os valores medidos do diâmetro do ponto de solda apresentaram média igual a 5,81 mm com desvio padrão de ±0,06 mm, estando na mesma faixa das condições objetivadas anteriormente. A determinação da influência das imperfeições sobre o comportamento estrutural foi feita conforme a folha de instrução 2935-2 da DVS

Ensaio

Fig. 8 – Resultados dos ensaios de tração cruzada quase estática (material, aço HSD 600; espessura da chapa ‘t’, 1,5 mm; diâmetro da junta soldada a ponto d , 5,81±0,06N mm).

 

(Associação Alemã para Soldagem e Processos Aplicados – Deutscher Verband für Schweißen und verwandt Verfahren) (10).

Tração cruzada sob carga quase estática

Os resultados dos ensaios sob solicitações de tração cruzada sob carga quase estática são mostrados na figura 8. Os corpos de prova sem danos (de referência, confeccionados no laboratório) apresentaram resistência mecânica igual a 13,9 kN e um curso até a fratura de 6,2 mm. Já os que tinham furo passante apresentaram aumento dos valores medidos de carga e do curso até a fratura, que foram respectivamente iguais a 15,1 kN e 7,3 mm. A melhoria desses parâmetros em relação aos corpos de prova sem danos foi atribuída à presença do furo, o qual, por um lado, reduz as tensões internas no elemento de união e, por outro, possibilita que o material se deforme na região do furo, obtendo um estado de tensões mais favorável. Os corpos de prova com dano correspondente a 50% do tamanho apresentaram valores de resistência mecânica sob solicitações de tração cruzada igual a 12,7 kN e de curso até a fratura de 6,3 mm. É possível concluir que aparentaram um nível comparável ao dos corpos de prova sem danos, quando foi considerada a faixa de dispersão observada nos resultados experimentais. Os parâmetros relativos aos corpos de prova que continham furo com tamanho de 75% foram acentuadamente menores que os valores de referência, apresentando resistência mecânica à tração cruzada igual a 9 kN e um curso até a fratura de 4,9 mm. Todos os corpos de prova com 0% e 25% de tamanho de dano apresentaram fratura de “desabotoamento” do botão de solda, enquanto sob maiores níveis de danos a fratura ocorreu exclusivamente pelo cisalhamento.

Em resumo, foi constatado, para o caso de solicitação por tração cruzada sob carga quase estática, que não foi registrada uma degradação significativa das propriedades da união até um tamanho de dano igual a 50%. Para um furo com tamanho igual a 75% do diâmetro do botão de solda ocorreu queda dos valores medidos de resistência mecânica e do curso até a fratura, em torno de 35% e 21%, respectivamente. Isto indica

Fig. 9 – Resultados dos ensaios de cisalhamento por tração quase estático (material, aço HSD 600; espessura da chapa ‘t’, 1,5 mm; diâmetro da junta soldada a ponto d , 5,81±0,06 mm).

 

uma forte influência do defeito sobre a capacidade que a união tem de suportar carga mecânica.

Ensaio de cisalhamento por tração sob carga quase estática

No caso de solicitações de cisalhamento por tração sob carga quase estática (figura 9), os corpos de prova de referência, sem danos, apresentaram valor de resistência ao cisalhamento de 17 kN e um curso até a fratura de 2,6 mm. Corpos de prova com dano com tamanho de 25% apresentaram resistência mecânica de 16,4 kN e curso até a fratura de 2,3 mm; portanto, eles se mantiveram no mesmo nível observado para os corpos de prova de referência. Para danos com tamanho de 50%, os valores de carga de cisalhamento por tração caíram para 14 kN, enquanto o curso até a fratura se reduziu para 3,4 mm, mas mantiveram-se em nível comparável ao dos corpos de prova de referência. Já os corpos de prova com dano com 75% de tamanho apresentaram valor de resistência ao cisalhamento por tração de 8,8 kN e curso até a fratura de 0,7 mm – uma forte queda dos parâmetros da junta soldada. Todos os corpos de prova submetidos ao ensaio quase estático de cisalhamento por tração apresentaram fratura pelo cisalhamento.

No caso da solicitação quase estática pelo cisalhamento por tração, foi constatado que sob danos com tamanho de até 25% não houve influência significativa sobre a resistência mecânica da união. Corpos de prova com dano com comprimento de 50% ainda apresentaram nível de força e sobretudo alongamento muito bons. Contudo, para danos com 75% de comprimento, ocorreu forte queda dos parâmetros da união, em torno de 48% e 73%, respectivamente, para força de cisalhamento sob tração e curso até a fratura.

Ensaio

Cisalhamento por tensão sob solicitações cíclicas dinâmicas

Foram determinadas curvas de Wöhler na região do limite à fadiga de médio prazo usando várias condições de ensaio para determinar a resistência da junta sob solicitações cíclicas (figura 10). Para os corpos de prova sem danos e os que apresentavam danos com tamanho correspondente a 25% e 50%, foram selecionadas as mesmas cargas de ensaio, iguais a 5 e 3,8 kN. No caso dos corpos de referência o valor do fator de intensidade de tensões na ponta da trinca ‘k’ foi igual a 5,3, enquanto os com danos com tamanho de 25% e 50% apresentaram valor de ‘k’ igual a 4 e 5, respectivamente. As retas de resistência à fadiga obtidas apresentaram-se em níveis semelhantes. As faixas de dispersão dos corpos de prova isolados apresentaram ampla sobreposição para ambas as condições de carregamento. No caso dos corpos de prova com dano igual a 75% do diâmetro do botão de solda foi necessário selecionar uma nova condição de carregamento; caso contrário, ocorreria rompimento quase imediato da união. Portanto, para estes corpos de prova foram aplicadas condições de carregamento de 4 e 2,8 kN. O valor de ‘k’ obtido foi igual a 4,8, portanto semelhante aos obtidos para os corpos de prova de referência. Contudo, o nível de força obtido para as retas de resistência à fadiga se manteve 1 kN abaixo do nível verificado para os corpos de prova sem danos. A morfologia de fratura de todos os corpos de prova submetidos a esse tipo de solicitação correspondeu à situação normal de fratura aqui observada. Ou seja, ocorreu nucleação da trinca no plano de união, a qual se

Fig. 10 – Resultados dos ensaios de cisalhamento por tração cíclica (com razão entre tensões ‘R’, 0,1; aço HSD 600; espessura da chapa ‘t’, 1,5 mm; diâmetro da junta soldada a ponto d,5,81±0,06 mm).

 

propagou pela zona termicamente afetada até a superfície superior da chapa.

 

Discussão dos resultados e conclusão

Os aços TWIP com altos teores de manganês apresentam propriedades peculiares superiores às observadas nos aços convencionais. Para poder aproveitar tais características, é necessário garantir um processamento adequado do ponto de vista da qualidade durante a união de chapas feitas com esses aços. Os ensaios realizados com o aço HSD 600 mostraram que, apesar da formação de trincas a quente no meio dos botões de solda, não foi constatada nenhuma influência significativa sobre o comportamento estrutural das juntas soldadas a ponto, desde que o tamanho do dano não ultrapassasse 50% do diâmetro do botão de solda. Contudo, foi verificada uma ligeira degradação das características das juntas soldadas a ponto quando elas foram submetidas a solicitações de cisalhamento por tração sob carga quase estática. Valores ainda maiores de comprimento de dano reduzem acentuadamente a resistência mecânica dessa união. Somente no caso de solicitações cíclicas dinâmicas foi constatado que um dano correspondente a 75% do diâmetro do botão de solda exerceu influência insignificante sobre o comportamento estrutural. Foram observadas trincas a quente com tamanho correspondente a até 50% do diâmetro do botão de solda no caso das juntas soldadas confeccionadas em laboratório. Portanto, pode-se concluir que esse material pode ser utilizado na prática, apesar da ocorrência de trincas a quente no meio do botão de solda, desde que os critérios aqui propostos para o tamanho máximo de trinca não sejam ultrapassados durante o processamento.

Os resultados obtidos até o momento não permitem deduzir até que ponto as imperfeições aqui estudadas podem afetar as propriedades da união sob condições de colisão ou impacto. Essa caracterização requer a realização de estudos específicos.

Referências

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