A coloração esverdeada das águas do rio Pinheiros, em São Paulo, observada em alguns dias, está relacionada com um fenômeno comum em vários lugares do mundo, causado principalmente pela poluição da água e que deve se tornar mais frequente com as mudanças climáticas: a floração de cianobactérias.

Esses organismos são bastante primitivos e já estavam no ambiente antes mesmo de o ser humano habitar a Terra. “O grande problema são as atividades antrópicas, aquelas realizadas pelo homem, como o lançamento de esgoto in natura e lixiviados com produtos químicos em rios, reservatórios, lagos e lagoas”, explica Kelly Fernandes, sócia-fundadora da startup CyanoChem Soluções Ambientais. “Isso fornece nutrientes para as cianobactérias e elas passam a se desenvolver de forma acelerada, o que causa aumento significativo desses organismos no ambiente”, completa.

Os pesquisadores da greentech piracicabana, apoiada pelo PIPE - Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas, da Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, têm se dedicado a monitorar a proliferação de cianobactérias e pretendem coletar a biomassa desses microrganismos para produzir bioinsumos e bioprodutos destinados à indústria química e ao setor agroindustrial, como o desenvolvimento de moléculas, biofertilizantes e bioestimulantes para solos e plantas. O projeto também conta com o apoio dos pesquisadores Ernani Pinto e Marli Fiore, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP).

“Buscamos as causas da ocorrência de florações. Isso envolve o monitoramento e análises de material coletado em campo no laboratório, para identificação de espécies e dos compostos produzidos por esses organismos”, explica Kelly.

Conforme se desenvolvem, as cianobactérias se aglomeram sobre a coluna d’água. Embora sejam microrganismos, esses aglomerados que parecem uma “manta verde” se tornam visíveis aos olhos humanos. “Elas aparentam ser apenas uma cobertura fina, porém florações de cianobactérias podem se concentrar entre 10 e 50 cm na coluna d'água, comprometendo a entrada de luz no corpo hídrico e a disponibilidade de oxigênio. Isso pode resultar na morte de peixes, por exemplo, e afetar o ecossistema aquático de diversas maneiras.”

Os investimentos das companhias de tratamento de água na busca por soluções para a proliferação de cianobactérias são significativos, mas as práticas atuais ainda apresentam limitações em sua eficácia. É comum que as companhias recorram ao uso de produtos químicos, como peróxido de hidrogênio, cloreto de polialumínio e algicidas à base de cobre, para a água que contém células de cianobactérias. “Contudo, o uso desses químicos pode não ser a solução ideal e não resolve a raiz do problema. É essencial buscar e incentivar o uso de tecnologias mais limpas para lidar com esse problema”, completa.

Tendo em vista esse cenário, a CyanoChem passou, então, a desenvolver um dispositivo para coletar essa biomassa em grande escala, retirá-la das águas e aproveitá-la para outro fim. “Buscamos desenvolver um produto útil para a sociedade, porque nossa preocupação vai muito além da qualidade da água. As populações que vivem no entorno, por exemplo, sofrem com o odor desagradável dessas florações e aqueles que vivem da pesca são diretamente afetados por elas”, afirma a pesquisadora.

O trabalho da startup envolve uma etapa em campo, para a coleta do material, e outra em laboratório, para o desenvolvimento de bioprodutos a partir das cianobactérias.

Atualmente, a equipe da CyanoChem recolhe a biomassa de cianobactérias de forma parcialmente manual, mas o objetivo é mecanizar e automatizar esse processo. “Nos preocupamos com o aspecto ambiental e pensamos em transformar o material recolhido em biofertilizante, por exemplo. Aquela biomassa tem valor agregado e podemos aproveitá-la”, diz a pesquisadora.

Não são todas as espécies que produzem toxinas. Mesmo assim, se elas existirem, é possível neutralizá-las em laboratório e ainda deixar a biomassa adequada para ser usada como matéria-prima para fertilizar o solo, uma vez que esse material é bastante rico em ingredientes ativos. Esse produto estratégico é a nossa porta de entrada no mercado. Há, ainda, o potencial de extração de outros insumos com o foco em moléculas de alto valor.

O processamento da biomassa de cianobactérias produz um pigmento de cor azul intensa conhecido como ficocianina. Ele pode ser utilizado na indústria têxtil para colorir tecidos ou mesmo nas artes visuais.

O diferencial da tecnologia da CyanoChem é o fato de transformar a biomassa de cianobactérias em matéria-prima para diferentes aplicações comerciais. “Além de colaborarmos para reduzir um problema ambiental, a tecnologia de coleta oferece uma solução sustentável com baixo impacto ambiental e convertemos uma adversidade em recursos com valor econômico. Podemos ser úteis para empresas de tratamento/abastecimento de água, mas atuamos em um contexto muito mais amplo”, projeta. A tecnologia está sendo desenvolvida por uma equipe multidisciplinar e a expectativa da startup é que esteja pronta para uso em até dois anos.



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