Amanda Santos de Lima, graduanda da UTFPR – Universidade Federal do Paraná; Maria Eugênia Facchin Ciceri, mestranda da UTFPR; e Mariana de Souza Sikora, profa. da UTFPR
Data: 11/05/2017
Edição: Hydro Março 2017 - Ano XI - No 125
Compartilhe:Entre os principais problemas associados à falta de tratamento adequando de efluentes (tratamento terciário) está a presença de uma ampla gama de contaminantes químicos e biológicos que podem causar uma série de doenças. Os processos convencionais de desinfecção de águas residuais são a cloração e a exposição à radiação ultravioleta, entretanto, tais alternativas não são efetivas no controle de micro-organismos resistentes. Sendo assim, outras tecnologias vêm sendo estudadas. Uma das mais promissoras são os POAs – processos oxidativos avançados. Cada vez mais, métodos baseados em POAs mostram-se muito eficientes tanto para degradação de compostos orgânicos presentes em águas quanto a redução de íons metálicos e descontaminação microbiológica.
Os POAs estão baseados na geração de radicais extremamente reativos responsáveis pela oxidação de compostos orgânicos poluentes, a exemplo da fotólise, fotocatálise, fotoeletrocatálise e processos Fenton. Dos métodos apresentados, os três primeiros apresentam algumas vantagens devido à sua facilidade e baixo custo. Além disso, por se tratar de uma reação ativada pela luz, pode-se utilizar um dos recursos mais abundantes em nosso país, a radiação solar. Um fotocatalisador amplamente empregado na fotocatálise é o dióxido de titânio (TiO2), em razão de sua inércia química, além de ser um material abundante e de baixo custo. Além de oxidar rejeitos industriais, reduzir íons com elevada toxidez, como o Cr (VI), esse material atua na destruição de bactérias pela oxidação da parede celular. Estudos recentes evidenciam o poder fotocatalítico do material na destruição de Lactobacillus acidophilus, Staphylococcus aureus e Escherichia coli.
No presente trabalho realizou-se a síntese de nanotubos de TiO2 dopados com carbono (C-TiO2), carbono e prata (C-Ag-TiO2) e com a superfície modificada (OH-TiO2), a fim de investigar o potencial para descontaminação química e biológica de águas residuais. Para avaliar a descontaminação química foi estudada a degradação de um corante modelo e para a desinfecção bacteriológica foi pesquisada a inativação da bactéria Salmonella sp. por fotocatálise usando os filmes sintetizados.
Os filmes de TiO2 foram sintetizados a partir de placas de titânio metálico (0,25 mm de espessura e área de 1 cm2) polidas mecanicamente com papel de SiC. A conversão do titânio a óxido foi realizada pela aplicação de um potencial constante de 20 V usando-se uma fonte de tensão durante 1 hora. Como contra-eletrodo foi utilizado um par de eletrodos de platina posicionado paralela e simetricamente ao eletrodo de titânio. Como eletrólito utilizou-se uma solução de etilenoglicol com NH4F (0,5% m/m) e água (10% m/m). A solução foi agitada por toda a extensão da reação de síntese para eliminar processos limitados pela difusão dos íons presentes. Após a síntese, os filmes foram submetidos ao processo de tratamento térmico, que consistiu no aquecimento das amostras até 450°C por 2 horas usando rampa de aquecimento/ resfriamento de 2°C min-1.
A modificação dos filmes foi realizada através da imersão das amostras neoformadas em solução de AgNO3 1 mol L -1 durante 5 min. Em seguida as amostras dopadas foram submetidas ao tratamento térmico em duas etapas. Na etapa 1 a amostra foi aquecida até 120°C por 48 horas por uma rampa de aquecimento/resfriamento de 2°C min-1. Após essa etapa as amostras foram submetidas ao mesmo tratamento térmico citado. Todos os filmes foram submetidos à caracterização por microscopia eletrônica de varredura com emissão de campo (MEV-FEG), análise química elementar (EDS), difração de raios-X (DRX) e reflectância difusa com objetivo de encontrar o valor de bandgap dos fotocatalisadores sintetizados.
A modificação da superfície dos filmes foi realizada seguindo a metodologia de Yuan [1]. O processo consistiu na imersão dos filmes neoformados em solução 1 mol L -1 de NH3.H2O durante 10 horas e em seguida realizou-se o tratamento térmico com aquecimento das amostras até 450°C por 2 horas usando uma rampa de aquecimento/resfriamento de 2°C min-1.
Os ensaios fotocatalíticos foram realizados em uma Black Box contendo um reator encamisado de 150 mL e uma lâmpada de UV (125 W). Agitação magnética foi utilizada para eliminar efeitos difusionais no interior do reator fotoquímico. Os diferentes filmes sintetizados foram fixados no reator fotoquímico deixando-se 0,5 cm2 de área exposta. A atividade fotocatalítica dos filmes foi investigada através da degradação de um corante modelo e por meio da inativação da bactéria Salmonella sp. Como corante modelo utilizou-se o alaranjado de metila a uma concentração de 50 mg.L-1, e com pH igual a 5,05, 7,00 e 8,35. Durante a degradação do corante foram retiradas alíquotas em diferentes tempos a fim de se estudar a cinética de degradação do alaranjado de metila na presença dos filmes sintetizados.
Para os ensaios fotoquímicos de inativação da Salmonella sp o micro-organismo foi inoculado previamente em caldo Brain Heart Infusion Broth (BHI), durante 24 horas sob temperatura de 37oC e agitação de 160 rpm. Em seguida foi feita a padronização da solução salina (NaCl 0,9%) contendo o micro-organismo usando uma absorbância de 0,5 em um comprimento de onda de 600 nm.
Dentro do reator fotocatalítico foram adicionados aproximadamente 100 mL de uma mistura do inóculo e solução salina de acordo com a padronização realizada. Esse sistema foi mantido sob agitação por 30 min no escuro, após esse tempo foram retiradas alíquotas em diferentes tempos. Foram realizadas diluições em série de cada alíquota e plaqueamento por meio do método Spread-Plate, em placas de pétri contendo ágar + BHI. O estudo da cinética de inativação dos micro-organismos foi realizado através da contagem das unidades formadoras de colônias (UFC/mL) em função do tempo de inativação.
Durante a anodização realizada no modo potenciostático pode-se verificar a variação da densidade de corrente em função do tempo, o que fornece o perfil cronoamperométrico do sistema (figura 1). Nota-se na figura 1 a existência de três regiões sinalizadas. A região A descreve o decréscimo de corrente pela formação de um óxido desprovido de poros, chamado de óxido barreira.
O crescimento do óxido ocorre inicialmente por um processo iônico que se estende até o filme atingir uma espessura crítica, nesse momento o mecanismo de crescimento via migração torna-se inviável, uma vez que o campo elétrico aplicado é inversamente proporcional à espessura, de acordo com a equação (1):
onde:
Os íons Ti4+ conduzidos pelo campo elétrico do óxido para o eletrólito se combinam com os íons F- e formam um complexo estável de [TiF6]2-. Esse complexo é solúvel no meio eletrolítico e, portanto, há duas reações competitivas, uma referente à formação e outra à dissolução do óxido até o momento em que este atinge uma espessura crítica onde há uma mudança no mecanismo de crescimento (região B). Nessa etapa, de acordo com Regonini [2], há a nucleação do filme barreira, o que diminui a resistência do filme e consequentemente provoca o aumento da corrente, levando à formação dos poros ou nanotubos de TiO2. As velocidades se aproximam até a observação de um estado estacionário (região C), nessa etapa ocorre o aumento da espessura e do diâmetro dos nanotubos de TiO2, tem-se assim a formação de um filme de nanotubos de TiO2, também chamado de TiO2NT.
Os filmes sintetizados foram caracterizados por microscopia eletrônica de varredura com emissão de campo (MEV-FEG). A análise da morfologia demonstrou que todos os filmes apresentam uma morfologia de alta porosidade (figura 2). A formação de nanotubos de TiO2 é evidente para os filmes C-TiO2 e OH-TiO2, logo esses materiais apresentam uma elevada área superficial, que em termos cinéticos pode significar uma grande atividade fotocatalítica.
Uma análise quantitativa das imagens evidenciou que o diâmetro de poro está num intervalo de 70-80 nm, aproximadamente, e o comprimento dos nanotubos está na ordem de 1 μm. Na figura 2 (C) observa-se a ausência de nanotubos nos filmes C-Ag-TiO2, entretanto, na análise da vista lateral da amostra (figura 3, A) é possível identificar a formação nanotubular. Esse resultado mostra que os nanotubos crescidos inicialmente sofreram um colapso devido ao tratamento térmico. Isso se deve provavelmente à inserção da prata na estrutura cristalina do óxido promovendo a destruição de quase toda a estrutura nanotubular.
Os filmes sintetizados também foram submetidos à caracterização microestrutural através da técnica de difração de raios-X. Os resultados obtidos podem ser visualizados na figura 3 (B). Pela análise conjunta da morfologia e da microestrutura é possível se observar que para os filmes em que a estrutura nanotubular é observada, apenas a fase cristalina anatase está presente após o tratamento térmico do material. O filme C-TiO2 é o que apresenta maior quantidade de anatase, dada a intensidade do pico referente a essa fase quando comparado com as outras amostras. O filme OH-TiO2 apresenta uma menor quantidade de fase cristalina anatase e não apresenta outros polimorfos do TiO2. Já o filme dopado com prata indica três fases cristalinas: a anatase, o rutilo e o pentóxido de titânio III. Esse resultado sugere que a inserção de prata promove a nucleação das fases rutilo e de pentóxido de titânio III, o que seria o fator responsável pela destruição da estrutura nanotubular existente antes da etapa de modificação com prata. O difratograma do filme dopado com prata não apresenta nenhuma fase referente à prata metálica ou compostos de prata, o que sugere que o material foi efetivamente dopado, ou seja, íons de Ag+ passaram a ocupar o lugar do íon Ti+4 na estrutura cristalina do óxido.
Tab. I – Composição e bandgap dos filmes sintetizados | |||
---|---|---|---|
Composição (%) | |||
C | Ag | Bandgap | |
C-TiO2 | 3,16 | - | 3,22 |
C-Ag-TiO2 | 2,76 | 6,75 | 3,35 |
OH-TiO2 | 1,49 | - | 3,35 |
A análise dos filmes por EDS forneceu a quantidade do dopante inserido na estrutura do óxido sintetizado (tabela I). Nos dados de reflectância difusa aplicou-se a função de remissão Kubelka-Munk e o tratamento de Wood e Tauc obtendo-se os valores do bandgap dos materiais.
Nos ensaios fotocatalíticos com o corante verificou-se um decaimento na concentração do corante com o tempo de reação através das análises de espectroscopia UV-Vis; sendo possível calcular as constantes cinéticas e verificar qual o filme apresentou melhor atividade fotocatalítica nos meios estudados (figura 4).
Segundo a literatura, reações de catálise heterogênea normalmente seguem uma cinética de pseudo-primeira ordem, assim, os dados foram plotados de acordo com a lei de velocidade integrada descrita na equação (2):
onde:
Os gráficos considerando a cinética de primeira ordem são apresentados na figura 5 (A) e (B).
A aplicação desses filmes para a fotodegradação do alaranjado de metila apresentou melhores resultados em meio ácido e básico. Em meio neutro a velocidade da fotocatálise usando os filmes é muito próxima da fotólise do corante (degradação apenas pela luz, na ausência do fotocatalisador).
Na figura 5 nota-se que as velocidades e reação de degradação do corante são próximas, pois os filmes apresentam valores de bandgap muito próximos. Em meio ácido o filme modificado OH-TiO2 é o que apresenta maior velocidade de reação. Esse resultado pode ser explicado pela interação entre a espécie protonada do corante e a carga negativa da superfície do material, o que promoveria o aumento de espécies adsorvidas em diferentes sítios do TiO2. O aumento da adsorção facilitaria o ataque do corante pelos radicais OH formados após a incidência de luz no fotocatalisador. A mesma explicação é válida para o resultado observado em 5 (B). Nesse caso, como o corante apresenta carga parcial negativa em meio básico, há uma repulsão entre ele e a superfície do filme OH-TiO2, diminuindo a velocidade de reação de degradação do corante.
A atividade fotocatalítica dos fi lmes sintetizados também foi avaliada com respeito à inativação de micro-organismos patogênicos como a Salmonella sp. Comparou-se a atividade fotocatalítica dos filmes com a fotólise do micro-organismo (inativação com a luz na ausência de fotocatalisador) e o comportamento do micro-organismo na ausência de luz e de fotocatalisador (escuro). O filme que apresentou maior atividade fotocatalítica na inativação desse micro-organismo é o C-Ag-TiO2. Através dos resultados da análise de morfologia e reflectância difusa percebe-se que, apesar de esse filme apresentar uma menor área superficial devido à destruição dos nanotubos de TiO2, a presença da prata como dopante agrega propriedades bactericidas a esse fotocatalisador.
O mecanismo de ação desse filme tem dois processos competitivos na diminuição da atividade biológica da bactéria. O primeiro deles é a adsorção do micro-organismo no substrato de TiO2 com elevada área superficial. A incidência de luz UV e a geração de pares elétrons/lacunas promovem a formação de radicais que atacam a membrana celular induzindo a um estresse oxidativo (causa danos ao DNA e vazamento de líquido intracelular) que culminam na inativação desse micro-organismo. Já a presença da prata diminui a atividade celular pela ação oligo-dinâmica que afeta fortemente o crescimento da bactéria, além de ser capaz de penetrar na membrana plasmática do micro-organismo reduzindo drasticamente sua atividade biológica.
Neste trabalho foi investigada a atividade fotocatalítica de diferentes filmes de TiO2 crescidos eletroquimicamente na degradação de um corante modelo (alaranjado de metila) e na inativação de um micro-organismo patogênico (Salmonella sp.). Na degradação do alaranjado de metila, observou-se que a carga superficial do fotocatalisador desempenha um papel importante da degradação do composto químico, uma vez que a carga da espécie em solução será atraída ou repelida da superfície do fotocatalisador. Nesse trabalho observou-se que a velocidade de degradação da espécie protonada é mais rápida usando o filme OH-TiO2, provavelmente porque esse material apresenta uma carga parcial negativa facilitando a adsorção da espécie protonada. Já em meio básico ocorre o oposto, a espécie desprotonada é repelida da superfície desse filme, sendo que o filme com maior atividade fotocatalítica nesse caso é o C-TiO2. Já para os ensaios envolvendo a inativação da Salmonella sp. observou-se uma maior atividade fotocatalítica do filme C-Ag-TiO2 devido à presença da prata, que apresenta propriedades bactericidas.
Trabalho apresentado no Encontro Técnico da 27a Fenasan – Feira Nacional de Materiais e Equipamentos para Saneamento, realizado em agosto de 2016, em São Paulo.