Falar atualmente de sustentabilidade sem incluir a indústria de plásticos é ignorar um dos principais aspectos da questão.
Afinal, os resíduos desses materiais são encarados como um grande problema ambiental a ser eliminado.
O tratamento dessa questão implica a realização de acordos, o desenvolvimento de novos materiais e de processos capazes de dar destinação correta aos resíduos, estabelecendo-se assim o alicerce para a economia circular no setor.
Engajada no tema desde há muito tempo, a revista Plástico Industrial tem acompanhado nos últimos vinte anos a evolução dos materiais, as políticas públicas e a estruturação de segmentos como o de reciclagem e toda a cadeia a montante e a jusante dele. Esta evolução tem passado pelo desenvolvimento de equipamentos que viabilizam as suas atividades, bem como de um forte mercado consumidor para as resinas que ele origina.
O setor ganhou um forte impulso após a instituição, em 2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que atribuiu responsabilidades a fabricantes e importadores quanto à implementação de programas de logística reversa, de modo a desenvolver sistemas de coleta ou recebimento de produtos que alcançaram o fim de sua vida útil. A lei foi atualizada recentemente, enfatizando a responsabilidade compartilhada no que se refere à destinação de produtos ao final de sua vida útil, o que deverá causar novo impacto positivo, levando-se em conta que bens de consumo como eletroeletrônicos, por exemplo, são constituídos de materiais de alto valor agregado, cujo reaproveitamento faz todo o sentido, inclusive economicamente.
Outro aspecto da participação dos plásticos quando o assunto é sustentabilidade é a recente estruturação de um mercado para os bioplásticos, materiais levados em conta na hora de fechar a fatura de emissão de carbono em diversas empresas.
As ações relacionadas a esses dois aspectos da cadeia de plásticos estão hoje sob o conceito guarda-chuva denominado ESG, ou Environmental, Social and Governance, que abarca as práticas de uma empresa no que diz respeito aos aspectos ambiental, social e de governança.
Reciclagem, o carro-chefe da sustentabilidade no setor de plásticos
Por mais que empresas e consumidores se engajem na proposta da reciclagem de materiais, ela só ganha expressão mesmo quando organizada como atividade econômica, e é isso que tem ocorrido nos últimos anos no Brasil. A mais recente pesquisa realizada pela Maxiquim para o Plano de Incentivo à Cadeia do Plástico (PICPlast), da Abiplast, apontou que 23,1% dos resíduos plásticos pós-consumo no Brasil foram reciclados em 2020. Ainda segundo o estudo, houve um aumento de 12,2% na oferta de resina reciclada em relação a 2018.
Em relação a 2019, a redução no primeiro ano da pandemia da Covid-19 foi de menos de 1 ponto percentual, um fator considerado positivo, tendo em vista o quanto a crise sanitária impactou o setor. Se forem levadas em conta iniciativas como a promoção da reciclagem de materiais como o poliuretano dos colchões e o EPS presente nas bandejas de ali- mentos, ou ainda, o absoluto sucesso de programas que promovem a reciclagem de tampinhas de garrafas, o segmento caminha para cifras bastante animadoras nos próximos anos. A oferta de equipa- mentos e insumos melhoradores da qualidade do material reciclado também tende a crescer e acompanhar estes novos e melhores tempos.
Os números mostram também que a reciclagem de plásticos está avançando mais rapidamente do que foi suposto pelo polêmico estudo da World Wide Fund for Nature (WWF), feito em 2019, que praticamente “denunciava” uma taxa de reciclagem dos resíduos plásticos da ordem de 1,28%.
Decreto favorece o descarte correto e a reciclagem
Um novo impulso à reciclagem dos materiais plásticos presentes em eletroeletrônicos deve acontecer em decorrência do Decreto Federal no 10.936, publicado em 12 de janeiro deste ano, regulamentando pontos importantes no âmbito da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) que ainda não haviam ficado claros em acordos e decretos anteriores, tornando a legislação mais objetiva, com ênfase na responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
Desde 2010, a PNRS tem sido uma construção de órgãos de controle ambientais juntamente com entidades de classe. Em 2019 foi assinado um acordo setorial e em 2020 promulgado um decreto que regulamenta a logística reversa dos eletroeletrônicos, estabelecendo as regras de operacionalização, assim como as metas estruturantes e de coleta de produtos que começaram a valer a partir de 2021.
O Decreto 10.240, publicado em dezembro de 2020, obriga os fabricantes e importadores de eletroeletrônicos a oferecer a seus consumidores domiciliares sistemas de logística reversa pós-consumo com cobertura nacional (400 cidades) e comprovar o resultado de coleta de maneira crescente, alcançando 17% de suas vendas no ano de 2025. Distribuidores, comerciantes e consumidores também possuem responsabilidade compartilhada e obrigações dentro do sistema de logística reversa.
A recente regulamentação da PNRS contempla temas sensíveis como a coleta seletiva, a logística reversa de produtos na prática – considerada um instrumento de desenvolvimento econômico e social – e diretrizes aplicáveis à gestão e ao gerenciamento de resíduos sólidos.
Além de responsabilizar empresas, o decreto estabelece que até mesmo os consumidores podem ser multados caso não façam o descarte correto de seus resíduos, o que reforça o conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.
Eletroeletrônicos na mira
As novas resoluções podem surpreender algumas empresas. Porém, para outras, servirão de estímulo à atividade. É o caso da GM&C (São José dos Campos, SP), processadora de resíduos de eletroeletrônicos, que assinou um acordo de parceria com a Tomra Recycling Brasil (São Paulo, SP), tratando da valorização de resíduos eletrônicos com foco na separação de metais. A união foi celebrada entre três partes: GM&C, a Tomra Recycling, produtora de sistemas de separação óptica, e o Grupo Fragmaq, fabricante de trituradores e soluções para resíduos.
Caberá à Tomra fornecer os separadores ópticos da linha Suppixx, com tecnologia de processamento de imagens com um nível de resolução que permite identificar partículas finas com precisão e, posteriormente, separá-las com um alto grau de pureza, permitindo inclusive a recuperação de fios e cabos, aço inox e a separação e reciclagem de polímeros como PS, ABS, PE, PP, entre outros.
Bioplásticos começam a trilhar seu próprio caminho
Os bioplásticos deixaram de ser uma promessa e passaram a compor um portfólio de novos materiais à disposição da indústria que processa materiais plásticos.
No âmbito da União Europeia, o documento “Estratégia Europeia para Plásticos na Economia Circular” considera esses materiais bioplásticos um possível alicerce para uma economia mais sustentável, ao lado da reciclagem(1).
Os bioplásticos são uma grande família de materiais, normalmente de origem renovável, que podem ser biodegradáveis e compostáveis ou não biodegradáveis. Há ainda materiais de origem fóssil, porém biodegradáveis, como consta do documento “Avaliação dos Plásticos na Agricultura e da sua sustentabilidade”, elaborado pela FAO, órgão das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, disponível em https://www.fao.org/publications/card/en/c/CB7856EN/.
Dados recentes da European Bioplastics Association levam a crer que a produção de bioplásticos deverá triplicar nos próximos cinco anos, e no Brasil esse percentual possa ser até maior, se forem considerados os investimentos já anuncia- dos e os novos materiais com base biológica e compostáveis que estão sendo desenvolvidos.
De acordo com a Associação Brasileira de Biopolímeros Compostáveis e Compostagem (Abicom), considerando os bioplasticos compostáveis em todas as suas formas, estima-se haver hoje no Brasil em torno de uma dezena de empresas atuantes neste segmento.
“Como uma parte importante da bioeconomia, os bioplásticos devem crescer muito, gerando empregos, desenvolvendo áreas rurais e oportunidades globais de exportação de tecnologias inovadoras. O Brasil tem o potencial para ser referência em tecnologia e produção dos bioplásticos”, informou Karina Daruich, diretora-executiva da instituição.
Os principais bioplásticos oferecidos ao mercado brasileiro hoje, considerando os biodegradáveis compostáveis, são PLA, PBAT, PBS, blendas com amido proveniente de milho e cana-de-açúcar, entre outros. Também tem crescido o uso de filmes à base de celulose. “Vale a pena reforçar que os plásticos biodegradáveis e compostáveis substituem os plásticos convencionais somente em aplicações onde a biodegradabilidade faça sentido como, por exemplo, em itens de uso único, tendo em vista que a contaminação dos plásticos com alimentos ou outros tipos de resíduos orgânicos dificulta a reciclagem mecânica”, destacou Karina.
Como em todo o mundo, o custo dos bioplásticos ainda é um fator limitante do seu uso. No entanto, muitos dos plásticos que hoje são considerados commodities já passaram por este momento.
Itens descartáveis de uso único são aplicações potenciais para os bioplásticos
Algumas novas tendências em termos de consumo têm impulsionado a adoção dos bioplásticos. A crescente demanda por produtos de design circular, com menor impacto no meio ambiente, de fonte renovável com foco na redução da pegada de carbono, tem fomentado o investimento em compostagem em diversos municípios. “Vemos uma crescente busca por parte da indústria transformadora e donos de marca pelos bioplásticos na medida que as políticas públicas avançam no País e para atender um mercado cada vez mais consciente”, informou a diretora.
A Abicom foi criada em 2009, tendo como foco os biopolímeros compostáveis. A partir de 2014 foi incluída em seu escopo a compostagem. O principal objetivo da associação é incentivar o desenvolvimento da indústria de biopolímeros compostáveis e da compostagem no Brasil. Para isso, reúne empresas que produzem, transformam, representam e utilizam os biopolímeros compostáveis; além das que fazem parte da cadeia de revalorização do resíduo orgânico através da compostagem e prestadores de serviço ao setor, contando hoje com doze associados.
Karina explica que existe hoje um maior interesse por parte das empresas, impulsionadas pela agenda ESG, em buscar a informação correta sobre biodegradabilidade e esclarecer dúvidas sobre os bioplásticos compostáveis e sobre a compostagem: “Acreditamos que os bioplásticos compostáveis são um grande impulsionador na evolução dos plásticos – são produtos que contribuem significativamente para a economia circular, pois são regenerativos por princípio, ou seja, os recursos deixam de ser somente explorados e descartados e passam a ser reaproveitados em um novo ciclo.
Um aspecto delicado, porém, é o chamado greenwashing, termo em inglês normalmente traduzido como “lavagem verde” ou “maquiagem verde”. Ele designa a prática de omitir, camuflar ou disseminar informações não verdadeiras sobre os reais impactos no meio ambiente das atividades de uma empresa ou dos produtos que ela fabrica. Essa atitude acaba induzindo o consumidor a erro na escolha do que irá comprar.
A questão está presente no mundo todo, e há pouco consenso sobre como regulamentar algumas práticas, especialmente relacionadas ao uso dos termos associados ao universo dos bioplásticos(2). No Brasil, o Instituto de Defesa do Consumidor lançou uma cartilha denominada “Mentira verde”, disponível no site da instituição (https://idec.org.br/greenwashing), tendo em vista auxiliar o consumidor a cobrar de seus fornecedores ações verdadeiramente sustentáveis. Levando em conta o ambiente B2B da cadeia de transformação de plásticos, empresas também podem se valer dos conselhos dessa cartilha ao selecionarem os seus fornecedores.
O assunto é também uma preocupação da Abicom, segundo a qual o greenwashing afeta toda a indústria de plásticos e principalmente o consumidor final:
“A credibilidade do fornecedor do bioplástico é um fator importante para tomada de decisão do consumidor, seja ele a indústria de transformação ou dono da marca. Destacamos que a informação clara dos benefícios no uso dos bioplásticos, seja de fonte renovável e/ou biodegradáveis e compostáveis certificados, contribui para a educação ambiental”, concluiu Karina.
Isso mostra que para conquistar definitivamente o consumidor, a receita é ter clareza e objetividade na explanação das características dos materiais escolhidos para compor um produto, sejam eles quais forem.
Acordo na promoção de bioplásticos e reciclagem
A Braskem é uma referência mundial no desenvolvimento de bioplásticos. Data de 2007 o lançamento do seu polietileno de fonte renovável e não compostável. Mais tarde, ele constituiria a linha I’m green, que hoje integra um portfólio de produtos voltados para a economia circular, cuja cronologia pode ser conferida no link https://www.braskem.com.br/imgreen.
Já a BASF fornece atualmente no mercado brasileiro as linhas ecoflex® (de fonte fóssil, sendo biodegradável compostável) e ecovio® (parcialmente de fonte renovável e fóssil, sendo biodegradável e compostável). Thiago B.
Spedo, coordenador regional de Especialidades Plásticas da BASF para a América do Sul, explicou que o ecoflex® está disponível desde a década de 90, e o ecovio®, desde meados dos anos 2000.
Comparado aos plásticos convencionais, o ecoflex® possui compostabilidade certificada e é proveniente de fonte não renovável. Como pioneiro inovador no campo dos polímeros biodegradáveis, o ecoflex® é uma matéria-prima importante para a produção de muitos plásticos compostáveis.
Já o ecovio® é um bioplástico com compostabilidade certificada e conteúdo de fonte renovável. As principais áreas de uso do ecovio® são filmes plásticos, que podem ter como produtos sacolas e sacos para resíduos orgânicos. A linha pode ser usada também em filmes agrícolas e revestimento interno para embalagens compostáveis de papel.
A sinergia entre as propostas das duas empresas levou ao estabelecimento de uma parceria no final do ano passado, tendo em vista o fomento às atividades relacionadas à economia circular no setor de plásticos, com foco na reciclagem e no estabelecimento de atividades que edifiquem uma economia de carbono neutro.
Em comunicado à imprensa datado do final de 2021, as empresas esclarecem que entre as iniciativas que fazem parte dessa parceria está a estruturação de um fluxo de reciclagem mecânica dos plásticos usados para armazenagem de grãos – conhecidos como silo-bolsas – no agronegócio. Com isso, espera-se que até
Silo-bolsas, considerados uma solução para a agricultura, são objeto do programa que visa inserir plástico reciclado em sua composição.
o final de 2022, uma solução de plástico reciclado para este mercado esteja disponível no Brasil. As demais iniciativas da parceria envolvem a utilização de matérias-primas de fonte renovável e/ou reciclada usando o conceito de balanço de massa e a otimização logística das operações.
Comprometidas com a transformação da economia linear para um modelo circular, as duas empresas integram a Aliança Global pelo Fim do Lixo Plástico (Alliance to End Plastic Waste, AEPW), na busca por soluções que reduzam e evitem a poluição ambiental por resíduos plásticos.
Evento vai discutir os bioplásticos em abril
Acompanhando a tendência de adoção gradual dos bioplásticos, no próximo dia 26 de abril será realizado de forma on-line e gratuita o evento Bioplastics Brazil, promovido pela Markeplan (São Paulo, SP), tendo como mídia oficial a revista Plástico Industrial.
Trata-se de um evento concebido para informar sobre as opções de bioplásticos já disponíveis no País, como diferenciá-los e como processá-los, permitindo ao mercado brasileiro acompanhar de perto essa tendência mundial que está ocasionando importantes mudanças no cenário da oferta de insumos industriais.
O Bioplastics Brazil vai reunir especialistas e representantes de empresas que atuam no setor de bioplásticos para discutir temas como a conceituação (bioplásticos de fonte renovável e não biodegradáveis; bioplásticos biodegradáveis compostáveis); normas técnicas brasileiras e internacionais; aplicações para os bioplásticos; características de processamento; reciclagem de bioplásticos; compostagem de bioplásticos e as novidades no mercado.
As inscrições já podem ser feitas no site do evento:
https://www.bioplasticsbrazil.com
REFERÊNCIAS
1) Thomas Siebel: Biokunststoffe müssen sich kritischem Diskurs stellen, Disponível em Springer Professional (www.springerprofessional.de). Acesso em 26/01/2022.
2) Biodegradable boom or bust? Bioplastic innovation confronts cost and policy challenges; Packaging Insites (www.packaginginsights.com). Acesso em 26/01/2022.
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