Estudo do desgaste das ferramentas de metal duro no torneamento do aço inoxidável superduplex


No processo de torneamento adotado neste trabalho, foram variados o avanço e a velocidade de corte, bem como utilizadas ferramentas de metal duro com diferentes revestimentos. Mantiveram-se constantes o fluido de corte, a profundidade de corte e a geometria da ferramenta. O objetivo principal foi avaliar a influência desses parâmetros na vida da ferramenta.


H. C. G. Aguiar, A. Hassui e F. S. Correa

Data: 12/05/2017

Edição: MM Março 2017 - Ano - 53 No 614

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Figura 1 – Propriedades do aço inoxidável superduplex: estrutura do material com 50% de ferrita e 50% de austenita (a) e propriedades (b)

D esde a sua primeira aplicação o aço inoxidável superduplex (UNSS32507) vem ganhando espaço, principalmente, nas indústrias petrolíferas, de óleo e gás, papel e celulose e química. No Brasil, passou a ser usado somente a partir da década de 1990[2]

O aço inoxidável superduplex possui elevada resistência mecânica, por isso pode ser utilizado em menores espessuras. Sua desvantagem é que não pode ser aplicado em temperaturas acima de 300°C, sob pena de perder algumas de suas características mecânicas, principalmente, a tenacidade.

Nas condições do pré-sal, por exemplo, os aços inoxidáveis superduplex são os mais indicados. Isso porque, neste processo, são exigidos materiais de maior resistência mecânica e totalmente seguros, além de confiáveis, pela necessidade de trabalhos em grandes profundidades e sob altas pressões[1]. Os (UNS aços S32507) inoxidáveis possuem superduplex estrutura mista, com 50% de austenita, 50% de ferrita e com concentração de cromo (Cr), níquel (Ni) e molibdênio (Mo), que garantem alta resistência à corrosão por pitting, além de outras características (figura 1)[4].

Figura 2 – Usinabilidade do aço inoxidávele relação (%) com demaissuperduplex: principais dificuldades (a) aços inoxidáveis (b)

Devido a essas mesmas características, o material tem sido cada vez mais usado na substituição de tros res, empregado pressão, ventiladores, tipos do de aço-carbono na tanques, aços fabricação eixos inoxidáveis. tubos, e e de roletes. de vasos rotoouÉ Em contrapartida, o superduplex apresenta baixa usinabilidade e os teores de Cr, N e Mo causam altas deformações plásticas, que aumentam as forças de usinagem e de avanço [8].

As principais difi culdades encontradas na usinagem dos aços inoxidáveis austeníticos estão descritas na figura 2[12]. Ao comparar a difícil usinabilidade do superduplex com os demais aços inoxidáveis, certos percalços são mostrados, confor me visto na figura 2[11].

Estudiosos compararam a usinabilidade dos aços inoxidáveis 316L, 2205, 2507 e 304 no processo de retificação, utilizando-se rebolo de óxido de alumínio[7]. O estudo avaliou a taxa e a força de retificação e a rugosidade. O aço inoxidável superduplex 2507 mostrou-se com menores taxas e maiores forças de usinagem em comparação aos demais.

Em um estudo sobre o comportamento do atrito e da isolação térmica, obtidos pelos revestimentos no processo de torneamento, foi concluído que, na usinagem do aço inoxidável 316L, a ferramenta revestida com TiAlN apresentou maiores valores de força de atrito, em relação às ferramentas revestidas com múltiplas camadas de Al 2O3, sendo que, quanto maior a temperatura, menor será a força de atrito[6]. Este estudo tem ligação com o trabalho apresentado, pois, na medida que a ferramenta se desgasta, a força de atrito tende a aumentar no contato ferramenta/peça[5].

O desgaste da ferramenta no torneamento do aço inoxidável austenítico (X5 CrMnN 18 18) foi analisado, levando à conclusão de que as altas forças de corte e a borda afiada do cavaco contribuem para a formação do desgaste por entalhe na ferramenta de corte[10].

Materiais e métodos

Figura 3 – Corpo de prova para a medição do desgaste da ferramenta

Para a realização dos ensaios de usinagem, foi utilizado um torno CNC da marca Romi, modelo Galaxy 20, com potência de 15 kW e rotação máxima do eixo-árvore de 4.500 rpm, com dispositivo de placa de três castanhas e contraponto rotativo para a fixação da peça. Para o acompanhamento do desgaste das ferramentas ao longo dos ensaios, foi utilizado um microscópio óptico Leica, acoplado a um computador com um programa de análise de imagens da Global Image.

Para observar o mecanismo de desgaste atuante na ferramenta, foi utilizado um microscópico eletrônico de varredura (MEV) Jeol JXA-840A, que possui o recurso de espectrometria de energia dispersiva (EDS), o qual permite identificar de forma semiquantitativa os elementos químicos presentes em quaisquer pontos da ferramenta.

O aço inoxidável superduplex, fornecido pela Sulzer, foi obtido na forma de barras circulares com diâme tro inicial de 70 mm e comprimento de 20 mm. Ele é proveniente de um processo de fundição e de também de solubilização (1.130oC), bem como de resfriamento imediato em água, para atingir dureza de 290 HB. A tabela 1 apresenta a composição química deste aço, segundo a Society of Automotive Engineers (SAE), que o coloca sob a designação UNS S32507.

Tabela 1 – Composição química dos corpos de prova utilizados nos ensaios
Elementos C Cr Ni Mi Si Mo S P Cu Zr
Valores(%) 0,02 24,9 8,07 1,22 0,93 4,07 0,008 0,036 0,12 0,001
Elementos W N Nb Al Co V Ti Pb Sn Fe
Valores(%) 0,01 0,22 0,02 <0,005 0,06 0,05 0,006 0,0005 0,006 Rest

Os corpos de prova foram preparados de acordo com as dimensões apresentadas na figura 3, para garantir melhor fixação durante a usinagem no sentido longitudinal da peça.

Figura 4 – Identificação das regiões da ferramenta analisadas no MEV

A tabela 2 mostra os detalhes das duas ferramentas da classe M, conforme a norma ISO 513. Elas são indicadas para a usinagem de aços inoxidáveis e fixadas no porta-ferramenta, com as dimensões definidas pelo código SLANL 2525M – 15 TANG; ambas fornecidos pela Iscar do Brasil. Para a análise do desgaste, foram usadas as condições de usinagem mostradas na tabela 2.

Para cada condição de usinagem, foram realizadas duas réplicas, sendo que, nos casos em que a diferença entre a ferramenta e as réplicas era maior que 20%, foi produzida uma terceira réplica.

Os corpos de prova em aço inoxidável superduplex, confeccionados conforme aparece na figura 3, foram torneados utilizando-se o fl uido de corte Vasco 1000, fornecido pela Blaser, com as condições definidas e as ferramentas mostradas na tabela 2. Nessa etapa, o desgaste de flanco médio (VBB) foi monitorado a cada passe no comprimento de 110 mm e profundidade de corte (ap) de 1 mm.

A cada parada da máquina, o desgaste foi verificado repetidamente até atingir o desgaste de flanco médio (VBB ≥ 0,3 mm). O diâmetro de 31 mm foi o limite de cada corpo de prova usinado, garantindo uma boa rigidez e evitando vibrações no ensaio. Depois que o desgaste de flanco de 0,3 mm foi atingido, a aresta utilizada foi considerada no final da vida. Isso, após uma análise em um microscópio eletrônico de varredura (MEV).

Essa etapa foi realizada para obter mais detalhes do mecanismo de desgaste na aresta da ferramenta de corte, além de serem feitas microanálises semiquantitativas de materiais em determinadas regiões da ferramenta, por meio de um sistema de espectroscopia de energia dispersiva (EDS).

Resultados e discussões

Mecanismos de desgaste no fim da vida da ferramenta

Figura 5 – Análise de EDS para as ferramentas no fim de vida em vc = 80 m/min e f = 0,25 mm/rot para as classes testadas


Figura 6 – Desgastes das ferramentas nos avanços de 0,25 mm/rot (a) e de 0,4 mm/rot (b)

O principal mecanismo de desgaste observado pelas fotos do MEV e das análises do EDS, que levou a ferramenta ao fim da vida, foi o entalhe gerado pelo martelamento do cavaco na profundidade de corte. Este, por sua vez, propiciou o espaço para a aderência de partículas com posterior arrancamento do material junto com partículas da ferramenta (attrition).

Para uma melhor compreensão das fotos das ferramentas tiradas no MEV, a figura 4 mostra as regiões A e B que serão citadas.

A avaliação da análise de EDS mostrada na figura 5 (pág. 18) confirma os mecanismos de desgaste envolvidos. Como eles foram semelhantes nos ensaios, a condição vc = 80 m/min e f = 0,25 mm/rot foi utilizada como exemplo.

As análises de EDS ainda na figura 5 mostram que, na ferramenta revestida com TiN/Al2O3/TiCN, os pontos (pt1, pt2 e pt3) da superfície de folga estão alinhados na região do entalhe. O ponto pt1 mostra maior presença de tungstênio (W), elemento pertencente ao substrato da ferramenta, enquanto o ponto pt2 mostra mais quantidade de ferro (Fe) e cromo (Cr), elementos pertencentes ao material usinado. Já o ponto pt3 apresenta mais W.

As presenças do substrato e de material aderido na região do entalhe mostra que a sua formação na profundidade de corte propiciou espaço para a extrusão do cavaco, que, consequentemente, aderiu a ferramenta com posterior arrancamento, causando desgaste por attrition. A figura 5 também mostra que os mecanismos de desgaste foram semelhantes em ambas as ferramentas testadas para as superfícies de saída e de folga.

A figura 6 expõe os desgastes medidos na superfície de folga da ferramenta, como os mecanismos de desgaste foram semelhantes nos ensaios e a condição de vc = 110 m/ Figura 7 – Vida das ferramentas em tempo de corte nas condições testadas min para a ferramenta revestida com TiAlN e para os f = 0,25 mm/ rot e f = 0,4 mm/rot (figura 4).

A figura 6 mostra que na usinagem com avanço de 0,25 mm/rot, a profundidade do entalhe (VBN ) é maior que a do desgaste médio (VBB). Já na usinagem com avanço de 0,4 mm/rot, os valores de VBN e VBB são praticamente iguais por conta de um menor contato com a rebarba, pois quanto maior o avanço, menor a quantidade de voltas numa determinada distância.

Figura 7 – Vida das ferramentas em tempo de corte nas condições testadas

Conforme mostrado na figura 7, diminuindo-se a velocidade de corte em aproximadamente 37% (de 110 m/min para 80 m/min) a vida da ferramenta revestida com TiN/Al2O3/TiCN aumentou em aproximadamente 48%, ao passo que a revestida com TiAlN conquistou um aumento de 33%. Nota-se ainda que, para as velocidades maiores, o desempenho das ferramentas revestidas com TiN/Al2O3/TiCN e TiAlN foi similar.

Por outro lado, em velocidades mais baixas ficou claro que o melhor desempenho foi da ferramenta revestida com TiN/Al2O3/TiCN. A abrasão mecânica pode ter atenuado também, já que a remoção do revestimento expõe o substrato da ferramenta e facilita a aderência. Como a avaliação com auxílio do MEV foi realizada apenas no final da vida da ferramenta, não foi possível detectar se a abrasão propiciou a aderência ou se a remoção da camada aderida acelerou a exposição do substrato.

Uma possível explicação para o desempenho das ferramentas é que, na velocidade de corte mais baixa, o coeficiente de atrito predominou, sendo menor para o revestimento de TiN/Al2O3/TiCN. O revestimento de Al2O3 tem afinidade química com a camada de passivação de Cr2O3 formada na superfície dos aços inoxidáveis durante a usinagem, promovendo a aderência que contribui para o desgaste da ferramenta[7]. Observa-se, na figura 8 (pág. 20), que a análise das vidas das ferramentas de corte testadas, baseada no volume de material removido, está de acordo com a teoria clássica de usinagem.

Figura 8 – Vida das ferramentas em volumedo cavaco removido nas condições testadas

Cabe nesse momento uma análise sobre a escolha da melhor ferramenta de corte para o torneamento do aço inoxidável superduplex. O ideal seria uma ferramenta que apresentasse uma vida em volume de material removido elevada, o que indicaria uma boa produtividade. Obviamente que, se a necessidade for em tempo de vida, essa característica deve ser considerada isoladamente.

Com base nas fi guras 7 e 8, a velocidade de corte de 80 m/min apresentou os melhores resultados de tempo de vida e o avanço de 0,4 mm/ rot forneceu os melhores resultados em termos de volume de material removido. Além disso, a ferramenta revestida com TiN/Al2O3/TiCN mostrou um melhor desempenho.

Figura 9 – Diagrama de Pareto para os principaisefeitos sobre o volume de cavaco removido


A figura 9 traz o diagrama de Pareto referente aos principais efeitos para a vida da ferramenta em volume removido de cavaco e suas interações, baseados em análises estatísticas de variância, com confiabilidade de 95%, realizadas pelo software Minitab.

A figura 9 mostra ainda que os parâmetros que ultrapassaram a linha do efeito padronizado no valor de 1,86 exerceram influência significativa no volume removido. O avanço é o parâmetro que exerceu maior influência no volume removido, portanto, tem mais participação no desgaste da ferramenta, seguido pelo revestimento já discutido nas análises anteriores.

A velocidade de corte é o parâmetro que mais influencia no desgaste. Com o seu aumento, a energia (calor), que é imputada ao processo sem elevação da área da ferramenta, recebe este calor. Neste trabalho, o principal efeito do desgaste da ferramenta não foi a temperatura, mas o choque mecânico causado pela formação efeitos sobre o volume de cavaco removido da rebarba na superfície da peça, resultando na formação de desgaste por entalhe durante a usinagem. Um estudo sobre o torneamento do aço inoxidável superduplex revelou que a formação de rebarba infl uencia o desgaste por entalhe na profundidade de corte[3].

Conclusão

Dos parâmetros analisados, a condição de vc = 80 m/min e f = 0,4 mm/rot foi a que mais se destacou dentre as duas classes de ferramentas testadas, em termos de produtividade (melhor tempo de vida e maior volume de material removido). Das condições testadas, a ferramenta revestida com TiN/ Al2O3/TiCN apresentou melhores resultados em comparação com as ferramentas revestidas com TiAlN.

O mecanismo de desgaste predominante foi o entalhe provocado pelo martelamento da rebarba na profundidade de corte, que propiciou a extrusão do material aderido, causando aderência (attrition). A formação da rebarba durante a usinagem gerou choques mecânicos na ferramenta, o que provocou o desgaste por entalhe, fazendo com que o avanço exercesse maior influência no desgaste da ferramenta de corte.

Referências

  1. Barbosa, C.: Consumo de inox pode crescer em 2010. Gás e Petróleo, Núcleo Inox, v. 35, p. 13, 2010.
  2. Batista, S. R. F.: Resistência à corrosão de aços inoxidáveis duplex fundidos, em ambientes contendo íons cloretos e CO2. Doutorado em Engenharia de Materiais no Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), São Carlos, SP, 2002.
  3. Biermann, D.; Heilmann, M.: Burr minimization strategies in machining operations. In: Aurich, J. C.; Dornfeld, D.: Burr – analysis, control and removal, 2a ed., p. 13-20, Springer, Alemanha, 2010.
  4. Bordinassi, E. C.: Contribuição ao estudo da integridade superficial de um aço inoxidável super-duplex após usinagem. Tese 221 p. Doutorado em Engenharia Mecânica na Escola Politécnica da USP, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2006.
  5. Diniz, A.; et al: Tecnologia da usinagem dos materiais, Artliber, 5a ed., São Paulo, SP, 2006.
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  7. Jiang, L.; et al: Comparison of grindability of HIPped austenitic 316L, duplex 2205 and super duplex 2507 and as-cast 304 stainless steels using alumina wheels. Journal of Materials Processing Technology, v. 62, p. 1-9, 1996.
  8. Marques D. C.: Estudo da influência do teor de níquel na usinabilidade de ligas Fe-Cr-Ni. Dissertação 95 p. Mestrado em Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, 2007.
  9. Olvera, O.; Barrow, G.: An experimental study of burr formation in square shoulder face milling. International Journal of Machine Tools and Manufacture, v. 36, p. 1.005-1.020, 1996.
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  11. Sandvik Coromant: Technical Guide. AB Sandvik Coromant, Sandviken, Suécia, 2008.
  12. Tessler, M. B.; Barbosa, C. A.: A usinabilidade dos aços inoxidáveis. Metalurgia & Materiais, v. 49, n o . 413, p. 32-41, 1993.