Recontaminação do fluido de corte presente em fresadoras


Neste trabalho, foi analisada a recontaminação do fluido de corte usado em fresadoras, por meio da quantificação de bactérias e fungos presentes ao longo da sua utilização. Os ensaios foram realizados em duas etapas: no fim e no início da vida útil do fluido de corte com a máquina devidamente higienizada.


D. H. Nakagawa, A. A. S. Pinto, G. O. Menezes, F. P. Silva, F. S. Santos, I. C. Moreira, K. V. M. C. Prates e J. F. S. Gonçalves

Data: 23/02/2017

Edição: MM Janeiro 2017 - Ano 53 - No 612

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O fluido de corte é constituído por três ingredientes essenciais: óleo, água e aditivos, sendo que o óleo pode ser de origem vegetal ou mineral e, dependendo do processo de trabalho, a sua concentração pode variar de 1% a 20%[5,6]. O sistema água/óleo do fluido de corte constitui-se em ambiente favorável à reprodução de uma ampla variedade de microrganismos. Bactérias e fungos, quando se desenvolvem no fluido de corte, são danosos, pois degradam o óleo provocando alterações nas propriedades iniciais do produto, tornando-o instável e diminuindo o seu tempo de uso no processo de usinagem[1]. Vale ressaltar que os fluidos de corte não podem apresentar o desenvolvimento de microrganismos durante seu uso na máquina para manter o tempo correto da sua vida útil, porém, paradoxalmente, quando descartados devem promover o desenvolvimento de microrganismos para auxiliar na degradação do efluente[7].

Os microrganismos se reproduzem nos fluidos de corte devido aos nutrientes orgânicos e inorgânicos que os compõem[13]. Os nutrientes orgânicos são compostos por óleo, ésteres sintéticos e aminas, ao passo que os inorgânicos são formados por cloro, cálcio, sódio, manganês, magnésio, ferro, sulfato, cloreto e fosfato. Além disso, os microrganismos que proliferam no fluido de corte podem ser agentes patogênicos capazes de causar doenças para os profissionais que manipulam as peças usinadas[12].

As primeiras evidências de contaminação por microrganismos nos fluidos de corte são: mudanças no odor, decréscimo no pH, redução da vida útil da ferramenta, aumento da taxa de rejeição das peças, corrosão, incidência de dermatites e irritação cutânea, além de mudanças na estabilidade da emulsão[13].

Diante da importância de evitar a contaminação do fluido de corte, o objetivo deste trabalho foi avaliar a recontaminação por meio da quantificação de bactérias e fungos presentes no fim da vida útil do fluido e logo após a sua introdução na máquina, a fim de verificar a persistência dos microrganismos. Isso, visto que sua presença é prejudicial à qualidade do fluido de corte e, consequentemente, analisar o aumento da geração de efluente.

Materiais e métodos

O estudo foi realizado em uma máquina de fresamento, no Laboratório de Comando Numérico Computadorizado da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR, campus Cornélio Procópio). As análises microbiológicas foram realizadas no Laboratório de Microbiologia Ambiental da UTFPR (campus Londrina). O fluido presente na máquina estava no fim da sua vida útil, sendo necessária a troca. Para a limpeza do equipamento, foi preciso esvaziá-lo por completo e, em seguida, lavá-lo com água e biocida à base de triazina, seguindo as especificações do fabricante. A solução de água com biocida foi circulada na máquina durante 30 minutos e, posteriormente, adicionado um novo fluido de corte.

O fluido de corte que estava na máquina de fresamento, analisado neste estudo, já estava em uso há um ano e meio. A fim de quantifi car os microrganismos presentes no fluido e a sua persistência na máquina após a higienização, foram realizadas certas análises microbiológicas. Ou seja, antes da higienização da máquina (FCA), no fluido de corte novo (FCN), após 0,5 hora de adição do fluido novo na máquina (FC0,5) e após 16 horas da adição (FC16). As amostras foram coletadas assepticamente no reservatório da máquina e, posteriormente, transportadas até o laboratório em caixas térmicas com temperatura inferior a 10oC.

Figura 1 - Quantificação de bactérias e fungos presentes no fluido de corte da máquina de fresamento

A quantificação dos microrganismos presentes no fluido de corte foi realizada pelo método de contagem padrão em placa. Antes de inserir as amostras nas placas de Petri, foi realizado o método da diluição seriada, que consiste na utilização de uma solução salina estéril, a fim de diminuir o número de organismos, possibilitando a contagem após o espalhamento em meio de cultura presente na placa de Petri. Para tal procedimento, uma alíquota de 10 ml foi retirada da amostra e então transferida para um erlenmeyer de 90 ml, com solução salina em 0,85%, obtendo a diluição 10-1. A partir da solução 10-1 foi retirada uma alíquota de 1 ml e depositada em um tubo de 9 mL de solução salina, obtendo-se, então, a diluição 10-2. O procedimento foi repetido até a diluição 10-3. Das diluições 10-1, 10-2 e 10-3 foram retiradas alíquotas de 0,1 ml e depositadas em placas de Petri contendo meio de cultura. O meio de cultura utilizado para incubar as bactérias foi o Plate Count Agar (Merk) (36°C/24-48h) e para os fungos fi lamentosos foi usado o Sabouraud Agar (Acumedia) (28°C/sete dias). Após o período de incubação, foi realizada a contagem dos microrganismos, sendo que a quantidade de unidades formadoras de colônias UFC/ml foi determinada de acordo com a equação: UFC/mL = NC x FDD x FDC, onde NC equivale a número de colônias por placa; FDD, a fator de diluição, e FDC é igual a fator de correção para 1 ml (FDC=10).

Resultado e discussão

O resultado da quantificação dos microrganismos presentes nas amostras de fluido de corte é apresentado na figura 1, já o resultado do crescimento das colônias de bactérias e fungos nas placas de Petri pode ser observado na figura 2.

Observa-se, nas duas figuras, que o FCA obteve um número elevado de UFC/ml e, posteriormente à higienização da máquina com biocida, o fluido de corte adicionado não apresentou crescimento de microrganismos. Após 30 minutos (0,5 hora) da adição do fluido novo na máquina, foi encontrada a presença de microrganismos. Provavelmente, organismos que persistiram no sistema e que não foram removidos durante o processo de higienização.

Figura 2 - Crescimento de bactérias e fungos observados nas análises microbiológicas realizadas no fluido de corte

Os microrganismos que mais se desenvolveram no fluido de corte foram as bactérias, sendo que no FCA elas estavam presentes em quantidades próximas a 1,9 x 106 UFC/ml de fluido. A quantidade de fungos filamentosos estava em torno de 8 x 102 UFC/ml. Após 30 minutos, a concentração de bactérias apresentou-se na de faixa de 8 x 103 UFC/ml e de fungos foi de 7 x 101 UFC/ml de fluido. Os resultados indicam que a higienização não foi suficiente para eliminar as bactérias e os fungos presentes no sistema. Após 16 horas da adição do novo fluido, a quantidade de microrganismo já havia aumentado para 1 x 104 UFC/ml de bactérias e 3,5 x 102 UFC/ml de fungos filamentosos.

Como todo o FCA foi retirado do sistema, supõe-se que a persistência dos microrganismos se deve ao fato destes terem sido aderidos pela máquina. Os microrganismos têm a capacidade de se fixar em suporte abiótico, graças à possibilidade de formar biofilme, podendo este ser o fato da rápida recontaminação do fluido adicionado[17].

O circuito do fluido de corte no processo de usinagem de metais é composto por diversas etapas que envolvem a sua recirculação por um longo período de utilização. Diante da recirculação e do reaproveitamento do fluido durante meses, com os locais percorridos propiciando a deposição de materiais e resíduos, ocorre a instalação de microrganismos formadores de biofilmes[3].

Os biofilmes são estruturas formadas pelos microrganismos por uma matriz de substâncias poliméricas extracelulares de origem microbiana, aderidas a uma superfície. A adesão é um mecanismo que permite às células permanecerem em um ambiente favorável, sem serem carreadas do sistema[8]. A matriz geralmente é uma mistura de polissacarídeos, porém, pode conter proteínas e ácidos nucleicos. Dentro de uma comunidade de biofilme, as vantagens de uma célula bacteriana são numerosas, como: compartilhamento dos nutrientes, proteção contra fatores prejudiciais no ambiente, proteção contra a desidratação, entre outros[8,14,17].

Geralmente, quando a concentração de um grupo de microrganismo é superior a 104 UFC/ml no fluido de corte, a formação de biofilmes é frequentemente constatada, difi cultando o retorno aos níveis satisfatórios de contaminação (abaixo de 104 UFC/ml[3]. Diante disso, pode-se imaginar que, pelo alto valor de contaminação do FCA, os biofilmes podem ter sido formados e por isso persistiram no sistema, visto que essa formação auxilia na proteção contra agentes biocidas.

As bactérias que se estruturam em biofilmes possuem uma alta resistência, tornando as células de 10 a 1.000 vezes mais tolerantes a agentes antimicrobianos do que a mesma bactéria em vida livre[4]. Os fatores que contribuem para a resistência dos biofilmes frente aos antimicrobianos são: a baixa penetração de agentes químicos no interior do biofilme, devido a matriz de polímeros extracelulares, a taxa metabólica reduzida no interior do biofilme (comumente na base da estrutura) - o baixo metabolismo dessas células garante a sua resistência, visto que os antimicrobianos geralmente agem na fase de crescimento bacteriano – e a transferência de genes de resistência[15].

Além do fato da existência do biofilme, vale ressaltar que os microrganismos podem apresentar os genes de resistência aos biocidas utilizados no fluido de corte. Desse modo, não são inativados durante o processo de limpeza da máquina. Os antimicrobianos atuam como agentes seletivos, pois a resistência é causada pela mutação espontânea e recombinação de genes, que criam variabilidade genética sobre a qual atua a seleção natural, dando vantagem aos mais aptos[11].

As estratégias desenvolvidas pelas bactérias para a resistência aos antimicrobianos são: redução de permeabilidade, bombas de efl uxo, degradação ou inativação de enzimas e modifi cação do “alvo” do antimicrobiano. As informações genéticas para tais propriedades podem ser adquiridas pelos cromossomos da própria bactéria ou por elementos móveis exógenos (plasmídeos) transferidos por outra bactéria [2].

Foi verificada a recontaminação do fluido após a limpeza da máquina de usinagem, sendo que, em 12 horas, a população de bactérias estava em 6 x 103 UFC/ml[16]. Especialistas afirmam que métodos de limpeza ineficiente e a presença de biofilmes no sistema poderiam ser a origem da rápida contaminação pós-limpeza.

Os biocidas são frequentemente utilizados para a prevenção da formação de biofilmes, controle ou erradicação. Portanto, o uso destes é de grande importância e requer minuciosa determinação quanto à concentração apropriada para a aplicação. Em concentrações elevadas, os biocidas são tóxicos para os seres humanos e, em níveis ligeiramente mais baixos, podem ser ineficazes, particularmente, em fluidos altamente contaminados[3,9].

Verificou-se que o aumento da contaminação microbiana afetou o grau de corrosão da peça, sendo que uma das funções do fluido de corte é evitar essa corrosão[10] . Os microrganismos consumiram o anticorrosivo presente na emulsão, afetando a qualidade da peça usinada.

Desse modo, a importância de uma higienização eficiente na máquina e/ou estratégias para evitar a resistência dos microrganismos a biocidas são ressaltadas, já que a redução da contaminação do fluido de corte pode resultar diretamente em economia para os setores relacionados à usinagem de peças, contribuindo com o aumento da eficiência do processo e menor geração de efluente com o descarte do fluido e, consequentemente, menos poluição.

Conclusão

O processo de higienização não foi suficiente para a descontaminação total da máquina fresadora, visto que logo após 0,5 hora da adição do novo fluido, este já possuía crescimento microbiano. Os microrganismos podem ter persistido na máquina por meio da capacidade de formação de biofilme e/ou por terem criado mecanismo de resistência contra o agente biocida utilizado no sistema. O crescimento de microrganismos no fluido de corte pode degradá-lo, fazendo com que seja necessário o seu descarte precoce, gerando mais efluente.

Referências

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  3. Capelletti, R. V.: Avaliação da atividade de biocidas em biofilmes formados a partir de fluido de corte utilizado na usinagem de metais. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, 2008.
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Danielle Hiromi Nakagawa desenvolveu este trabalho pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR), de Jaguariaíva, PR; Ana Alícia de Sá Pinto pela Universidade de Brasília (UnB), de Brasília, DF; Gabriella de Ornelas Menezes, Francyelli Pereira Silva, Fábio de Sousa Santos, Isabel Craveiro Moreira, Kátia Valéria Marques Cardoso Prates e Janaína Fracaro de Souza Gonçalves pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), de Londrina, PR. O trabalho foi originalmente apresentado como palestra técnica no 13o Congresso Nacional de Meio Ambiente de Poços de Caldas, realizado de 21 a 23 de setembro de 2016, em Poços de Caldas, MG. Reprodução autorizada.