Para garantir a máxima resistência à corrosão e mecânica da superfície usinada, é necessário conhecer os efeitos do processo de usinagem nas características e propriedades do material[4]. Como os processos de usinagem representam mais de 15% do valor total dos produtos industrializados[3], também é necessário um aprimoramento continuado na fabricação dos componentes usinados, além de fornecer informações específicas para os operadores. Dessa forma, é possível melhor desempenho nas operações.
Entre as classes de aços inoxidáveis usadas para a produção de componentes, o duplex vem se destacando por ser altamente resistente à corrosão e por possuir resistência mecânica superior[5]. A principal aplicação deste material ocorre na indústria petrolífera, que cresce a cada dia com descobertas de novas áreas de extração.
Quando se trata de usinagem de rosca, a busca por aumento da produtividade, visando à redução de custo final, vem se tornando um importante diferencial. A usinagem da rosca é, geralmente, um dos últimos processos a ser executado em uma peça, o que aumenta o risco de perda da produção em caso de eventuais defeitos.
Para entender o processo de roscamento e suas características, deve-se ter bem definido o conceito de rosca e conhecer suas nomenclaturas e símbolos, definidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). E de acordo com a norma P-TB-41 - Terminologia e Simbologia de Roscas[1], a peça é definida como “uma superfície composta, originada por uma ou mais hélices (rosca cilíndrica) ou espirais cônicas (rosca cônica) coaxiais e de mesmo passo”.
No entanto, no processo de torneamento de rosca é necessária uma nova avaliação. A importância de pesquisas na área de usinagem de rosca em materiais utilizados na indústria petrolífera deve-se ao uso de conexões nessa área. Neste trabalho, são analisados quatro tipos de estratégias de usinagem externa de rosca no aço inoxidável duplex ASTM/UNS S31803: radial, de flanco, flanco modificado e flanco invertido. Durante o experimento, foi possível analisar aspectos referentes à qualidade da rosca e ao desgaste de ferramenta.
O desenvolvimento deste estudo consiste em, inicialmente, por meio da usinagem dos corpos de prova com as estratégias de penetração radial, de flanco, flanco modificado e flanco invertido, determinar qual delas apresenta os melhores benefícios. Para isso, foram analisados o dimensional da rosca, seu perfil e rugosidade aparente, além do desgaste da ferramenta e o cavaco gerado em cada estratégia. Para analisar a repetibilidade dos resultados, foram usinados três corpos de prova em cada estratégia.
As operações foram executadas com o uso de:
um torno CNC Romi, modelo GL 240, para usinagem dos corpos de prova;
fluido semissintético miscível B-Cool 255, marca Bodmann, aplicado por emulsão;
ferramenta de corte da marca Seco Tools, com pastilha 16ERAG60-A2;
micrômetro de rosca 25-50 mm para análise do dimensional; nar os corpos de prova;
microscópio estéreo SZX7 Zoom, da marca Olympus, para analisar o perfil da rosca; e
aço inoxidável duplex ASTM/ UNS S31803, fornecido pela empresa Villares Metals.
Os corpos de prova foram confeccionados com diâmetro de 48 mm e comprimento de 70 mm, rosca M48 e passo de 1,5 mm. O comprimento roscado é de uma vez o diâmetro da peça, como se pode observar na figura 1.
Figura 1 – Corpo de prova usinado
Os parâmetros de usinagem utilizados neste estudo constam das tabelas 1 e 2. A tabela 1 apresenta os parâmetros de corte utilizados para realização dos testes, bem como as especificações da ferramenta e da rosca. A tabela 2, por sua vez, mostra a profundidade de corte utilizada em cada passe, uma indicação da fabricante da ferramenta Seco Tools.
Na estratégia de penetração radial, a ferramenta penetra no material seguindo uma linha perpendicular no centro do filete. A ferramenta fica sujeita a grandes esforços de corte, uma vez que o material é cortado dos dois lados da ferramenta ao mesmo tempo.
Pela estratégia de flanco, a ferramenta penetra o material paralelamente a um dos flancos da rosca. É um tipo de penetração que gera vibrações e acabamento insatisfatório na rosca.
Semelhante à penetração de flanco, na estratégia de flanco modificado a ferramenta penetra o material com um ângulo menor do que a metade do ângulo da rosca, reduzindo as tendências de vibração durante o processo.
Na penetração por flanco invertido, a ferramenta penetra o material em zigue-zague e o corta com ambos os lados da ferramenta. Esta estratégia preserva a ferramenta de corte.
Para determinar o fim de vida da ferramenta foi utilizado desgaste de flanco (VB) de 0,3 mm. Nas usinagens de rosca radial, o desgaste nas ferramentas foi aparentemente igual. Do lado esquerdo da aresta de corte destacou-se a deformação plástica. Do lado direito, houve desgaste de flanco, quebra na ponta da aresta de corte e adesão do material, enquanto na parte superior da ferramenta ocorreu uma pequena cratera.
Na estratégia de flanco houve uma homogeneidade nos desgastes em todas as amostras. Ocorreu desgaste de flanco e, consequentemente, quebra da ferramenta, lascamento e adesão do material (principalmente no lado direito da aresta de corte). No lado esquerdo, as amostras apresentaram deformação plástica na ponta da aresta.
Na estratégia de flanco modificado, as avarias apresentaram a mesma característica nos dois lados da ferramenta. O desgaste de flanco gerou quebra da ferramenta e aresta postiça de corte.
Na estratégia de usinagem de rosca de flanco invertido ocorreu desgaste de flanco nos dois lados da ferramenta, assim como aresta postiça e quebra na aresta de corte.
A tabela 3 (pág. 80) mostra as medidas encontradas no desgaste de flanco das ferramentas. É possível observar que a estratégia de penetração radial obteve os menores desgastes. Na amostra 3 da estratégia de flanco invertido, não foi possível realizar a medição em virtude da quebra da ferramenta.
Em todas as amostras houve um desgaste de flanco e quebra em algum ponto da aresta de corte. Os desgastes da penetração radial foram praticamente os mesmos em ambos os lados da aresta de corte, ocasionado pela penetração ser sempre no mesmo ponto. O corte inicia no meio do filete da rosca e os dois lados da ferramenta cortam o material.
Na estratégia de penetração pelo flanco, as quebras do lado direito da ferramenta deveram-se ao tipo de penetração característico desta estratégia[6]: um lado da ferramenta corta o material e o outro fica atritando na superfície já usinada, causando vibrações e acabamento insatisfatório na rosca.
Já na penetração de fl anco modificado, o incremento da ferramenta não acompanha o ângulo da rosca, que é modificado para evitar o atrito na superfície já usinada da peça. Por isso, não ocorreu o mesmo problema da quebra da aresta de corte direita da ferramenta. A alteração do ângulo pode variar de 2° a 5°[6]; neste estudo, foi utilizado 3°.
Na estratégia de penetração por flanco invertido, a ferramenta corta ora do lado direito, ora do esquerdo. Devido a essa alteração de posição, os desgastes são equivalentes nas arestas de corte.
A tabela 4 (pág. 80) apresenta a medida encontrada ao final de cada teste. O diâmetro de flanco de uma rosca M48 x 1,5mm é de 47,026 mm e é possível observar que a variação de medida está na ordem de 0,05 centésimos para mais e para menos.
Para avaliar o perfil da peça roscada, foi selecionada uma amostra de cada estratégia, seccionada em três partes. Neste item, foi utilizada a parte 3 (figura 2).
Figura 2 – Corpo de prova seccionado por eletroerosão a fio
A figura 3 apresenta o perfil roscado da terceira amostra, fabricada pela estratégia de penetração radial. É possível identificar falhas na raiz do filete, causadas pela quebra da ferramenta. Os flancos da rosca não sofreram deformação, mas na crista do filete ocorreu uma pequena deformação filete, causadas pela quebra da ferramenta. Os flancos da rosca não sofreram deformação, mas na crista do filete ocorreu uma pequena deformação.
Figura 3 – Perfil da rosca usinada com estratégia radial (56x de aumento) e ângulo do filete de 59,19°
A figura 4 mostra o perfil roscado fabricado pela estratégia de flanco. Do lado direito, nota-se que o filete sofreu deformação, causada pelo atrito da ferramenta com o material – o que também deformou a raiz e a crista da rosca.
Figura 4 – Perfil da rosca usinada com estratégia de flanco (56x de aumento) e ângulo do filete de 59,52°
Na figura 5 é possível observar o perfil roscado fabricado pela estratégia de flanco modificado. As deformações ocorreram do lado direito do filete, próximo à raiz da rosca, e na crista dos filetes. Os flancos da peça apresentam bom acabamento superficial.
Figura 5 – Perfil da rosca usinada com estratégia de flanco modificado (56x de aumento) e ângulo do filete de 59,63°
Como se pode ver na figura 6, o perfil roscado fabricado pela penetração de flanco invertido apresenta bom acabamento em todos os aspectos analisados neste item. Tanto a raiz quanto a crista e os flancos não sofreram deformações.
Figura 6 – Perfil da rosca usinada com estratégia de flanco invertido (56x de aumento) e ângulo do filete de 59,59°
Com relação à crista do filete, a penetração por flanco invertido apresenta melhor acabamento superficial do que as outras estratégias. Na raiz da rosca, todas as amostras sofreram deformações em virtude da quebra da ferramenta durante o processo de usinagem. Nas amostras de penetração radial e flanco invertido, os dois lados do filete apresentam bom acabamento sem grandes deformações, já as amostras de flanco e flanco modificado possuem defeitos no lado direito do filete. O ângulo do filete ideal possui abertura de 60°. Nenhuma amostra apresentou mais ou menos de 1° de diferença nas medições.
A rugosidade do perfil da rosca foi analisada visualmente pelo microscópio estéreo SZX7 Zoom, da marca Olympus, uma vez que não haveria possibilidade de usar um rugosímetro devido à geometria do corpo de prova. Para análise da rugosidade aparente do filete da rosca foram utilizadas as partes 1 e 2 dos corpos de prova.
O flanco da rosca usinada com estratégia de penetração radial não apresentou deformação no filete da rosca nem empastamento de material. Da mesma forma, o flanco esquerdo do filete da rosca usinada com a estratégia de penetração pelo flanco não apresentou deformações, visto que a ferramenta penetrava o material pelo flanco oposto. No flanco direito da rosca, por onde a ferramenta penetrava o material, o filete da rosca foi danificado, pela forma com que a ferramenta cortou o material.
O flanco do filete de uma rosca usinada com a estratégia de flanco modificado, próximo à raiz da rosca, sofreu deformação. Já na usinagem de rosca de flanco modificado foi observada a formação de crateras, mas o acabamento superficial apresentou-se bom em relação ao filete de penetração pelo flanco.
Os acabamentos dos flancos da rosca variam de acordo com o tipo de penetração utilizado na usinagem, que pode ser aplicado conforme a necessidade da peça a ser fabricada. Para se obter um bom acabamento no filete, é preciso adequar a usinagem ao material da peça, alterando a estratégia e os parâmetros de corte.
O aço inoxidável duplex UNS 31803 apresentou dificuldades devido à alta dureza do material, alta taxa de encruamento e baixa usinabilidade. Na usinagem de rosca, principalmente, há dificuldade para otimizar parâmetros de corte em virtude da fragilidade da aresta de corte, o que gera elevado desgaste da ferramenta e aumenta o custo de produção.
Com relação à vida da ferramenta, todas apresentaram elevado desgaste, causado pela alta velocidade de corte de 125 m/min utilizada, superior à taxa de 70 m/min recomendada pela fabricante Seco Tools. A estratégia de penetração radial gerou o menor desgaste, pelo fato de ambos os lados da ferramenta cortarem o material durante todo o processo.
Todas as amostras atenderam o dimensional especificado pela norma ABNT 724(6), o que permite concluir que a estratégia não influencia ou afeta este quesito.
A estratégia de penetração de flanco invertido gerou o perfil da rosca sem defeitos em todo o comprimento do filete. Já o perfil da rosca usinada com penetração pelo flanco foi a amostra com maiores danos, devido ao atrito da ferramenta na parte usinada da rosca.
A superfície do filete da rosca produzida com a estratégia de penetração pelo flanco apresentou os mesmos defeitos causados no perfil da rosca, gerados pelo atrito da ferramenta com o flanco.
As amostras usinadas por penetração radial não apresentaram defeitos porque esta estratégia é a mais indicada para materiais como aço inoxidável, apesar de gerar mais esforços durante o corte.
Com base nos resultados encontrados nos ensaios de roscamento, pode-se afi rmar que a melhor estratégia de penetração neste trabalho com estas condições foi a de penetração radial, pelo menor desgaste de ferramenta, acabamento superfi cial dos fl ancos e perfi l da rosca sem grandes deformações e com o dimensional dentro do estabelecido pela norma técnica.
1] Associação Brasileira de Normas Técnicas: ABNT NBR 5876:2011: Roscas – Terminologia.
2] Associação Brasileira de Normas Técnicas: ABNT NBR ISO 724:2004: Rosca métrica ISO de uso geral – Dimensões básicas .
3] Bezerra, A. A.; Coelho, R. T.; da Silva, L. R.: Monitoração dos processos de roscamento: revisão da literatura. Congresso Nacional de Engenharia Mecânica (Conem), Natal, RN, Brasil, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Associação Brasileira de Ciências Mecânicas (ABCM), 10 p., 2000.
4] Gravalos, M. T.; Martins, M.; Diniz, A.E.; Mei, P. R.: Efeito da usinagem na estrutura e propriedades mecânicas do aço superaustenítico ASTM A351 CN3MN . Revista da Escola de Minas, v. 60, p. 83-88, 2008.
5] Outokumpu Brasil Aços Inoxidáveis: Aços inoxidáveis duplex - uma opção que deve ser considerada . Revista Núcleo Inox, n o 32, maio/ agosto 2009, www. nucleoinox.org.br/upfi les/ arquivos/.../41_inox32.pdf, acesso em 10 de maio de 2012.
6] Seco Tools: Threading .http:// www.secotools.com/CorpWeb/ Downloads/seconews2_2012/ MN/threading/BR_LR/ Threading.pdf , acesso em 27 de março de 2012.
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