Reúso de água cinza em cobertura verde


O presente estudo avalia a instalação da cobertura verde com manutenção de irrigação realizada através de um sistema de reúso de águas cinza em um edifício. Verificou-se que a oferta mensal de água cinza produzida pelos lavatórios atende ao consumo mensal da rega do jardim da cobertura.


Danilo Rafael Lima Santos, engenheiro civil; e Denise Conceição de Gois S. Michelan, doutora em engenharia ambiental (*)

Data: 20/02/2017

Edição: Hydro Fevereiro 2017 - Ano - XI No 124

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O presente artigo trata de análise da instalação de cobertura verde e implantação do sistema de reúso de água em um edifício público no município de São Cristóvão, SE. Apesar de prevista no projeto original a instalação da cobertura verde, sua execução não foi realizada conforme projetada. As premissas existentes no projeto arquitetônico que viabilizariam a construção da cobertura verde não foram seguidas sob alegação de que seriam “desnecessárias” e “inviáveis” em razão da dificuldade de manutenção pelo gasto excessivo de água.

Assim, buscou-se fazer uma análise da possibilidade de execução e os benefícios trazidos por esse sistema. A proposta é que a irrigação da cobertura verde fosse feita por um sistema de reúso de água cinza proveniente dos lavatórios e tanque de lavar roupa do edifício.

Materiais e métodos

O parâmetro estimado para a rega do jardim da cobertura verde da edificação em estudo foi proposto por Tomaz [1], correspondendo a 2 L/dia/m2.

A finalidade de reúso da água nesse sistema é para a produção de hortaliças, frutas e plantas medicinais, cultivadas na cobertura do edifício, com maior exigência no tratamento em comparação à finalidade do sistema escolhido no estudo. Assim, a área do jardim a ser irrigada foi obtida a partir das plantas baixas fornecidas pelo responsável pela administração do edifício. Para o cálculo do volume de água necessário adotou-se a rega em três dias por semana, realizada à segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira.

Kammers e Ghisi [2] estudaram a distribuição da demanda de água em edifícios públicos, localizados em cidades litorâneas. Em função desse estudo, foram extraídos os parâmetros de demanda de água para aplicação no atual trabalho. Dessa forma, os usos finais de água para bacia sanitária corresponderam a 55,8%; mictório, 14,3%; torneira de banheiro, 18,3%; e outros 11,6 %. Adotou-se o lavatório para percentagem de uso final de 18,3%.

A contribuição diária de esgoto (C) adotada para edifício público baseou-se na NBR 7229 [3], que estabelece 50 litros por pessoa.

Estimou-se a população do edifício em funcionamento em 65 pessoas e os dias de contribuição para o sistema de reúso como sendo 20 dias úteis por mês.

Com relação ao sistema de reúso de água cinza, ficou definido como sendo reúso direto planejado não potável de água. Foi observada a coleta dos efluentes dos lavatórios nos oito banheiros da edificação, realizando o tratamento, o armazenamento e a distribuição do esgoto tratado para a rega do jardim da cobertura verde a ser instalada. A coleta de água cinza fundamentou-se no método utilizado para o sistema de coleta na contagem das Unidades Hunter de Contribuição (UHC). Foram definidos todos os pontos de coleta de água e com o auxílio da NBR 8160 [4] foi determinado o número de UHC de cada aparelho, obtendo assim o diâmetro nominal dos seus respectivos ramais de descarga. Com as contribuições dos aparelhos sanitários definidas, pode-se dimensionar as caixas sifonadas dos banheiros e os respectivos ramais de esgoto. Em relação ao reservatório de água tratada, multiplicou-se o parâmetro do consumo de rega pela área de jardim e pela quantidade de dias de rega no mês, obtendo o volume de consumo mensal da rega na cobertura na quantidade de 10 560 L, acrescidos 10% para possíveis mudanças climáticas. Esse valor possibilitou encontrar o volume diário de consumo, que quando dividido pela quantidade de regas durante o mês, resultou em 12 dias. Em seguida, encontrou-se um volume de 880 litros ou 0,88 m3 diário. O cálculo do reservatório foi dimensionado para dois dias de detenção, uma vez que a rega será realizada em dias alternados durante a semana. Sabendo que sua vazão estimada de consumo é de 0,88 m3/dia, tem-se o volume útil necessário do reservatório, (1,76 m3 ou 1760 litros). Foi adotada a distância de 30 cm da altura da válvula de pé de crivo ao fundo do reservatório, conforme solicitado pela NBR 5626 [5]. Também em função dessa norma foi elaborado o projeto de distribuição da água cinza tratada. Para o dimensionamento do conjunto elevatório foram seguidas as recomendações da NBR 12214 [6].

O sistema de irrigação proposto foi montado com mangueira de gotejamento a cada 30 cm. A vazão por fileira foi de aproximadamente 1,5 L/hora de água, com pressão de trabalho igual a 8 mca. O diâmetro da mangueira é de 1/2 polegada ou 12,7 milímetros, com durabilidade e resistência à exposição ao sol de cinco anos.

O tratamento das águas cinza proposto foi por meio de filtração, utilizando os mecanismos de impedimento físico e biológico dos resíduos presentes na água cinza, sendo a matéria orgânica biodegradada por uma população de micro-organismos e por minhocas.

Resultados

Avaliação do reúso na edificação

Para avaliar o sistema de reúso da água cinza na edificação foram comparadas as estimativas de oferta e demanda para o fim especificado.

Com área de 400 m2 de jardim, considerando rega três vezes por semana, o que corresponde a 12 dias ao mês, e consumo diário do jardim por metro quadrado correspondendo a 2 litros, tem-se um consumo mensal de 9600 L. Foi acrescido também 10% do consumo mensal para suprir variação de mudanças climáticas locais e possíveis perdas no sistema.

A estimativa da oferta mensal de água cinza disponível no edifício, considerando 50 L/pessoa para 65 pessoas, durante 20 dias, resultou em 11 895 L. Ou seja, a oferta mensal de água cinza produzida pelos lavatórios do edifício atende ao consumo mensal da rega do jardim da cobertura.

A edificação estudada possui características arquitetônicas favoráveis à implantação do reúso, sua simetria e alinhamento dos ambientes provenientes da oferta de água cinza e sua proximidade com o reservatório propiciaram essa proposta para o projeto.

Projeto do sistema de coleta da água cinza

O projeto do sistema de coleta da água cinza seguiu as recomendações contidas da NBR 8160. O ramal do lavatório, que corresponde a 1 UHC, foi dimensionado com diâmetro nominal de 40 mm, da mesma forma que o tanque de lavar roupa, com mudança apenas do número de contribuição, que correspondeu a 3 UHC. Em função dessas contribuições, o diâmetro de saída dos banheiros foi de 50 mm e para a caixa sifonada o diâmetro nominal foi de 100 mm com declividade de 2%. Todos os tubos de queda foram dimensionados para 50 mm, conforme a NBR 8160. A mudança de direção desses tubos de queda ao alcançar o solo (térreo) ocorreu por meio de curvas longas de 90° para diminuir a sobrepressão e dificultar a formação de espumas.

Devido à simetria dos ambientes, os tubos de queda foram alimentados pelas mesmas contribuições dos ramais de esgoto do pavimento térreo, possibilitando a ligação simplificada entre eles. Essa ligação pode ser feita por meio de uma junção a 45° de mesmo diâmetro, 50 mm.

Após a junção dos tubos de queda com os ramais de esgoto do térreo, o efluente segue horizontalmente para as caixas de inspeção localizadas na parte exterior ao prédio. Essas caixas são interligadas por coletores que, devido à recomendação da norma, tiveram diâmetros mínimos de 100 mm.

As tubulações de ventilação foram todas dimensionadas para o diâmetro nominal de 40 mm, uma vez que nenhum dos casos ultrapassou 12 UHC. Utilizou-se na conexão do tubo de ventilação com os ramais de esgoto um tê e uma redução de 50 para 40 mm.

As caixas de inspeção foram dimensionadas na forma de um quadro e com seção mínima exigida pela norma. Sendo todas as caixas com dimensões em centímetros de 60 x 60 x variável (cm), e sua altura variável de acordo com a profundidade do coletor a montante e para garantir a saída do efluente no coletor a jusante.

Projeto do sistema de distribuição da água cinza tratada

Para um volume útil do reservatório de 1,76 m3 ou 1760 litros, foi dimensionado um reservatório cilíndrico com dimensões de 2 m de diâmetro e 1 m de altura com capacidade de 3,1 m3 ou 3100 litros. Porém, seu volume útil, descontando os 30 cm da distância da válvula pé de crivo ao fundo e mais 10 cm do desconto da válvula pé de crivo, é 1,885 m3 ou 1885 litros.

Com relação ao conjunto elevatório, para a vazão de recalque de 0,000367 m3/s e diâmetro comercial de 20 mm e velocidade de 1,17 m/s, obteve-se tempo para rega de 0,67 hora ou 40 minutos. Com relação à tubulação de sucção, como o diâmetro dessa tubulação corresponde ao diâmetro comercial superior ao do recalque, foi considerado 25 mm, para velocidade de 0,75 m/s.

A altura estática de sucção foi de 1,60 m e a do recalque de 7,39 m, o que correspondeu a uma altura geométrica de 8,99 m. Para a altura na sucção, considerou-se a altura do eixo da bomba até 10 cm acima da válvula pé de crivo, descontando os 30 cm da válvula ao fundo do reservatório. A perda de carga unitária obtida foi de Js = 0,0345 m/m e Jr = 0,0994 m/m. Com base na perda de carga nas conexões, que contemplou tês, joelhos de 90o, junções, curvas de 90o, válvulas de retenção, registros gaveta, união e válvulas de pé de crivo, totalizou o comprimento equivalente de recalque e sucção em 12,7 m e 16,6 m, respectivamente, e o comprimento real de recalque e sucção foi de 23,423 m e 5,15 m, respectivamente, gerando assim a altura manométrica de 11,88 mca.

Para o sistema de irrigação da cobertura verde foi calculado o comprimento necessário de mangueira para atender ao jardim. Essa mangueira deve ser esticada no comprimento e espaçada a cada metro na largura do jardim, totalizando 260 metros. Sendo o espaçamento entre as válvulas de 30 cm, totalizou-se aproximadamente 867 válvulas. Com vazão liberada pela válvula de 1,5 L/hora, verificou-se que a vazão total liberada pela mangueira em uma hora é de 1300 litros. Porém, a grama necessita apenas de 880 litros por dia de rega, proporcionando um tempo de irrigação de aproximadamente 0,67 hora ou 40 minutos.

Projeto do sistema de tratamento da água cinza

Segundo Santiago et al. [7], o dimensionamento do filtro foi feito para o tratamento de até 400 litros diários de água cinza, possuindo dimensões de 1,50 m de diâmetro e 1 m de profundidade. O edifício em estudo, contudo, possui uma carga de aproximadamente 550 litros diários, necessitando de um redimensionamento.

Por esse motivo, o filtro foi dimensionado com dimensões de 2 m de diâmetro e 1 m de profundidade para aumentar a área superficial dos húmus das minhocas e suprir esse acréscimo de carga. O deslocamento do fluxo no filtro foi realizado por fluxo descendente, composto por duas camadas de material orgânico (húmus e serragem de madeira) e duas camadas de material inorgânico (cascalho e seixo rolado), distribuídas em sua profundidade. Ainda, de acordo com Santiago et al., é necessário realizar a troca das raspas de madeira a cada 12 meses e os húmus de minhoca a cada seis meses para o funcionamento adequado do sistema. Há a necessidade de cobrir o filtro para evitar a incidência direta de sol e água da chuva.

Custos relacionados ao projeto

Com base na avaliação dos custos do projeto, haveria gastos de R$ 606,68 com tubulações para os projetos predial de esgotamento e hidráulico, e de R$ 707,33 com as conexões. Para o conjunto elevatório, foram previstas duas bombas (sendo uma para a reserva), sendo o custo individual de R$ 377,30 e custo de instalação de R$ 1704,68. Como foi estimada a implantação de abrigo para o conjunto motobomba, incluindo abrigo em alvenaria (1,20 x 1,0 m), chapisco, reboco, esquadria de ferro e cobertura com telha calha, obteve-se o custo de R$ 1028,13, o que totalizou R$ 3575,10. Esses custos foram levantados no mês de outubro de 2014.

O custo referente ao tratamento e à reserva totalizou R$ 2068,79, que englobou as camadas do filtro, húmus de michoca, telhas e manilhas para o filtro.

A cobertura verde foi orçada em R$ 70,00 por m2 aplicado. Esse preço foi estimado considerando a parte de impermeabilização já aplicada. Com área total de aplicação de 400 m2 de jardim, o preço total para a instalação será de R$ 28 000,00.

O custo com a irrigação foi calculado para a compra de 300 metros de mangueira, o que abrangeu o custo de R$ 105,00 de mangueira mais R$ 30,50 de frete, totalizando R$ 135,50.

Para a manutenção, propôs-se aparador de grama no valor de R$ 125,91 mais frete de R$ 32,74, totalizando um custo de aquisição de R$ 163,71.

Conclusões

Foi avaliada a instalação da cobertura verde com manutenção de irrigação realizada através de um sistema de reúso de águas cinza em um edifício. Verificou-se que a oferta mensal de água cinza produzida pelos lavatórios atende ao consumo mensal da rega do jardim da cobertura.

Para a instalação do sistema, foram elaborados projetos de coleta da água cinza e distribuição da água tratada segundo recomendações das respectivas normas, tornando-se simples sua elaboração devido à simetria e locação dos pontos de coleta no edifício estudado. A disponibilidade de área foi benéfica, pois possibilitou a instalação do filtro e reservatório em pontos estratégicos, e assim também facilitou a elaboração dos projetos.

Com a elaboração dos projetos, foram levantados os custos totais de R$ 47 605,36 e os custos evitados de R$ 3298,20 mensais da implantação do sistema (economia de energia). Para avaliar o custo/benefício foi proposto o cálculo por payback simples, sendo verificado que serão necessários 15 meses para que o investimento tenha retorno. Esse cálculo foi realizado apenas para uma simples análise, sem considerar a atualização dos valores para o tempo presente. Foram expostos também os principais benefícios com a implantação do sistema, como a economia de energia, do ganho de uma área de lazer no edifício e da contribuição ao meio ambiente.

O trabalho possibilitou analisar que as novas tecnologias precisam ser divulgadas para a melhor compreensão de seus benefícios.

Referências

  1. Tomaz, P.: Sistemas prediais de esgoto sanitário Projeto e execução. [S.l.]: Navegar Editora, 2003.
  2. Kammers, P. C.; Ghisi, E.: Usos finais de água em edifícios públicos localizados em Florianópolis, SC. Ambiente Construído, v. 6, n. 1, p. 75-90, jan./mar. 2006.
  3. ABNT. Associação brasileira de normas técnicas. NBR 7229: Projeto, construção e operação de sistemas de tanques sépticos, Rio de Janeiro, 1993.
  4. ABNT. Associação brasileira de normas técnicas. NBR 8160: Sistemas prediais de esgoto sanitário Projeto e execução, Rio de Janeiro, 1999.
  5. ABNT. Associação Brasileira de normas técnicas. NBR 5626 Instalação predial de água fria, Rio de Janeiro, 1998.
  6. ABNT. Associação brasileira de normas técnicas. NBR 12214: Projeto de sistema de bombeamento de água para abastecimento público, Rio de Janeiro, 1992.
  7. Santiago, F. dos S. et al.: Bioágua familiar: Reúso de água cinza para produção de alimentos no semiárido. Projeto Dom Helder Camera, 2012.