Por Nimet Kardes e Taylan Altan*

 

Publicado em Corte e Conformação de Metais, edição de agosto de 2011.


 

A indústria automotiva está usando cada vez mais os chamados aços avançados de alta resistência (advanced high strength steels, AHSS) para satisfazer requisitos de resistência a colisões e eficiência no consumo de combustível. A estampagem desse tipo de material impõe diversos desafios, sendo um deles o trincamento das bordas.

 

Durante a estampagem de componentes automotivos, o material em excesso em uma peça embutida é aparado para se obter o componente final. Durante o flangeamento e rebordeamento, ou mesmo no processo inicial de conformação, as peças estampadas e aparadas são submetidas a tensões e deformações de tração que atuam em suas bordas aparadas, o que pode resultar em trincamento nesse local.

 



Tecnologia em conformação

Fig. 1 – Diagrama esquemático de um ensaio de expansão de furo feito com punção cônico, usado para avaliar até que ponto uma amostra de chapa pode ser flangeada sem a ocorrência de fratura (3).



 

Fatores como a condição da borda antes do flangeamento, formato do punção, operação de cisalhamento e microestrutura (frações em volume das diferentes fases) afetam a capacidade de estiramento do flange do furo. A curva-limite de conformação tradicionalmente usada para validar a conformabilidade de um material não proporciona informação suficiente para prever o potencial de trincamento na borda, uma vez que esta curva representa o limite de estiramento, mas não de dobramento. Portanto, a capacidade de estiramento da borda é estudada com o uso do ensaio de expansão de furo, o qual pode emular as condições de tensão e deformação que surgem durante o flangeamento do furo.


 

Nesse ensaio, um furo feito por embutimento é expandido até a fratura por um punção cônico, hemisférico ou com fundo plano, para avaliar a capacidade de estiramento de sua borda. Um prensa-chapas prende o blanque para restringir o movimento de material no flange (figura 1).


 

A borda do furo encontra-se sob condições de estiramento e dobramento. Portanto, a deformação e a tensão circunferencial ao longo da borda levam ao trincamento. Contudo, é mais provável que um complexo histórico de tensões e deformações, junto com a qualidade da borda do furo estampado, possam determinar a ocorrência do trincamento de borda.


 

Usa-se uma razão de expansão de furo como critério para avaliar a capacidade de estiramento do flange do furo: 

 

 

 

Em que df e d0 são os diâmetros final e do pré-furo, respectivamente. Quanto maior for a razão de expansão de furo (λ), melhor será a capacidade de estiramento de seu flange.


 

Pesquisadores investigaram os limites de estiramento da borda para vários tipos de aço e diferentes espessuras de chapa usando experimentos de flangeamento de furo tanto com punção cônico como com fundo plano para embutir o material (1). Eles observaram que o aço doce e o de alta resistência apresentaram valores de razão de expansão de furo superiores a 100%, enquanto os aços avançados de alta resistência mecânica (aços com plasticidade induzida por transformação [TRIP], bifásicos e martensíticos) mostraram razões de expansão da ordem de 50%.


 

Além disso, o aço TRIP apresentou os mesmos valores de razão de expansão de furo vistos no aço bifásico, apesar de o primeiro tipo apresentar melhor conformabilidade que o segundo, conforme medido no ensaio de tração pelo alongamento total. 



 

 

Efeitos da qualidade e da microestrutura da borda

 

As várias operações de cisalhamento que são usadas para conformar o pré-furo, bem como a condição do ferramental, influenciam diretamente a qualidade da borda cisalhada. Os ensaios mostraram que, conforme esperado, a razão de expansão de furo do aço avançado de alta resistência diminuiu à medida que o punção sofreu desgaste durante a produção.

 


Taylan Altan
Fig. 2 – Resultados experimentais e calculados pelo método de elementos finitos por Takuda e outros (4) para o flangeamento de furos com o uso de punção cônico. O chamado curso crítico do punção corresponde à sua posição quando ocorreu o trincamento do furo.



 

Outros estudos mostraram que a capacidade de estiramento do flange de um furo cortado por eletroerosão foi melhor do que quando ele foi feito por furação ou puncionamento, indicando que a qualidade da borda do furo exerce significativa influência sobre a capacidade de estiramento de seu flange. Além disso, a fração de martensita presente na microestrutura do material e sua homogeneidade possuem considerável influência sobre a capacidade de estiramento do flange do furo.


 

Por exemplo, o aço CP 800 (aço com fases complexas) possui microestrutura mais homogênea em comparação com a do DP 800 (aço bifásico). Portanto, embora o aço CP 800 apresente menor conformabilidade em termos de suas propriedades sob tração, os valores de razão de expansão de furo são menores para o aço DP 800.




 

Previsão do trincamento da borda durante o flangeamento de furo

 

É desejável prever e eliminar o trincamento de bordas durante o flangeamento de orifícios. Alguns estudos usaram a análise por elementos finitos, juntamente com a distribuição de espessuras e valor de dano, como um critério de falha. Em um estudo preliminar conduzido pelos autores deste trabalho foi usado o programa computacional comercial DEFORM-2D, baseado no método de elementos finitos, para estabelecer uma relação entre os estados de tensão e deformação durante o flangeamento de furos, as propriedades do material e a qualidade de borda do pré-orifício.



Foi feita uma comparação entre as previsões feitas pela análise por elementos finitos para os aços doce e de alta resistência com dados experimentais provenientes de outro trabalho de pesquisa (figura 2) (4). O blanque inicial possuía diâmetro externo de 80 mm e pré-orifício com diâmetro de 10 mm. Os diâmetros da matriz e do punção eram de 42,5 e 40 mm, respectivamente. Foi usado um punção cônico com ângulo de 60°.


 

Os resultados preliminares da simulação mostraram boa concordância com os dados experimentais. Resultados similares foram obtidos ao se comparar as previsões feitas pelo mesmo método para o flangeamento de furos usando punção esférico.


 

Esta é a primeira parte de uma série de quatro artigos que trazem uma análise sobre a relação entre a qualidade da borda cisalhada e o trincamento de bordas no flangeamento de aços avançados de alta resistência (advanced high strength steels, AHSS).





 

Referências

 

1) Sadagopan, S.; Urban, D.: Formability Characterization of New Generation of High Strength Steels. AISI/DOE road program; disponível em: www. autosteel.org, 2003.


 

2) Carlsson, B.; Bustard, P.; Eriksson, D.: Formability of High Strength Dual Phase Steels. Paper F2004F454. Borlange, Suécia, SSAB Tunnplat AB, 2004.


 

3) Karelova, A.; Krempaszky, C.; Werner, E.; Hebesberger, T.; Pichler, A.: Influence of the Edge Conditions on the Hole Expansion Property of Dual-Phase and Complex-Phase Steels. Material Science and Technology, 2007.


 

4) Takuda, H.; Mori, K.; Fujimoto, H.; Hatta, N.: Prediction of Forming Limit in Bore-Expanding of Sheet Metals Using Fracture Criterion. Journal of Materials Processing Technology, v. 92-93, 1999, p. 433.



 

 

*Este estudo foi preparado por Nimet Kardes, pesquisador do Centro para Conformação de Precisão (Center for Precision Forming, CPF) da Ohio State University, e Taylan Altan (www.ercnsm.org), professor e diretor da instituição, localizada em Columbus, Estados Unidos (www.cpforming.org). Este artigo foi publicado originalmente na seção “R&D Updates” do periódico norte-americano Stamping Journal e na edição de agosto de 2011 da revista Corte e Conformação de Metais. Tradução e adaptação de Antonio Augusto Gorni. Reprodução autorizada.

 



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