Preparação de arestas de ferramentas de cerâmica mista por retificação e sua aplicação no torneamento de aço endurecido


Este trabalho investiga o desempenho de ferramentas de cerâmica mista preparadas com arredondamentos de aresta discretos no torneamento de um aço endurecido. Neste contexto, não só a vida da ferramenta será analisada, mas também a rugosidade da peça e os esforços de corte. O objetivo é demonstrar o potencial do método desenvolvido para preparação de arestas por retificação. Os principais resultados mostraram que a ferramenta com aresta discretizada com três chanfros possui melhor desempenho que aquela com apenas um chanfro (utilizada como referência), levando à maior vida da ferramenta e menor rugosidade da peça.


C. E. H. Ventura e B. Denkena

Data: 10/09/2017

Edição: MM Setembro 2016 - Ano - 52 No 608

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Figura 1 – Caracterização da geometria de aresta: chanfro (a), arredondamento simétrico (b) e assimétrico (c)

A cerâmica a base de óxido de alumínio é largamente utilizada como material de ferramenta. Com objetivo de se melhorar suas propriedades, ela pode ser reforçada por partículas de óxido de zircônio, carbeto e nitreto de titânio[9]. Devido à sua alta dureza e resistência ao desgaste, a cerâmica à base de óxido de alumínio é um dos materiais de ferramenta mais apropriados para a usinagem de aços endurecidos. Entretanto, sua elevada fragilidade geralmente leva a resultados inconsistentes e à falha catastrófica da ferramenta[1].

De acordo com Kumar et al[9], o desgaste de ferramentas cerâmicas durante a usinagem de aços endurecidos é causado a partir de altas tensões na região de corte e se caracteriza principalmente pela formação de sulcos irregulares, deformados plasticamente, nas superfícies de saída e de folga. Grzesik[7] também observou a formação dos sulcos, mas afirma que estes ocorrem parcialmente devido à abrasão e parcialmente devido à aderência do material da peça na ferramenta. Já Aslan et al[1] defendem que a ocorrência do desgaste de flanco está associada primariamente a lascamentos irregulares na aresta, devido à fragilidade do material da ferramenta, mas citam, ao mesmo tempo, que estes devem ter ocorrido devido a choques e vibrações durante o processo.

Adicionalmente, Aslantas et al[2] apontam que não só o desgaste de flanco deve ser considerado. Devido à reduzida seção do cavaco, à elevada dureza da peça, à geometria negativa da ferramenta e à elevada força passiva na usinagem de aços endurecidos, o desgaste de cratera é inevitável.

Figura 2 – Representação da cinemática da máquina (a) e da discretização de um arredondamento de aresta (b)

Com o objetivo de se reduzir o desgaste de ferramentas cerâmicas e aumentar sua vida, um importante fator na usinagem de aços endurecidos corresponde à preparação de aresta, que visa à sua estabilização por meio da redução dos lascamentos provenientes do processo de fabricação da pastilha e pela melhora do fluxo de cavaco[3,8]. Entretanto, a aplicação de ferramentas com arestas chanfradas ou arredondadas aumenta a deformação do cavaco, o que causa elevação da temperatura, dos esforços e da rugosidade da peça. Dessa maneira, a busca de certo equilíbrio, de modo que a geometria de aresta colabore com a redução do desgaste, mas não prejudique a integridade superficial da peça, é fundamental.

Para a investigação do desempenho de diferentes microgeometrias, torna-se relevante sua precisa caracterização. Além de chanfros (figura 1a), definidos por determinada largura (b) e ângulo (γ), e arredondamentos (figura 1b), definidos por um raio de aresta (rβ), devem ser considerados ainda os arredondamentos “assimétricos” (figura 1c), já que desvios de um raio exato podem influenciar o processo de corte significativamente[6].

Este último tipo de microgeometria é caracterizado por distâncias medidas entre a intersecção das tangentes das superfícies de folga e de saída e os pontos de descolamento dessas tangentes do perfi l da microgeometria. Tais distâncias definem S α e Sγ, respectivamente. Neste caso, ainda pode ser determinado um fator de forma Κ = Sγ / Sα, o qual define a tendência da aresta para a superfície de saída (Κ > 1) ou para a superfície de folga (Κ < 1).

Diferentes processos podem ser aplicados na fabricação de microgeometrias, dependendo da produtividade, precisão e geometria final. Entre esses processos estão o jateamento abrasivo, o escovamento e a retificação. Em comparação com os outros processos, a retificação apresenta algumas vantagens, as quais encorajam sua aplicação na indústria de fabricação de pastilhas de corte, entre elas: a aresta pode ser preparada em todo o perímetro em uma única fixação; a aresta pode ser preparada na mesma máquina onde as superfícies de folga foram retificadas, reduzindo o tempo total da cadeia produtiva; é possível a alteração dos parâmetros de retificação para otimização da qualidade da aresta sem que haja mudanças no tamanho e forma da microgeometria[5].

Tendo em vista as vantagens citadas e a importância da preparação de arestas em pastilhas de cerâmica, o presente trabalho apresenta as particularidades do processo de preparação de arestas por retificação e investiga o desempenho de ferramentas de cerâmica mista com arestas preparadas por este processo no torneamento de um aço endurecido. O objetivo principal consiste em demonstrar o potencial do método desenvolvido para preparação de arestas por retificação em ferramentas de cerâmica mista.

Preparação de arestas por retificação

Figura 3 – Microgeometrias preparadas para testes de torneamento

Para a análise da cinemática da retifi cadora utilizada, três eixos devem ser considerados (figura 2a): o eixo X, que permite o movimento de avanço do rebolo; o eixo B, que inclina a pastilha e permite a retifi cação de chanfros; o eixo C, que rotaciona a pastilha para que todo seu perímetro possa ser retificado, inclusive os raios de ponta. A combinação de diferentes movimentos possibilita a produção de uma microgeometria uniforme ao longo da periferia da pastilha.

No entanto, um arredondamento de aresta contínuo na região do raio de ponta não pode ser realizado, pois para isso seria necessária a oscilação do eixo B durante a rotação do eixo C, movimento não permitido pela máquina. Uma alternativa a essa limitação consiste na discretização do raio de aresta por meio de chanfros (figura 2b). Isso pode ser feito fixando-se o eixo B em diferentes posições e, para cada uma delas, rotacionando-se o eixo C continuamente.

O modelo matemático utilizado para descrever o perfil da microgeometria, assim como para calcular os valores das larguras e ângulos dos chanfros é descrito por Denkena et al[4]. A prevenção de cantos vivos na discretização da curva deve ser feita por meio da escolha adequada do número de chanfros e dos parâmetros que caracterizam o perfil.

Materiais e métodos

Arestas de pastilhas de cerâmica mista (Al2 O3 + TiC + ZrO2), com geometria SNGN120408, foram preparadas por retificação plana de mergulho em uma retificadora com cinco eixos, modelo Wendt WAC 715 Centro, com velocidade de rotação máxima de 1.625 rpm e potência máxima de 3 kW. Foram utilizados rebolos de diamante, com tamanho de grão D15, ligante vitrificado e concentração C120.

A fim de se evitar desvios de forma da ferramenta abrasiva, o rebolo era dressado antes da preparação de cada pastilha por um rolo de dressagem de óxido de alumínio (Al2O3), com velocidade de vfad = 3 μm/s durante 5 s. Os parâmetros de retificação foram mantidos constantes, sendo a velocidade de corte vc = 25 m/s, a velocidade de avanço axial vfa = 4 mm/min e a velocidade de rotação da pastilha vR = 2.778o/min.

Figura 4 – Forças de usinagem (a) e valores de rugosidade gerados por ferramentas com arredondamentos de aresta discretizados com diferente número de chanfros (b), assim como microlascamentos após preparação da pastilha com único chanfro (c)

As microgeometrias produzidas e aplicadas no torneamento do aço 16MnCrS5 (dureza de 60 ±2 HRC) possuem os seguintes valores nominais: fator de forma Κ = 2, Sα = 50 μm e Sγ = 100 μm e foram discretizadas por um, três e cinco chanfros, de acordo com a figura 3. Os testes foram realizados a seco em um torno CNC Gildemeister MD10S, o qual possui velocidade de rotação máxima de 10.000 rpm e potência máxima igual a 50 kW. Os parâmetros de corte foram mantidos constantes: velocidade de corte vc = 100 m/min, avanço f = 0,1 mm, profundidade de corte ap = 0,1 mm.

Com o objetivo de se comparar apenas o desempenho das microgeometrias fabricadas, desconsiderando a influência do desgaste, os valores de força e de rugosidade gerados por cada microgeometria foram medidos após um tempo de corte igual a 2 min. Cada teste foi reproduzido uma vez, sempre com ferramentas novas. Os valores médios e os respectivos desvios foram utilizados para avaliação.

As forças foram adquiridas por um dinamômetro piezelétrico triaxial Kistler 9129AA, conectado a um condicionador de sinais Kistler 5015. Este último foi ligado a um computador com o software LabView, responsável pelo tratamento dos dados. O sinal foi adquirido a uma taxa de 2.500 Hz, passando por um filtro passa-baixa, com frequência de corte de 1.000 Hz.

A rugosidade média Ra foi utilizada para a caracterização da superfície torneada. Este parâmetro foi medido por um rugosímetro portátil Hommeltester T500, com um cut-off de 0,8 mm. A peça foi medida em três posições radiais, distantes entre si 120o.

Para a comparação da vida das ferramentas preparadas com diferentes microgeometrias, foi adotado como critério de fim de ensaio uma trajetória de corte de 1.000 mm. A cada 200 mm, o processo era interrompido para medição do desgaste de flanco. Caso este alcançasse 0,3 mm, uma trinca fosse verifi cada ou a ferramenta quebrasse, o ensaio era parado.

Resultados e discussão

Diferentes microgeometrias infl uenciam principalmente o escoamento e a deformação do cavaco durante o corte. Assim, levam a alterações das forças de usinagem, da vida da ferramenta e da qualidade superfi cial da peça. O aumento do número de chanfros na discretização da microgeometria melhora o arredondamento, reduzindo os cantos vivos na aresta, mas dificulta a remoção do material devido à menor afiação da ferramenta.

Esse último fator aliado ao aumento do comprimento de contato ferramenta-peça e, consequentemente, do atrito na região de corte, eleva os esforços, conforme mostrado na figura 4a. Deve-se ressaltar a predominância da força passiva, devido à baixa profundidade de corte utilizada, que faz com que o corte ocorra na região do raio de ponta da pastilha e grande parte da força seja direcionada perpendicularmente ao plano de trabalho, situação comum no torneamento de aços endurecidos. Com isso, observa-se também sua maior sensibilidade à variação da microgeometria.

Figura 5 – Curvas de desgaste de ferramentas com arredondamentos de aresta discretizados com diferente número de chanfros

Esperava-se que a maior defor mação do cavaco causada pelas ferramentas com microgeometrias discretizadas com maior número de chanfros prejudicasse a qualidade superficial, aumentando os valores de rugosidade média, porém o oposto foi observado na figura 4b. O maior valor médio de rugosidade, assim como o maior desvio padrão, ambos gerados pela ferramenta preparada com um único chanfro, podem ter ocorrido em função da maior rugosidade na aresta entre a superfície do chanfro e a superfície de folga. Sendo a cerâmica mista um material frágil, a ocorrência de microlascamentos (figura 4c) durante a retificação da pastilha é bastante frequente e não só prejudica a rugosidade da peça, mas também reduz a resistência da ferramenta ao desgaste.

Entre as microgeometrias com três e cinco chanfros, nenhuma diferença é notada tanto em relação aos esforços de corte, como em relação à rugosidade. Isso mostra que uma melhor aproximação da curva do arredondamento da aresta por meio de maior número de chanfros já não prejudica o processo devido à elevação dos esforços ou contribui para a redução da rugosidade.

Figura 6 – Condições de contato entre peça e ferramentas com arredondamentos de aresta discretizados com diferente número de chanfros

Em termos de desgaste da ferramenta, entretanto, nota-se na fi gura 5 (pág. 24) que, após um tempo de cor te de aproximadamente 10,5 min, houve formação de trincas e consequente falha da ferramenta cuja aresta foi discretizada por cinco chanfros. Enquanto um desgaste de fl anco regular e lascamentos menores podem ser observados na ferramenta com aresta discretizada por três chanfros, sendo o corte inter rompido, neste último caso, após a ferramenta ter percorrido uma trajetória de 1.000 mm (aproximadamente 17,5 min), conforme critério de fi m de ensaio definido previamente.

Em ambas as situações (três e cinco chanfros), verificou-se também a formação de entalhes nos limites da região de corte e reduzido desgaste de cratera na superfície de saída. Os desgastes de flanco e de cratera podem ter ocorrido devido ao efeito abrasivo de partículas duras desprendidas da ferramenta, enquanto os entalhes, nos dois lados do desgaste de fl anco, podem ser atribuídos ao efeito também abrasivo do escoamento do cavaco serrilhado, recorrente no torneamento de aços endurecidos.

A partir da figura 6, verifica-se que a discretização da aresta com cinco chanfros aumenta o contato ferramenta-peça e favorece a compressão do material em frente à aresta, reduzindo a ação de corte e aumentando a pressão local. Esse fenômeno pode ter contribuído para a falha prematura da ferramenta com aresta preparada com cinco chanfros.

Após aproximadamente 7 min, também foi obser vada falha da ferramenta preparada com único chanfro. Além dos microlascamentos resultantes do processo de retificação, a aresta é fragilizada devido à sua geometria, a qual faz com que a maior parte dos esforços seja direcionada de forma aproximadamente paralela à superfície de folga (figura 6), causando um momento sobre a extremidade da ferramenta.

Conclusão

A partir dos resultados obtidos, pode-se concluir que o arredondamento de aresta discretizado com três chanfros se mostrou mais adequado em termos de rugosidade e vida da ferramenta, quando comparado ao arredondamento de aresta discretizado com cinco chanfros e à ferramenta de referência, preparada com chanfro único. Esta última, embora tenha gerado menores esforços, gerou maior valor de rugosidade na peça, devido aos lascamentos na aresta após a retificação da pastilha, e apresentou falha prematura, devido à menor capacidade de suportar a carga aplicada, tendo em vista a direção dos esforços atuantes sobre a aresta. Já o arredondamento discretizado com cinco chanfros apresentou valores de força e rugosidade semelhantes ao discretizado por três chanfros, mas o aumento do contato ferramenta-peça e a compressão do material em frente à aresta levaram à fratura da ferramenta antes desta atingir o critério de fim de ensaio.

Assim, demonstra-se o potencial do método desenvolvido para preparação de arestas por retificação, tendo o arredondamento discretizado com três chanfros apresentado desempenho superior em relação à vida da ferramenta e rugosidade da peça no torneamento de um aço endurecido com ferramenta de cerâmica mista.

Referências

  1. Aslan, E.; Camuscu, N.; Birgören, B.: Design optimization of cutting parameters when turning hardened AISI 4140 steel (63 HRC) with Al2O3 + TiCN mixed ceramic tool. Materials & Design, v. 28, p. 1.618-1.622, 2007.
  2. Aslantas, K.; Ucun, I.; Çicek, A.: Tool life and wear mechanism of coated and uncoated Al2O3/TiCN mixed ceramic tools in turning hardened alloy steel. Wear, v. 274-275, p. 442-451, 2012.
  3. Byrne, G.; Dornfeld, D.; Denkena, B.: Advancing cutting technology. Annals of the CIRP, v. 52, p. 483-507, 2003.
  4. Denkena, B.; Köhler, J.; Ventura, C. E. H.: Customized cutting edge preparation by means of grinding. Precision Engineering, v. 37, p. 590-598, 2013.
  5. Denkena, B.; Köhler, J.; Ventura, C. E. H.: Optimierte Herstellung von SchneidkantenMikrogeometrien. VDI-Z Special Werkzeug, v. 1, p. 34-37, 2012.
  6. Denkena, B.; Kramer, N.; Siegel, F.; Kästner, J.: Leistungsoptimierung an der Schneidkante. VDI-Z Special Werkzeug, p. 24-26, 2007.
  7. Grzesik, W.: Wear development on wiper Al2O3TiC mixed ceramic tools in hard machining of high strength steel. Wear, v. 266, p. 1.021-1.028, 2009.
  8. Karpuschewski, B.; Schmidt, K.; Prilukova, J.; Beno, J.; Manková, I.; Hieu, N. T.: Influence of tool edge preparation of ceramic tool inserts when hard turning. Journal of Materials Processing Technology, v. 213, p. 1.978-1.988, 2013.
  9. Kumar, A. S.; Durai, A. R.; Sornakumar, T.: Machinability of hardened steel using alumina based ceramic cutting tools. International Journal of Refractory Metals & Hard Materials, v. 21, p. 109-117, 2003.