D. Tolotti, J. Drunn, I. Härter e J. H. C. de Souza
Data: 20/08/2016
Edição: CCM Agosto 2016 - Ano XII - No 136
Compartilhe:As normas de segurança veicular implementadas no Brasil fomentaram o uso de aços de alta resistência na indústria nacional. Tal fato somado à necessidade de redução do peso dos veículos fez da solução “reduzir espessura + aumentar resistência” das chapas um caminho sem volta. Novas ligas de aço foram criadas devido aos novos desafios e várias constam do mix padrão das indústrias automobilísticas. Entre elas, os aços temperáveis representam um grupo bastante específico devido à necessidade de adaptá-los aos meios de produção, ou seja, prensas e ferramental precisam ser radicalmente modificados, além da adaptação de outros equipamentos como fornos, sistemas de refrigeração e manipulação. Todos eles devem operar colaborativamente para que seja possível obter a geometria e as propriedades desejadas da peça final. Segundo Karbasian e Tekkaya (4), para ter sucesso é preciso reunir profundo conhecimento sobre todos os fenômenos envolvidos: térmicos, mecânicos, microestruturais e tecnológicos.
Na estampagem a quente direta a chapa feita de um material como a liga 22MnB5 é aquecida a aproximadamente 950°C, ou até obter completa austenitização, sendo colocada em seguida em uma ferramenta refrigerada de conformação e têmpera praticamente simultâneas. As vantagens desse processo são: altíssima resistência mecânica e reduzido retorno elástico na peça final. A resistência mecânica da chapa salta de ~340 MPa para até 1.500 MPa, um fator de aproximadamente 4, que atende às necessidades do mercado atual.
Esse tipo de tecnologia tem sido usado para processar chapas finas (entre 0,8 e 2,5 mm de espessura), precisando ser configurado para produzir peças com até 10 mm de espessura, o que impõe novos desafios. Problemas típicos da conformação de chapas finas tornam-se mais graves como, por exemplo, manipulação das chapas, tempo de aquecimento, qualidade superficial, tempo de têmpera, perfil de dureza e propriedades finais da peça fabricada. Neste contexto, este trabalho visa levar à discussão estudos desenvolvidos no departamento de P&D da Bruning Tecnometal, cujo objetivo é dominar a técnica de processamento de chapas grossas por estampagem a quente.
Pela estampagem a quente, também conhecida como press hardening, busca-se obter peças com estrutura martensítica o mais uniforme possível, tanto ao longo da sua superfície quanto na sua espessura. É esperado que em chapas grossas, por exemplo, com 8 mm de espessura, será praticamente impossível obter a uniformidade desejada por meio de temperatura. Uma indicação da uniformidade da distribuição da temperatura em um corpo em estado transiente (por exemplo, durante o resfriamento) pode ser obtida pela equação de Biot:
Onde “h” é coeficiente d e transferência de calor entre as superfícies, λ é o coeficiente de condutividade térmica e “l” é o comprimento carac terístico. A equação de Biot é adimensional e resultados muito menores que 1 indicam a distribuição uniforme de temperaturas no corpo. Resultados próximos ou maiores que 1 indicam não uniformidades de temperaturas no corpo. Considerando na equação 1: h = 8.103 W/m2K, l = 40 W/mK e l = metade da espessura, obtem-se Bi = 0,8, de uma chapa com espessura de 8 mm, e Bi = 0,2, para uma chapa com espessura de 2 mm. Isso indica, como esperado, que a resistência térmica interna é significativa em relação à resistência térmica na superfície, o que leva a um campo de temperaturas não uniformes no corpo.
A consequência metalúrgica disso é uma não uniformidade das propriedades mecânicas ao longo da espessura.
O uso de elementos finitos para simular processos de estampagem a quente requer um modelamento preciso dos fenômenos térmicos que ocorrem durante a conformação e o resfriamento. Considerando a transferência de calor do blanque para uma ferramenta refrigerada, podemos afirmar que o calor dissipado pelo primeiro é igual ao absorvido pela segunda. Desconsiderando os fatores relativos ao calor irradiado e ao calor convectivo entre blanque, ferramenta e o ambiente, tem-se que:
Onde QB corresponde à quantidade de calor no blanque e Q M corresponde ao fluxo de calor passando pela matriz. Os mesmos podem ser escritos como:
Sendo “c” o calor específico, “r” a densidade, “V” o volume e “T” a temperatura do blanque, e
onde “h” é o coeficiente de transferência de calor, “A” a superfície de contato e T∞ a temperatura da ferramenta. Igualando e integrando as equações 3 e 4 chega-se ao resultado:
Onde δt corresponde ao tempo transcorrido entre as medições Ti-1 e Ti.
Na prática, a temperatura da ferramenta muda durante a estampagem a quente, por isso não é possível considerar T∞ como uma constante. Considerando uma variação linear da temperatura da matriz pode-se calcular “h” com a expressão (15):
Sendo Tw,i e Tw,i-1 as temperaturas da ferramenta nos tempos ti e ti-1, respectivamente.
Além disso, explicitando “T” na equação 5 (pág. 27) teremos uma expressão para a temperatura média no blanque em função do tempo, denominada Lei de Newton do Resfriamento:
As equações 6 e 7 são úteis no modelamento teórico/experimental do processo de estampagem a quente. Os modelos analítico, numérico e experimental constituem a base do trabalho desenvolvido.
Neste estudo, o material utilizado foi o aço para trabalhos a quente 22MnB5, com 8 mm de espessura. As dimensões do corpo de prova (em milímetros) são mostradas na figura 1 (pág. 27).
O aço ao boro 22MnB5 é muito utilizado na indústria automotiva devido ao seu elevado valor de limite de resistência. A composição química do material é mostrada na tabela 1 (pág. 27).
A figura 2 mostra de forma esquemática o ferramental projetado e fabricado para o processo de press hardening. A ferramenta consiste em uma matriz com canais de refrigeração, a qual é apoiada em uma base com contato esférico que ajuda a garantir uma pressão de contato uniforme entre a matriz, o punção e o corpo de prova.
Para a aquisição dos dados de temperatura foram utilizados três termopares do tipo K, que podem fazer a medição de gradientes de até 1.200°C, sendo o recebimento dos sinais dos termopares feito por um condicionador de sinais, e a leitura foi realizada pelo software Labview. A figura 3 (pág. 28) mostra o local de fixação dos termopares.
Para a realização deste trabalho foi utilizada uma prensa hidráulica com força de 100 t, modelo CNC VP Matic, da fabricante Dan Presse, um forno tipo mufla para altas temperaturas, modelo BF 51848A, da Lindberg /Blue, e um refrigerador de água (chiller), modelo R134-a, fornecido pela Maqtermo. Detalhes do aparato utilizado para o teste são mostrados na figura 4.
Para evitar a formação bainítica e obter uma microestrutura 100% martensítica, o que é esperado do processo de estampagem a quente, a taxa de resfriamento deve ser de, no mínimo, 27°C/s (5, 7) . A taxa de resfriamento pode ser acelerada usando um liquido de arrefecimento a fim de aumentar a diferença de temperatura entre o refrigerante e a ferramenta (12) .
O tempo de transferência do blanque do forno até a prensa deve ser reduzido o máxio possível, pois a perda de temperatura dele pode ser superior a dezenas de °C/s (13) , o que permite que a exposição do aço não revestido ao ar atmosférico sob tais condições provoque sua imediata oxidação e descarbonetação, a qual promove o desgaste acelerado da matriz de estampagem (3) . Um tempo de transferência excessivo pode também permitir a ocorrência localizada de transformação da austenita em martensita durante a estampagem, levando a uma descontinuidade do comportamento termomecânico do material e à localização de deformações (11).
Das variáveis do processo citadas, a tabela 2 resume os parâmetros de processo empregados neste estudo.
Na produção em série, a temperatura do ferramental deve estar abaixo dos 200°C para que seja possível fabricar componentes com limite de resistência de aproximadamente 1.50 0 MPa (8 , 10). Considerando este fator, foram definidas como variáveis deste estudo a temperatura com que o fluido passa pelos canais de refrigeração e a pressão de contato.
O modelamento termomecânico é um método efetivo para a simulação da estampagem a quente. A interação entre a água de refrigeração e a matriz é igual ao coeficiente de transferência de calor na interface (IHTC – Interface heat transfer coeficient). Pelo fato de ser difícil determinar uma distribuição real de temperaturas nos dutos de refrigeração, para este estudo foi considerada a simulação com os dutos sólidos. A interface numérica computacional baseada em malha foi obtida pelo software Simufact Forming.
Os modelos baseados no método de elementos finitos para o ferramental, a peça e a matriz com o sistema de refrigeração são mostrados na figura 5 (pág. 29).
A simulação termomecânica aumenta consideravelmente a complexidade do modelo. Além dos parâmetros necessários à simulação do processo convencional de estampagem, outros como, por exemplo, de contato e materiais, precisam ser considerados. Consequentemente, um modelo realístico para a simulação simultânea de estampagem e resfriamento deve considerar a interação dos processos mecânicos e térmicos (6).
Após a realização dos ensaios, as superfícies das amostras foram inspecionadas visualmente, mostradas na figura 6 (pág. 30).
As amostras apresentaram uma camada de óxido fina e dura, decorrente da descarbonetação da superfície e de elevadas temperaturas. Isto se deve à inexistência de revestimento de proteção nas amostras ensaiadas.
Os dados de temperatura obtidos são plotados como gradientes de temperatura do blanque, punção e da matriz em relação ao tempo de resfriamento. Além disso, são calculados coeficientes de transferência de calor (h) a cada 50°C de resfriamento, posteriormente plotados em relação à temperatura em °C.
Os gradientes de temperatura obtidos nos ensaios para a temperatura de 25°C da água de resfriamento da matriz e pressões de contato de 26 e 64 MPa são mostrados nas figuras 7 e 8 (pág. 30).
É verificado que, no ensaio com pressão de contato de 64 MPa, os gradientes de temperatura do punção e da matriz estão mais próximos entre si em comparação com os do ensaio com pressão de contato de 26 MPa, a partir dos 20 segundos do tempo de resfriamento. Isto leva à afirmação de que uma pressão de contato maior irá resultar em uma maior absorção de calor pela matriz. Consequentemente, isto implica uma aproximação mais rápida de temperaturas do blanque e punção para pressões de contato maiores.
As figuras 9 e 10 (pág. 31) apresentam os gradientes de temperatura observados nos ensaios para a temperatura de 15°C da água de resfriamento da matriz, com pressão de contato de 18 e 64 MPa.
O fato de a matriz apresentar uma maior absorção de temperatura com pressões de contato maiores, conforme mencionado, também é visível para estes ensaios. Além disso, a aproximação das temperaturas do blanque e do punção acontece em um tempo menor, de aproximadamente 50 segundos para pressão de contato de 64 MPa. Quando comparado à pressão de contato de 18 MPa, este tempo aumenta para 70 segundos, afirmando assim uma taxa de resfriamento mais acentuada com pressões maiores.
Os gradientes de temperatura observados nos ensaios para a temperatura da água de 5°C para o resfriamento da matriz e as pressões de contato de 28 e 64 MPa são mostrados nas figuras 11 e 12 (pág. 31).
Novamente podemos afirmar que a taxa de resfriamento é mais acentuada sob pressões maiores. Deste modo, pode-se concluir que, se o processo não tiver capacidade de impor uma baixa temperatura de resfriamento da água da matriz, é plausível aumentar a pressão de contato para obter a mesma taxa de resfriamento, ou vice-versa.
Segundo Malinowski et al. e Bakri et al. (1, 9), o coeficiente de troca térmica de contato não é constante, mas sim dependente da pressão de contato. A figura 13 (pág. 32) apresenta o coeficiente de uma vez que os grãos aparecem distransferência de calor (h) para as torcidos, sendo difícil a identificação diferentes pressões e temperaturas dos seus contornos. A figura 15 mosde resfriamento da água.
Por meio da figura 13, pode-se avaliar a dependência da relação entre o coeficiente de transferência de calor, a pressão de contato e temperatura de resfriamento da água, em que a variável pressão de contato exerce uma influência maior no coeficiente de transferência de calor, como pode ser visto nos gráficos da pressão de 64 MPa e de temperatura dos canais de refrigeração de 5°C.
Para resfriamento superior a 27°C é esperado obter uma microestrutura formada essencialmente por martensita (5, 7). A figura 14 (pág. 33) mostra a microestrutura obtida para as diferentes combinações de temperatura de refrigeração e pressão de contato.
Como é mostrado na figura 14, a micrografia óptica mostra a morfologia dos corpos de prova após o processo de press hardening. Vale ressaltar que as imagens são da região central dos corpos de prova, uma vez que não é notada diferença significativa da microestrutura do centro em relação à das bordas.
A microestrutura é tipicamente martensítica, de um aço submetido à estampagem a quente e à têmpera, uma vez que os grãos aparecem distorcidos, sendo difícil a identificação dos seus contornos. A figura 15 mostra a taxa de resfriamento durante a estampagem.
Pela figura 15 observa-se que, quando a velocidade de resfriamento é superior a 27°C/s, como é o caso sob pressão de 64 MPa e temperatura da água de resfriamento de 5°C, a microestrutura final é essencialmente martensítica. Já para uma taxa de resfriamento inferior a 27°C/s, não há tempo suficiente para transformar toda a austenita em martensita. Neste caso, é possível observar a formação de bainita (11).
As curvas de resfriamento obtidas na simulação são mostradas na figura 16.
Pela análise dos resultados preliminares da simulação, é possível afirmar que se trata de um problema dimensional de transferência de calor, ou seja, ela ocorre somente ao longo do sentido da espessura, neste caso desconsiderando transferências de calor por radiação e convec ção, e considerando transferências por condução.
A figura 16 ilustra a evolução da temperatura do blanque e no interior da matriz e do punção, conforme os parâmetros do processo de calibração do modelo experimental de transferência de calor, em que as curvas obtidas na simulação decrescem da mesma forma que as curvas do modelo experimental, o que de fato descreve corretamente a evolução da temperatura experimental para todo o tempo de análise, particularmente para a região de maior interesse, que é o início da transformação martensítica.
Neste trabalho foi abordado o processo de press hardening em chapas de aço 22MnB5 com 8 mm de espessura, e podemos concluir que: