Thiago Lopes da Silva Araujo e Moacir Messias de Araujo Junior, da BioProj Tecnologia Ambiental; Philippe Lopes da Silva Araujo e André Lermontov, do Grupo Águas do Brasil; e Eugenio Foresti, prof. da Escola de Engenharia de São Carlos, da USP
Data: 01/10/2016
Edição: Hydro Outubro 2016 - Ano XI - No 120
Compartilhe:O tratamento de esgotos sanitários representa um grande desafio atualmente, visto que o crescimento populacional intenso, notadamente em países em desenvolvimento, como o Brasil, não é acompanhado pelas obras de infraestrutura necessárias, em especial as de saneamento. Como consequência, estabelece-se uma situação de precariedade em relação à saúde da população e à conservação ambiental. No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008 mostrou que somente 55,2% dos municípios brasileiros possuem rede coletora de esgotos sanitários, e apenas 28,5% realizam algum tipo de tratamento dos esgotos coletados, segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dessa forma, é de extrema importância o desenvolvimento de tecnologias eficientes e econômicas que viabilizem a aplicação de sistemas de tratamento de forma ampla e satisfatória para a melhoria das condições de saneamento.
A aplicação de reatores anaeróbios como unidades principais de tratamento tem se mostrado economicamente vantajosa para a remoção de matéria orgânica de esgoto sanitário, principalmente em regiões tropicais e subtropicais onde a temperatura ambiente favorece a digestão anaeróbia. O desenvolvimento de reatores anaeróbios de alta taxa, operados com alto tempo de retenção celular e baixo tempo de detenção hidráulica incorporando altas quantidades de biomassa ativa, proporciona um alto potencial para o tratamento de águas residuárias com baixas concentrações de substrato, como o esgoto sanitário [1].
Contudo, a concepção original dos reatores UASB apresenta dificuldades para tratar efluentes com elevadas cargas volumétricas e concentrações de sólidos, como os esgotos sanitários, onde a velocidade ascensional e a digestão da DQO particulada são as etapas limitantes do processo [1, 2 e 3]. O bom contato entre a biomassa e o substrato é fundamental para garantir uma boa velocidade de degradação. Com mistura insuficiente, devido à baixa velocidade ascensional aplicada e à baixa produção de biogás, os reatores UASB apresentam limitações de transferência de massa, além de um maior potencial de formação de escuma.
Desse modo, os reatores UASB foram desenvolvidos para tratar efluentes cuja concentração favoreça a mistura e a ocorrência da granulação do lodo promovidas pelos gases, e não pelo fluxo do líquido [4]. Segundo Foresti [2], apesar do reconhecido sucesso dos reatores UASB para o tratamento de esgotos sanitários, a perda de sólidos no efluente e a formação de escuma no interior do separador trifásico são duas limitações evidentes. Assim, o maior sucesso dos reatores UASB de fato não se deu para o tratamento de esgotos sanitários, e seu desempenho pode ser melhorado se pesquisas forem desenvolvidas no sentido de adaptar seu desenho às características dessa água.
Sob o prisma da gestão e sustentabilidade socioeconômica, grande parte das estações de tratamento de esgotos sanitários em operação no Brasil enfrenta dois fatores principais: o gerenciamento e a disposição do lodo biológico e da escuma gerados; e a necessidade de aumentar a capacidade de tratamento para acompanhar o crescimento populacional. Tais fatores refletem diretamente nos custos operacionais das estações de tratamento, influenciando as decisões de sua implantação e gestão. Nesse sentido, alternativas tecnológicas que possibilitem o aumento de capacidade de tratamento dessas estações, conjuntamente com a redução da geração de lodo biológico, são de extrema relevância para o setor.
Uma das alternativas é o aumento da concentração inicial de biomassa no sistema, fazendo com que o substrato seja o fator limitante nos processos de produção e manutenção celular. Essa condição pode ser alcançada por meio de reatores de leito fixo, nos quais observa-se um crescimento regulado da biomassa [5]. Com a utilização de biomassa imobilizada nos reatores biológicos, pode-se aumentar consideravelmente a massa de microorganismos contida nesses reatores, aumentando consequentemente sua capacidade nominal de tratamento.
As características do material suporte para a adesão celular (geometria, dimensões, material, porosidade, etc.) exercem uma grande influência no desempenho de reatores de leito fixo. Atualmente, diversos tipos de materiais suporte com altas áreas superficiais foram desenvolvidos. No entanto, grande parte não é capaz de proporcionar simultaneamente uma alta porosidade do leito reacional (evitando o acúmulo excessivo de biomassa e consequente aumento da perda de carga) e uma alta capacidade de adesão da biomassa. Assim, frequentes contra lavagens são requeridas para remover o excesso de biofilme formado e reestabelecer o bom desempenho dos reatores biológicos.
Estudos anteriores demonstraram que a espuma de poliuretano (PU) é um excelente suporte para a adesão de biomassa [6, 7, 8 e 9]. No entanto, sua alta compressibilidade e baixa resistência mecânica têm limitado seu uso em plantas em escala comercial. A fim de resolver esse problema, um inovador suporte chamado Biobob (matriz de espuma de PU envolto por uma estrutura externa rígida de polipropileno) foi desenvolvido pela BioProj Tecnologia Ambiental, com sede em São Carlos, SP.
O objetivo principal do projeto de pesquisa foi avaliar o desempenho de um reator anaeróbio híbrido (leito fixo e manta de lodo), em escala piloto, contendo material suporte para imobilização celular (Biobob) tratando altas cargas volumétricas de esgoto sanitário.
A investigação experimental foi realizada em um reator anaeróbio híbrido (leito fixo e manta de lodo), em escala piloto, contendo material suporte para a imobilização celular tratando esgoto sanitário proveniente do tratamento preliminar da ETE Itaipu, localizada na cidade de Niterói, RJ, sob controle da Concessionária Águas de Niterói S/A.
A planta piloto foi projetada para reproduzir em escala reduzida (200 vezes menor) a estação real, obedecendo às mesmas cargas volumétricas aplicadas e taxas de aplicação superficial. Para tanto, o reator anaeróbio de 12,5 m3 de volume útil, com geometria cilíndrica de 1,7 m de diâmetro interno, altura útil de 5,5 m, era constituí‐ do por seis compartimentos, a saber:
O reator e selo hídrico foram con‐ feccionados em PRFV – plástico refor‐ çado com fibra de vidro (figura 1).
Como suporte de imobilização da biomassa anaeróbia foi utilizado o Biobob (figura 2). Trata‐se de um disposi‐ tivo para imobilização celular utilizado como suporte inerte para adesão da biomassa nos reatores biológicos, o qual consiste de uma matriz de poliuretano envolta por uma estrutura rígida de po‐ lipropileno, com geometria cilíndrica de 45 mm de diâmetro e 60 mm de altura.
A fase experimental foi conduzi‐ da em duas etapas. Na primeira, o sistema foi operado como um reator UASB, com vazão de alimentação de 1,4 m3.h‐1, TDH de 8,8 h e vs de 0,63 m.h‐1 (condição equivalente à vazão de projeto da ETE Itaipu). Na segunda etapa, introduziu‐se 5,0 m3 de Biobob no leito reacional do reator (40% do volume útil do reator), transformando‐o em reator anaeróbio híbrido (HAnR), variando‐se a vazão de alimentação de 1,5 m3.h‐1 para 2,8 m3.h‐1, tendo o TDH variado entre 7,4 h (vs de 0,66 m.h‐1) a 3,9 h (vs de 1,25 m.h‐1). Para todas as etapas o sistema foi alimentado continua‐ mente com esgoto sanitário, à tem‐ peratura ambiente, proveniente do tra‐ tamento preliminar, após gradea‐ mento (espaçamento de 20 mm) e caixa de areia, da ETE Itaipu.
Amostras do afluente e efluente do reator foram coletas diariamente por meio de bombas peristálticas auto‐ máticas (coleta de 100 mL a cada 1 h durante 24 h.d‐1) e conservadas em temperatura até 4°C. Foram realizadas análises de parâmetros como deman‐ da química de oxigênio total (DQOt) e filtrada (DQOf), e sólidos suspensos totais (SST), segundo o Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater [10].
A planta piloto foi operada durante 468 dias ininterruptos à temperatu‐ ra ambiente média de 26±2°C. Para condições de operação similares, o rea‐ tor HAnR, submetido a carga hidráuli‐ ca volumétrica (CHV – razão entre a vazão de esgoto aplicada e o volume útil do reator) de 2,9±0,1 m3.m‐3.d‐1, apresentou melhor desempenho que o reator UASB, submetido a CHV de 2,7±0,2 m3.m‐3.d‐1, acrescendo em até 18% e 32% as eficiências de remoção de DQOt e SST, respectiva‐ mente (figuras 3 e 4).
Comparando‐se o volume neces‐ sário para cada tipo de sistema, o reator HAnR apresentou-se mais compacto em relação ao reator UASB, pois para se atingir a mesma eficiência de remoção de DQOt (61%), a CHV aplicada ao reator HAnR (4,1 m3.m-3.d-1) foi 1,5 vez maior que a aplicada ao reator UASB (2,7 4,1 m3.m-3.d-1), como pode ser visto no gráfico da figura 3.
Mesmo quando submetido a maiores vs e menores TDH, o reator HAnR apesentou melhor qualidade do efluente tratado que o reator UASB (figuras 5 e 6). Para vs de 1,25±0,02 m.h-1 e TDH de 3,9±0,1 h, os valores médios no efluente tratado do HAnR foram de 205±46 mg DQOt.L-1, 104±25 mg DQOf.L-1 e 73±30 mg SST.L-1. Já para o reator UASB os valores médios foram de 236±83 mg DQOt.L-1, 112±26 mg DQOf.L-1 e 95±63 mg SST.L-1 para vs de 0,63±0,05 m.h-1 e TDH de 8,8±1,1 h.
A eficiência na remoção de DQOt do HAnR decresceu de 72±10% para 55±9% com a redução do TDH de 7,4 h para 3,9 h (figura 3), entretanto, a DQOf no efluente tratado não apresentou grande variação entre todas as etapas de operação, com valor médio de 105±35 mg.L-1 (figura 7). Esse fato evidencia a alta eficiência do sistema na remoção da matéria orgânica solúvel, mesmo com baixos TDH aplicados.
Comparando-se a capacidade de retenção de sólidos dos reatores, o HAnR submetido a TDH de 3,9 h apresentou eficiência na remoção de SST (63±14%) e concentração média no efluente tratado (73±30 mg SST.L-1) similares às obtidas pelo reator UASB, porém com velocidade ascensional aparente de 1,25 m.h-1, sendo 98% maior do que a aplicada no reator UASB (0,63 m.h-1).
Para todas as condições testadas, o HAnR apresentou desempenho satisfatório quanto à remoção de DQO e SST quando comparado com outros sistemas anaeróbios aplicados ao tratamento de esgotos sanitários.
Com os resultados alcançados pode-se afirmar que o reator anaeróbio híbrido (HAnR) se mostra promissor para o tratamento de águas residuárias com baixa concentração de matéria orgânica e alta concentração de sólidos em suspensão, como os esgotos sanitários, tendo algumas vantagens sobre os sistemas convencionais de tratamento anaeróbio por reator UASB, tais como, menor área de implantação, melhor qualidade do efluente tratado, pequena geração de lodo e simplicidade operacional.
A melhor condição operacional do HAnR quando comparado, em termos de eficiências de remoção e qualidade do efluente tratado, com o reator UASB, foi conseguida aplicando-se tempo de detenção hidráulica (TDH) de 5,2 h, com base no volume útil do reator, e velocidade ascensional aparente (vs) de 0,94 m.h-1, apresentando eficiências na remoção de DQO e SST de 61±16% e 72±16%, respectivamente, com concentrações efluentes de 222±66 mg DQOt.L-1, 123±39 mg DQOf.L-1 e 73±41 mg SST.L-1, porém com uma CHV de 4,1 m3.m-3.d-1, 52% maior do que a aplicada no reator UASB (2,7 m3.m-3.d-1).
O principal resultado dessa pesquisa foi a constatação da viabilidade técnica da aplicação do reator anaeróbio híbrido (leito fixo e manta de lodo) como unidade principal de tratamento de esgotos sanitários quando comparado à utilização de reatores UASB. Observou-se que o material suporte para a adesão celular Biobob é adequado para ser utilizado em reatores anaeróbios híbridos e pode promover o aumento da capacidade de tratamento de reatores UASB sem a necessidade de ampliações físicas do reator.
Para condições de operação similares, o reator HAnR apresentou melhor desempenho que o reator UASB, acrescendo em até 18% e 32% as eficiências de remoção de DQOt e SST, respectivamente.
O reator HAnR apresentou-se mais compacto em relação ao reator UASB para se atingir a mesma eficiência de remoção de DQOt (61%). A CHV aplicada ao reator HAnR (4,1 m3.m-3.d-1) foi 1,5 vez maior que a aplicada ao reator UASB (2,7 m3.m-3.d-1).
Mesmo com velocidade ascensional 98% maior que a aplicada ao reator UASB (1,25 m.h-1), o HAnR apresentou eficiência na remoção de SST (63±14%) similar à obtida pelo reator UASB.
A partir dos resultados obtidos, propõem-se as seguintes sugestões para o aprimoramento de reatores anaeróbios híbridos: