Por Ajay Yadav, Giovanni Stampinato e Taylan Altan*

Publicado em Corte e Conformação de Metais, edição de setembro de 2009. 


 

Os aços inoxidáveis são ligas contendo ferro como principal constituinte, além de cromo, níquel e manganês como principais elementos de liga. Eles são chamados de “inoxidáveis” porque nesses materiais se forma um filme de cromo ou níquel sobre a superfície da chapa, protegendo efetivamente o aço contra a corrosão.

 

O aço inoxidável, além de possuir aplicações nas indústrias automotiva, de construção e de transporte, apresenta vários usos nas indústrias alimentícia, química e farmacêutica. Alguns produtos comuns feitos com esse material são pias, cubas, utensílios de cozinha e artigos de cutelaria.

 

 

Conformação a morno

Fig. 1 – Diagrama mostra o arranjo experimental para a conformação a morno de copos cilíndricos feitos com aços inoxidáveis 304 e 316.


 

 

Dependendo da estrutura metalúrgica do ferro dentro do aço inoxidável, ele pode ser classificado em três grupos gerais:

 

1. Martensítico – estes aços possuem boa tenacidade e são usados na manufatura de pás de turbinas e compressores, bem como peças fundidas resistentes à corrosão.

 

2. Ferrítico – estes aços podem ser conformados a frio com facilidade e são usados para obter peças por estampagem profunda, tais como recipientes para as indústrias química e alimentícia.

 

3. Austenítico – estes aços geralmente mostram a melhor resistência à corrosão desses três grupos. A série 3XX é um exemplo de aço inoxidável austenítico com boa resistência à corrosão, conformabilidade e propriedades de soldagem (1).


 

 

A necessidade de conformação a morno

 

Entre os aços inoxidáveis austeníticos, o tipo 304 é superior em conformabilidade e é o mais usado. Contudo, a fase austenítica é instável e se transforma em martensita durante a conformação. Esta transformação é função da deformação, velocidade de deformação (velocidade do punção) e temperatura.

 

A martensita aumenta o encruamento, retardando dessa forma o limiar de estricção na chapa metálica. Enquanto a estricção retardada é desejável para se obter alta conformabilidade e estampabilidade, a fase martensítica eleva as cargas de conformação, reduz a conformabilidade e diminui a resistência à corrosão.

 

No caso de deformações adicionais após a primeira operação de conformação é necessária a aplicação de recozimento. Contudo, este tratamento térmico intermediário diminui o ritmo de produção e eleva seus custos. Para eliminar ou reduzir o número de operações intermediárias de recozimento e evitar a transformação martensítica, pesquisadores passaram a explorar a conformação a morno de aços inoxidáveis.

 

 

Fig. 2a – Evolução dos valores de razão-limite de estiramento obtidos para diferentes temperaturas a partir de experimentos e simulações para o aço inoxidável tipo 304. Verificou-se boa correlação entre os valores medidos e os calculados.


 

 

Estudos sobre conformação a morno

 

Estudos preliminares feitos por Shinagawa e Takuda indicaram que a conformação a morno de chapas de aço inoxidável reduz a formação de martensita, uma vez que a deformação ocorre sob temperaturas elevadas (2, 3).



Fig. 2b e 2c – A conformação feita sob temperatura ambiente fez com que o copo sofresse fratura em um ponto correspondente a um valor de razão-limite de embutimento igual a 2,2. Contudo, a conformação a morno feita sob temperatura de 120 °C permitiu que o copo fosse estampado de forma mais profunda, correspondente a um valor de razão-limite de embutimento de 2,7 (4).


 

 

Estes pesquisadores efetuaram ensaios de embutimento de copos cilíndricos feitos com aços inoxidáveis do tipo 304 e 316. A figura 1 mostra o arranjo experimental usado por Takuda. Os ensaios foram feitos sob temperatura ambiente e a 90, 120 e 150 °C.

 

Nos ensaios de estampagem profunda a morno, tanto a matriz como o prensa-chapas foram aquecidos por um aquecedor embutido no ferramental, enquanto o punção era resfriado por circulação de água sob temperatura inferior a 10° C. Os valores da razão-limite de estiramento foram obtidos para três temperaturas diferentes de conformação para se quantificar a “embutibilidade” do material da chapa.

 

As propriedades da chapa metálica são determinadas por sua microestrutura, a qual é função da deformação, taxa de deformação e temperatura. Takuda efetuou simulações por elementos finitos com o modelamento da tensão de escoamento da chapa metálica em função da fração de martensita.

 

Os valores de razão-limite de estiramento obtidos a partir dos experimentos e das simulações por elementos finitos apresentaram boa correlação (figura 2). Shinagawa obteve resultados similares. Tanto Shinagawa como Takuda observaram que a razão-limite de estiramento tornou-se acentuadamente maior no caso da estampagem profunda a morno em comparação com a estampagem sob temperatura ambiente.

 

Takuda registrou um valor máximo desse parâmetro, da ordem de 2,7, para a temperatura de 150 °C e velocidade de punção de 2,5 mm/s. Por sua vez, Shinagawa obteve valor máximo de 3,1 sob temperatura de 200 °C e velocidade de punção de 1 mm/s. Quanto maior o valor da razão-limite de estiramento, maior a profundidade de estampagem que pode ser aplicada ao copo.


 

Esta é a primeira parte de uma série de dois artigos sobre a conformação a morno de aços inoxidáveis. A parte II, que também será publicada no site da revista Corte e Conformação de Metais, aborda estudos de simulação e experimentos conduzidos pelo Centro de Pesquisa em Engenharia para Manufatura Próxima do Formato Final (Engineering Research Center for Net Shape Manufacturing ERC/NSM,) sobre a conformabilidade do aço inoxidável sob temperaturas elevadas.



 

Referências

 

1) Avner, S.H., Introduction to Physical Metallurgy (New York: McGraw Hill, 1964).

 

2) Shinagawa, K; Mori, K. e Osakada, K.; Finite Element Simulation of Deep Drawing of Stainless Steel Sheet With Deformation-Induced Transformation, Journal of Materials Processing Technology, vol. 27 (1991), p. 301-310.

 

3) Takuda, H; Mori, K.; Masachika, T.; Yamazaki, E. e Watanabe, Y.; Finite Element Analysis of the Formability of an Austenitic Stainless Steel Sheet in Warm Deep Drawing, Journal of Materials Processing and Technology, Vol. 143-144 (2003), p. 242-248.

 

4) Ibid.



*Este estudo foi preparado por Ajay Yadav e Giovanni Stampinato, pesquisadores do Centro de Pesquisa em Engenharia para Manufatura Próxima do Formato Final (Engineering Research Center for Net Shape Manufacturing, ERC/NSM) da Ohio State University, e por Taylan Altan (www.ercnsm.org), professor e diretor da instituição. Este artigo foi publicado originalmente na seção R&D Updates do periódico norte-americano Stamping Journal e na edição de setembro de 2009 da revista Corte e Conformação de Metais. Tradução e adaptação de Antonio Augusto Gorni. Reprodução autorizada.



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