O setor de embalagens é ainda dominado por materiais sintéticos como o polietileno (PE) e o poliestireno (PP). Nesse sentido, polímeros oriundos de fontes naturais têm sido muito estudados nas últimas décadas(1-2). O amido, em particular, se tornou uma interessante alternativa para o desenvolvimento de filmes poliméricos devido à sua alta disponibilidade, ao baixo custo, renovabilidade e características comestíveis(3-4). Entretanto, sua alta solubilidade em água leva a propriedades de barreira insuficientes(5). Assim, ele se mostra inadequado para a maioria das aplicações, devendo ser modificado quimicamente ou fisicamente para otimizar suas propriedade(6). Ácidos policarboxílicos como o ácido málico são usados como aditivos para reticular a matriz de amido, visando à melhoria de suas propriedades físicas(7).

A incorporação de cargas vegetais em matrizes poliméricas é amplamente reportada em estudos sobre a modificação e otimização de propriedades da matriz polimérica, e materiais ricos em celulose, hemiceluloses e lignina, obtidos como resíduos agroindustriais e alimentícios, que podem ser usados como fonte de matéria-prima, são considerados estratégicos para a redução do desperdício industrial(8). A erva-mate (Ilex paraguariensis), que pode ser usada como carga vegetal, tem grande relevância na economia da América do Sul, sendo cultivada na Argentina, Brasil e no Paraguai(9).

Até o momento são poucas as publicações sobre o uso de extrato de erva-mate na produção de filmes à base de amido plastificado, em substituição a materiais sintéticos usados na fabricação de revestimentos ou na produção de embalagens para alimentos(12). Este trabalho aborda a incorporação de extrato de erva-mate em filmes de fécula de batata, avaliando a sua influência nas propriedades físicas dos filmes. Além disso, pretendese analisar as propriedades de barreira dos filmes pelo uso de ácido málico como aditivo.

 

Materiais e métodos

Materiais

Para a realização deste trabalho usou-se fécula de batata, doada pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), glicerol P.A./ACS (NEON), erva-mate comercial (Ilex paraguariensis) (Lago Verde, Brasil) e ácido málico (DL) P.A. (Êxodo Científica).

 

Preparação do extrato de erva-mate

O extrato usado na produção dos filmes foi preparado por meio da infusão de 3 g de erva-mate peneirada em 100 g de água destilada, com temperatura inicial de 80 °C, sob agitação(12-13). Após cinco minutos, o líquido foi filtrado e resfriado até apresentar temperatura ambiente.

 

Preparação dos filmes de fécula de batata

A matriz polimérica foi desenvolvida misturando-se 5 g de fécula de batata (FB) em glicerol (1 g) e água destilada (94 g). Para a preparação das amostras contendo extrato de erva-mate (EM), uma fração de água destilada foi substituída pela concentração de extrato (1, 10 e 20 g). Os sistemas foram homogeneizados sob agitação constante em temperatura de 100 °C até que ocorresse a completa gelatinização do amido, sendo em seguida pesados e vertidos em placas poliméricas até obterem massa de 30 g. O mesmo método foi usado para preparar amostras contendo teor de 0,5% de ácido málico (AM) em massa, com proporcional diminuição da fração de água destilada usada. Após a realização do casting, as placas contendo os filmes foram conduzidas à estufa e submetidas à temperatura de 30 °C por aproximadamente 24 h, sob ventilação. As amostras produzidas estão descritas na tabela 1.

Tab. 1 – Formulações dos filmes de fécula de batata (FB) com extrato de erva-mate (EM), com e sem adição de ácido málico (AM).

 

Caracterização

A superfície dos filmes poliméricos foi avaliada usando o sistema de medição de cores CIELab, em concordância com a norma ASTM D2244-15. O ensaio de absorção de umidade consistiu na exposição de cinco amostras de cada formulação à solução saturada de cloreto de sódio e solução saturada de sulfato de potássio, visando simular ambientes de umidade relativa de 75% e 98%, respectivamente. As soluções aquosas foram preparadas de acordo com a norma E 104-02, e as amostras foram pesadas. A molhabilidade da superfície foi determinada segundo a norma ASTM D 7334-08, considerando o ângulo de contato formado entre uma gota de água e a superfície dos filmes. Os ângulos foram medidos em 3 s e 180 s após o contato com a água, a fim de avaliar a estabilidade do material. Foram consideradas seis medidas para cada amostra, com auxílio do software Surftens.

 

 

Resultados

As variações colorimétricas apresentadas por filmes produzidos com teor crescente de erva-mate em sua formulação são mostradas na tabela 2. Um exemplo das alterações de cor pode ser visto na figura 1, que traz um comparativo entre a amostra de fécula de batata (FB) e a amostra contendo 20% de extrato de erva-mate (FB20EM). O parâmetro L*, que corresponde à análise de luminosidade, sofreu diminuição proporcional ao aumento do teor de erva-mate adicionado à formulação, indicando uma diminuição da transparência dos filmes. A diminuição do canal de cor a* sugere tendência ao esverdeamento, que pode ser identificada nos filmes (figura 1). O aumento dos valores obtidos para o canal b* está associado ao amarelamento, o qual se mostra superior para a série de amostras produzidas sem o uso de ácido málico.

Fig. 1 – Aspectos colorimétricos de filme polimérico de fécula de batata, à esquerda, e de formulação contendo 20% de extrato de erva-mate em sua composição, à direita.

No que tange ao parâmetro g, relacionado ao índice de brilho, constatou-se uma significativa redução dos valores associados ao aumento do teor de erva-mate usado, tendências que já foram abordadas na literatura (4, 12). Destaca-se a diferença verificada nos filmes contendo ácido málico, que apresentaram consideráveis valores para este parâmetro.

A figura 2 mostra a porcentagem de absorção de umidade em filmes poliméricos contendo teor crescente de extrato de erva-mate em sua formulação, além da presença ou não de ácido málico como aditivo para comparação de suas propriedades físicas. Observa-se que a maior cinética de absorção de umidade ocorre após duas horas do início do ensaio, tendendo a tornar-se mais lenta nas medições subsequentes.

Fig. 2 – Absorção de umidade em relação ao tempo de exposição em série de amostras submetidas a meio aquoso de (a) NaCl, sem presença de ácido málico na formulação; (b) NaCl, contendo ácido málico; (c) K2SO4, sem ácido málico; (d) K2SO4, com ácido málico

Comparando as curvas obtidas em diferentes meios aquosos, verifica-se um aumento significativo da absorção de umidade em amostras expostas a ambiente de 98% de umidade relativa com sulfato de potássio (figuras 2-c e 2-d), as quais obtêm um acréscimo superior a 50% à sua massa inicial após seis horas de exposição. Nessas condições não foram observadas diferenças consideráveis entre as distintas formulações. Entretanto, para 75% de umidade relativa (figuras 2-a e 2-b), a adição de ácido málico diminuiu significativamente a capacidade de absorção de umidade dos filmes. Isso é esperado, uma vez que os grupos funcionais do ácido málico são capazes de se interconectar com as moléculas de amido por meio de ligações cruzadas intermoleculares covalentes, aumentando a sua massa molecular, diminuindo a quantidade de grupos hidroxilas e diminuindo a higroscopicidade da superfície do filme, melhorando assim suas propriedades físicas de barreira(6-7, 14).

É importante destacar que a incorporação do extrato de ervamate também parece contribuir para a obtenção de valores mais baixos de teor de umidade (figuras 2- a e 2-b). Nesse caso, o aumento da concentração de extrato (1-20% m/m) não pareceu influenciar esse comportamento, indicando que uma concentração de 1% já é suficiente para modificar as propriedades de barreira da matriz de amido. A erva mate apresenta em sua composição um alto teor de compostos fenólicos, que são miscíveis com a amilose da fécula de batata, possibilitando a formação de ligações de hidrogênio entre o amido e a água. As interações covalentes entre os polissacarídeos e os compostos fenólicos podem limitar a disponibilidade de grupos hidroxila para formar ligações hidrofílicas com a água, levando a uma diminuição da afinidade dos filmes pela umidade(12).

Tab. 2 – Resultado da análise de luminosidade (L*), dois canais de cores (a* e b*) e brilho (g) para filmes de fécula de batata (FB) com extrato de erva-mate (EM), com e sem presença de ácido málico (AM).

Para caracterizar a natureza do material em relação à sua molhabilidade, foram feitas medições do ângulo de contato entre uma gota de água e a superfície de cada sistema. A tabela 3 mostra as variações do ângulo medido para cada formulação. O acompanhamento apresentou valores máximos ao começo do teste (3 s) e diminuiu com o aumento do tempo (180 s) para todas as amostras avaliadas. Particularmente, as amostras contendo ácido málico apresentaram cinética de ângulo de contato (AC) superior às que não continham o aditivo.

Tab. 3 – Cinética do ângulo de contato para filmes de fécula de batata (FB) com extrato de erva-mate (EM), com e sem presença de ácido málico (AM), medido após 3 s e 180 s de contato.

Observou-se tendência de aumento do ângulo de contato proporcional ao teor de extrato de erva-mate incorporado. Os filmes formulados com ácido málico apresentaram ângulos significativamente mais baixos, associados a uma maior tendência hidrofílica. Isso pode ser explicado pela relação entre a rugosidade da superfície do material e sua hidrofobicidade. Uma morfologia rugosa pode aumentar a fração de ar aprisionado na superfície, levando ao aumento do ângulo de contato da água (15). De fato, o uso de ácido málico aumentou drasticamente o índice de brilho dos filmes produzidos (tabela 2), indicando uma menor rugosidade superficial nestas amostras.

A figura 3 mostra as superfícies das amostras após três segundos do contato com a gota de água. Nota-se o formato esférico de gotas nos filmes sem a presença de ácido málico (figuras. 3-a e 3-b), ao passo que nas amostras aditivadas com ácido elas se espalham facilmente pela superfície polimérica (figuras 3-c e 3-d).

Fig. 3 – Superfície das amostras após contato com gota de água: (a) FB; (b) FB20EM; (c) AM; (d) AM20EM

 

Conclusão

Pela técnica de casting foi possível produzir filmes poliméricos biodegradáveis de matriz de fécula de batata com diferentes teores de extrato de erva-mate, avaliando o uso de ácido málico como aditivo de barreira. A incorporação da ervamate aumentou a intensidade do amarelamento e esverdeamento dos filmes. Entretanto, o uso de ácido málico levou a um significativo aumento dos índices de brilho das amostras, podendo ser associado à formação de superfícies com menor rugosidade. Observou-se uma menor absorção de umidade nas formulações contendo ácido málico, sugerindo uma melhoria nas propriedades de barreira da matriz polimérica. A incorporação do extrato de erva-mate também proporcionou a redução da hidrofilicidade dos filmes. Entretanto, o ângulo de contato para as amostras aditivadas com ácido se mostrou muito inferior em comparação aos filmes que tiveram apenas extrato de erva-mate incorporado. Esta tendência hidrofílica pode estar relacionada à redução da rugosidade do material, a qual facilitaria o espalhamento da água em sua superfície.

 

Reconhecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao Laboratório de Materiais Poliméricos (LaPol) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pela infraestrutura proporcionada, e ao Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) de Farroupilha pela doação da fécula de batata.

 

REFERÊNCIAS

1) D. S. Cha; M. S. Chinnan: “Biopolymer-based antimicrobial packaging: a review”, Critical reviews in food science and nutrition 44, 223-237, 2004.

2) X. Z. Tang et al.: “Recent advances in biopolymers and biopolymer-based nanocomposites for food packaging materials”, Critical reviews in food science and nutrition 52, 426-442, 2012 .

3) G. F. Brito et al.:“Biopolímeros, polímeros biodegradáveis e polímeros verdes”, Revista Eletrônica de Materiais e Processos 6, 127-139, 2011.

4) M. A. Knapp et al.: “Yerba mate extract in active starch films: Mechanical and antioxidant properties”, Journal of Food Processing and Preservation 43, 1- 12, 2019.

5) L. C. de Azevedo et al.: “Biodegradable films derived from corn and potato starch and study of the effect of silicate extracted from sugarcane waste ash”, ACS Applied Polymer Materials 2, 2160-2169, 2020.

6) N. Thessrimuang, J. Prachayawarakorn: “Characterization and properties of high amylose mung bean starch biodegradable films cross-linked with malic acid or succinic acid”, Journal of Polymers and the Environment 27, 234–244, 2019.

7) T. G. Dastidar, A. N. Netravali: “‘Green’ crosslinking of native starches with malonic acid and their properties”, Carbohydrate Polymers 90, 1620-1628, 2012.

8) L. Berglund et al.: “Production potential of cellulose nanofibers from industrial residues: Efficiency and nanofiber characteristics”, Industrial Crops and Products 92, 84-92, 2016.

9) M. P. Arrieta et al.: “Recovery of yerba mate (Ilex paraguariensis) residue for the development of PLA-based bionanocomposite films”, Industrial Crops and Products 111, 317-328, 2018.

10) J. P. Lima et al.: “Distribution of major chlorogenic acids and related compounds in brazilian green and toasted Ilex paraguariensis (Maté) leaves”, Journal of agricultural and food chemistry 64, 2361-2370, 2016.

11) F. Przygodda et al.: “Effect of erva mate (Ilex paraguariensis A. St.-Hil., Aquifoliaceae) on serum cholesterol, triacylglycerides and glucose in Wistar rats fed a diet supplemented with fat and sugar”, Revista Brasileira de Farmacognosia 20, 956-961, 2010.

12) C. M. Jaramillo et al.: “Biofilms based on cassava starch containing extract of yerba mate as antioxidant and plasticizer”, Starch-Stärke 67, 780-789, 2015.

13) C. M. Jaramillo et al.:“Biodegradability and plasticizing effect of yerba mate extract on cassava starch edible films”, Carbohydrate Polymers 151, 150-159, 2016.

14) M. Majzoobi et al.: “Effects of malic acid and citric acid on the functional properties of native and cross-linked wheat starches”, Starch-Stärke 66, 491- 495, 2013.

15) S. I. Kim et al.: “Preparation of topographically modified poly(L-lactic acid)-b-Poly(e-caprolactone)-b-Poly(Llactic acid) tri-block copolymer film surfaces and its blood compatibility”, Macromolecular Research 22, 1229- 1237, 2014.


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