R. L. Paiva, R. B. Silva, C. Guimarães e M. N. Sousa
Data: 30/06/2017
Edição: MM Maio 2017 - Ano 53 - No 616
Compartilhe:A retificação é um processo de usinagem por abrasão utilizado com objetivo de promover à peça exatidão geométrica e bom acabamento superficial. Embora a quantidade de material removido nos processos de retificação seja, geralmente, pequena, é importante que todos os parâmetros de corte sejam selecionados de forma correta a fim de evitar danos à peça, o que levaria à perda do valor agregado por todos os processos de fabricação anteriormente empregados.
Uma das características da retifi cação é a alta energia específica de corte que é gasta no processo, isto é, comparado a processos mais convencionais de usinagem (torneamento, fresamento e furação), gasta-se uma grande quantidade de energia para a remoção de uma unidade de volume de material. Grande parte dessa energia é dissipada na forma de calor e, como o material do rebolo (principalmente no caso de rebolos convencionais como de óxido de alumínio e carbeto de silício) possui baixa condutividade térmica e o cavaco possui volume pequeno, a maior parcela desse calor é conduzida para a peça. Dependendo das condições de corte, cerca de 85% de todo o calor gerado no processo de retificação pode ser direcionado para a peça[2].
Como consequência dessa grande quantidade de calor que vai para a peça, esta pode sofrer vários danos de origem térmica na superfície e subsuperfície. Os principais danos são a queima, a transformação de fase, tensões residuais de tração e trincas.Para aços endurecidos, mesmo sem a presença de queima evidente, geralmente existe um amolecimento (queda de dureza) do material próximo à superfície retificada devido a um revenimento provocado pelas altas temperaturas na zona de corte[4].
Tais danos térmicos podem ser minimizados ou evitados pela aplicação eficiente de um fluido de corte que remova parte do calor gerado e também lubrifique a região de contato para que o atrito seja diminuído[1]. Portanto, o fluido de corte possui um papel decisivo para integridade superficial e subsuperficial da peça retificada.
O fluido de corte na retificação possui duas funções básicas: refrigerar a zona de contato entre o grão abrasivo e a peça, pela absorção e transporte do calor gerado pelo processo, e lubrificar o contato entre rebolo e peça para diminuir o atrito na zona de corte. Além dessas duas funções, ainda remove o cavaco da zona de contato, resfria a peça e a máquina, e protege ambos contra corrosão[5].
Os fluidos de corte mais utilizados na retificação são os miscíveis em água: emulsões, que formam um composto bifásico de água e óleo com a presença de agentes emulsifi cadores (podendo ser um óleo de base mineral ou vegetal), e as soluções, que formam um composto monofásico de água e óleo sintético (neste caso, sem a presença de agentes emulsifi cadores). Em geral, fl uidos de corte emulsionáveis (emulsões) possuem melhor capacidade lubrificante que os fluidos de corte sintéticos (soluções). Por sua vez, os fluidos de corte sintéticos, embora tenham um custo mais elevado, possuem maior poder refrigerante e são menos suscestíveis a bactérias, se comparados às emulsões[3].
Esses fluidos de corte são aplicados a uma concentração que varia entre 3 e 10%, dependendo da aplicação e da fabricante. É muito comum também o termo diluição e, para o caso dos fluidos para retificação, o valor mais empregado é 1:19.Porém, não existe um consenso entre os fabricantes, e até mesmo na literatura, em relação à concentração ótima para o fluido de corte no processo de retificação.
É muito comum utilizar o mesmo fluido e uma mesma concentração para usinar diferentes tipos de materiais, desconsiderando-se o tipo do rebolo e o material da peça. Esta não é a melhor prática pois, principalmente os materiais possuem propriedades mecânicas e térmicas que podem exigir diferentes características de um fluido.
Visto que o dano térmico causado pelas elevadas temperaturas presentes na zona de corte é o fator que mais limita a retificação [1], é importante que o fluido de corte utilizado tenha uma alta capacidade de refrigeração e, consequentemente, contenha menor quantidade de óleo na mistura. Por outro lado, em muitos casos, parece ser mais efetivo diminuir o calor gerado na retificação utilizando um fluido com boa capacidade lubrificante, do que absorver uma maior quantidade de calor com um fluido de corte com alta capacidade de refrigeração[2,5]. Dessa forma, a concentração do fluido de corte, isto é, a quantidade de óleo presente no fluido de corte influencia o processo de retificação.
Neste sentido, este trabalho tem como objetivo analisar, com uma abordagem estatística, a influência da concentração do fluido de corte na integridade superficial do aço VP 80 (45 HRC) após retifi cação plana tangencial. Foi utilizado um fluido de corte sintético (solução) aplicado em duas diferentes concentrações e a integridade superficial da peça foi analisada com base na rugosidade (parâmetro Ra) e na microdureza do material abaixo da superfície retificada.
Os ensaios experimentais de retificação plana tangencial foram realizados na retificadora modelo P36, da fabricante Mello, com potência de 3 HP e rotação máxima de 2.400 rpm (figura 1a). O rebolo utilizado foi do tipo reto de óxido de alumínio branco, grana 46, especifi cação AA46K6V e dimensões 300 mm de diâmetro externo x 25 mm de largura x 76 mm de diâmetro interno (figura 1b).
Com esta configuração, a velocidade periférica do rebolo empregada foi de 38 m/s, mantida constante em todos os ensaios. O material retificado foi o aço para moldes e matrizes VP80 (45 HRC), com dimensões 48 mm de comprimento x 18 mm de largura x 10 mm de altura (figura 1c).
A figura 2 (pág. 30) mostra a montagem do sistema rebolo-suporte-peça-bocal para os ensaios de usinagem.
A velocidade longitudinal de avanço (vw) foi igual a 10 m/min. Em cada ensaio foram removidos 75 μm da altura total do corpo de provas por diferentes passes com uma penetração de trabalho (ae) constante, de forma que foi retirado aproximadamente o mesmo volume de material em todos os testes.Antes de cada ensaio, o rebolo foi dressado com uma profundidade de dressagem total (adt) de 60 μm: três passes com penetração de dressagem ad = 20 μm. Três diferentes penetrações de trabalho foram utilizadas (5, 15 e 25 μm).
O fluido de corte empregado foi o do tipo sintético, que consiste em uma solução de água com o óleo sintético RM7, da fabricante Iorga. O fluido de corte foi aplicado na forma convencional (jorro) a uma vazão de 540 L/h. Duas concentrações do fluido foram testadas: 3 e 8%. Na tabela 1 está o resumo de todas as informações do procedimento experimental adotado.
Seis ensaios experimentais foram realizados com uma réplica cada, totalizando 12. Foi utilizado um planejamento experimental fatorial completo misto: um fator com três níveis (penetração de trabalho – ae) e um fator com dois níveis (concentração do fluido de corte – %), como mostrado na tabela 2 (pág. 31).
Ao fim de cada ensaio de retificação, o parâmetro de rugosidade Ra foi medido em cinco regiões diferentes e equidistantes ao longo da superfície retificada com o auxílio de um rugosímetro modelo SJ-201P, da Mitutoyo, montado em suporte que permite ajustar a altura para diferentes dimensões de peças, conforme mostrado na figura 3 (pág. 31). Adotou-se um cut-off de 0,25 mm. Foram calculados a média e o desvio padrão destas medições, os quais foram utilizados para comparações.
Foram realizadas as medições da microdureza de todas as amostras após a retificação.Para isso, as amostras foram devidamente seccionadas, embutidas e preparadas. A figura 4 (pág. 32) mostra a região da peça retificada que foi preparada para a medição da microdureza.
As amostras embutidas foram lixadas com lixas d’água de grana 80, 120, 220, 320, 400, 600, 800, 1.000 e 1.200. Após o lixamento, as amostras foram polidas com pasta de alumina de 1 e 0,3 μm e, em seguida, atacadas com reagente Nital a uma concentração de 2%. O tempo de ataque foi de aproximadamente 2 min.
A microdureza do material foi medida em diferentes distâncias abaixo da superfície retificada – 5, 25, 45 e 65 μm – com o auxílio de um microdurômetro HMV, da Shimadzu. As medições de microdureza sofreram uma réplica e uma tréplica a uma distância de 60 e 120 μm do teste inicial. Os parâmetros utilizados foram: microdureza Knoop, carga aplicada de 25 g, tempo de aplicação de 15 s, indentador de diamante.
Para a análise estatística, os níveis de cada fator foram codificados em níveis inferior (-1), superior (1) e médio (0) (para o caso da penetração de trabalho).A tabela 3 mostra o planejamento experimental codificado para a análise estatística.
Com os resultados de rugosidade e de microdureza, realizou-se uma análise estatística para determinar o valor p (p-value) e o efeito de cada fator, tanto para os resultados de rugosidade quanto para os de microdureza. As equações das funções de transferência para o cálculo da rugosidade e microdureza em função da penetração de trabalho e concentração do fluido de corte também foram determinadas.Todas as análises estatísticas foram feitas com o software Statistica10.
Na figura 5 (pág. 33) são apresentados os valores médios obtidos para o parâmetro de rugosidade Ra, em função da penetração de trabalho (ae) para as diferentes concentrações do fluido de corte utilizadas. Deste gráfico observa-se que, em geral, o acabamento piorou com o aumento da penetração de trabalho.
Este resultado já era esperado, pois, à medida que se aumenta a penetração de trabalho, o número de grãos em contato com a peça também cresce. Este maior número de grãos, como também a maior área por grão em contato, implica em mais material sendo arrancado; e a maior deformação plástica na superfície da peça refl ete no acabamento. Além disso, o aumento da rugosidade com a penetração de trabalho pode ser atribuído à espessura de cavaco, que aumenta com a taxa de material removido, que é maior para maiores penetrações de trabalho[2].
Observa-se que o maior valor de Ra igual a 0,3 μm foi obtido quando se empregou o maior valor de ae e concentração de 3%, e que todos os valores de Ra estão bem abaixo de 1,6 μm; que é um valor-limite de referência em geral estipulado pela literatura para processos de retificação (Ra entre 0,1 e 1,6 μm).
Já o menor valor de rugosidade Ra (0,14 μm) foi observado quando se usinou com a combinação de parâmetros: menor penetração de trabalho (ae = 5 μm) e concentração do fluido de corte de 3%. Para as condições investigadas, como o maior e menor valores de Ra foram obtidos para a mesma concentração, pode-se inferir que, então, o acabamento sofreu influência apenas da penetração de trabalho. De acordo com Malkin e Guo[4], a rugosidade da superfície retificada é função da relação entre a velocidade da peça (vw) e do rebolo (vs) multiplicada pela raiz quadrada de ae, conforme equação 1.
Ra ∝ (vw/vs).ae1/2
(1)
Pode-se notar também que a concentração de 3% gerou menores valores de rugosidade para as penetrações de trabalho de 5 e 15 μm, enquanto que a concentração de 8% gerou menores valores de rugosidade para a penetração de trabalho igual a 25 μm.
Considerando a variação da concentração do fluido de corte de 3 para 8%, observa-se que, para a penetração de trabalho de 5 μm, o parâmetro Ra variou de 0,14 para 0,19 μm, implicando em um aumento de 35%. Para a penetração de trabalho de 15 μm, o Ra variou de 0,22 para 0,24 μm, um aumento de 9%. Já para a penetração de trabalho de 25 μm, o Ra apresentou uma variação negativa de 0,3 para 0,27 μm, isto é, uma diminuição de 10%.
Em média, o parâmetro Ra variou 18% quando se aumentou a concentração do fluido de corte de 3 para 8%. Considerando a variação da penetração de trabalho de 5 para 25 μm, pode-se observar que, para a concentração de 3%, o parâmetro Ra variou de 0,14 para 0,3 μm, isto é, um aumento de 114%.
Já para a concentração de 8%, esta variação foi de 0,19 para 0,27 μm, ou seja, um aumento de 42%.Em média, o parâmetro Ra variou 78% quando se aumentou a penetração de trabalho de 5 para 25 μm.Essas variações do parâmetro Ra em função do aumento da concentração do fluido de corte e da penetração de trabalho mostram que a rugosidade foi mais sensível à variação de ae do que à variação da concentração do fluido de corte para as condições utilizadas neste trabalho.
A tabela 4 mostra o valor p e o efeito de cada fator (penetração de trabalho – ae e concentração do fluido de corte – %) e da interação entre eles (ae *%) para os resultados de rugosidade, resultados estes retirados da análise estatística realizada com o auxílio do software Statistica10.
Na tabela 4 observa-se que, para uma confiabilidade estatística de 95%, a penetração de trabalho (ae) e a interação entre ela e a concentração do fluido de corte (ae*%) são fatores significativos para os resultados de rugosidade Ra, visto que possuem um nível de significância (1-p) de 99,88% e 98,99%, respectivamente. A concentração do fluido de corte, embora possua um nível de significância de 93,53% (menor que 95%), pode ser considerada também um fator significativo.
Ao analisar o efeito linear que cada um dos fatores promove na rugosidade, observa-se que o aumento da penetração de trabalho de 5 para 25 μm tem o efeito de aumentar 0,12 μm o parâmetro Ra, o que corresponde a 52% da média de todos os resultados de rugosidade (0,23 μm).Além disso, o aumento da concentração do fluido de corte de 3 para 8% possui um efeito de aumentar em apenas 0,01 μm a rugosidade Ra (4% da média de todos os resultados de rugosidade), o que comprova que a penetração de trabalho é realmente o fator que mais influencia o parâmetro Ra para as condições verificadas neste trabalho.
Vale ressaltar que o valor de 0,01 μm é o mesmo valor da resolução do instrumento de medição utilizado, portanto este aumento pode ser negligenciado. Já a interação entre os dois fatores mostra que o emprego da maior concentração do fluido de corte juntamente com a maior penetração de trabalho tende a melhorar o acabamento da superfície em 0,04 μm, o que corresponde a 17% da média de todos os valores de rugosidade.
A figura 6 (pág. 34) mostra a microdureza do material em função da distância abaixo da superfície retificada em função das condições de corte empregadas neste trabalho. Por L.R., entende-se a média da microdureza do material antes dos ensaios de retificação, que corresponde a 400 Knoop.
Na figura 6 pode-se observar uma queda na dureza do material entre 33 e 45% em todas as amostras para uma distância abaixo da superfície igual a 5 μm, exceto a amostra retificada com ae = 5 μm e concentração do fluido de corte de 3%, que apresentou uma diminuição na dureza de cerca de 9%. Tal resultado para esta amostra em específico pode ser explicado pelo uso da menor penetração de trabalho (condição mais branda e que gera menor quantidade de calor) com o fluido de corte com maior capacidade de refrigeração (menor concentração de 3%), promovendo à peça uma menor parcela de calor se comparado com as demais condições e, consequentemente, menor dano térmico.
Além disso, pode-se notar uma correlação entre os resultados de rugosidade e microdureza, pois, assim como observado para os resultados de rugosidade, a concentração de 3% gerou melhores resultados (menor queda de dureza) nas amostras retificadas com ae de 5 e 15 μm, enquanto que a concentração de 8% gerou melhores resultados para a amostra retificada com ae igual a 25 μm. Isso mostra que a função lubrificante do fluido de corte é ainda mais solicitada na retificação à medida em que se aumenta a quantidade de grãos abrasivos em contato com a peça, ou seja, condições com maior comprimento de contato entre rebolo e peça.
A tabela 5 mostra o valor p e o efeito de cada fator (penetração de trabalho – ae e concentração do fluido de corte – %) e da interação entre eles (ae*%) para os resultados de microdureza para uma distância abaixo da superfície retificada igual a 5 μm (único ponto dos ensaios de medição de microdureza que mostrou, de fato, queda na dureza do material), resultados estes retirados da análise estatística realizada com o auxílio do software Statistica10.
Na tabela 5 pode-se observar que, para os resultados de microdureza, embora todos os fatores não sejam significativos para uma confi abilidade de 95%, todos eles apresentam um nível considerável de significância: 91,05 e 84,92% para o efeito linear e quadrático da penetração de trabalho (ae e ae2, respectivamente), 87,52% para a concentração do fl uido de corte (%) e 92% para a interação entre eles (ae*%).
O efeito linear da penetração de trabalho e concentração do fluido de corte tende reduzir a dureza do material em 67 e 39 Knoop, respectivamente, enquanto que o efeito quadrático da penetração de trabalho (ae2) tende a reduzir a dureza do material em 34 Knoop. Por outro lado, a interação entre os fatores possui o efeito de aumentar a dureza em 75 Knoop.
As equações 2 e 3 mostram, respectivamente, a função de transferência do parâmetro de rugosidade Ra e da microdureza para distância abaixo da superfície igual a 5 μm (h5) em função da penetração de trabalho (ae) e da concentração do fluido de corte (%). É importante ressaltar que essas equações foram obtidas a partir dos modelos gerados pelo software Statistica10 durante a análise e que ambos os modelos possuem um coeficiente de determinação (R2) maior que 99%, sendo, portanto, bastante satisfatórios.
Além disso, os fatores ae e % das equações 2 e 3 devem ser utilizados na forma codificada e com valores dentro da faixa utilizada neste trabalho: penetração de trabalho (ae) entre 5 e 25 μm e concentração do fluido de corte (%) entre 3 e 8%.
Ra = 0,23+0,059.ae+0,006167.%-0,02.ae.%(μm)
(2)
h5=266,72-33,33.ae-16,9167.ae219,3889.%+37,33.ae.%(Knoop)
(3)
As seguintes conclusões podem ser retiradas deste trabalho: