Nas últimas décadas houve aumento significativo do uso de materiais poliméricos em substituição a materiais cerâmicos e metálicos em diversas aplicações, inclusive na indústria automobilística, onde a adoção de polímeros como o elastômero de etileno, propileno e dieno (EPDM) resulta em economia de combustível. Entretanto, os elastômeros frequentemente apresentam desempenho inferior no que tange a algumas propriedades em comparação com metais e cerâmicas, tais como resistência mecânica e térmica, resistência aos raios UV, condutividade elétrica e permeabilidade a gases. Para melhorar essas propriedades, é crucial entender como os componentes adicionados à formulação dos elastômeros afetam sua vulcanização, um processo fundamental para suas propriedades finais (1,8)
A adição de óxido de zinco (ZnO) é comum na vulcanização de elastômeros, mas sua liberação no meio ambiente traz preocupações, tornando a redução de seu teor em produtos de borracha um tema importante. Além disso, melhorar as propriedades dos elastômeros de forma eficaz e econômica envolve a adição de cargas como negro de fumo. Nos últimos anos, nanocompósitos, especialmente os que contém grafeno, têm ganhado destaque devido à grande área de interface entre a carga e a matriz, proporcionando melhorias significativas em propriedades como condutividade térmica, resistência mecânica e eficiência de vulcanização quando adicionados ao EPDM (7,9,12).
Fig. 1 – Microscopia eletrônica de varredura da amostra de GO
Este artigo resume a pesquisa realizada no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais (PMT) da Escola Politécnica da USP, sob orientação da Professora Dra. Ticiane Sanches Valera. O trabalho na íntegra pode ser encontrado na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP (6), cuja proposta é a síntese de óxido de grafeno (GO) a partir de grafita e seu uso como reforço em compósitos de EPDM.
Usando ensaios reológicos e modelos matemáticos com base em mecanismos propostos na literatura (4), o estudo analisa a influência da adição de grafeno na cinética de vulcanização desses compósitos, visando compreender como o grafeno atua em diferentes estágios do processo de vulcanização.
Métodos
A dispersão de GO foi sintetizada e obtida pelo método de Hummers modificado, e foi congelada e liofilizada. Um grama de GO liofilizado foi misturado a 150 mL de tetraidrofurano (THF) e sonicado por ultrassom de ponteira (Sonics Vibracell VCX 750), com ponteira inteiriça de 19 mm, por uma hora e a uma potência média de 55 W (amplitude de 70%). Concomitantemente, 10 gramas de EPDM foram misturados a 200 mL de tolueno e aquecidos a 60 °C por
Fig. 2 – Microscopia de força atômica da amostra de GO: a) topografia de área com 5x5 μm da dispersão de GO sobre substrato de mica; b) perfil topográfico das linhas 1, 2 e 3 apresentadas em a)
duas horas. O EPDM dissolvido e a dispersão de GO em THF foram misturados. A mistura foi aquecida em estufa a 60 °C
Fig. 3 – Densidade de ligação cruzada dos compostos de EPDM e dos nanocompósitos GO/EPDM: a) com ZnO; b) sem ZnO
durante 24 horas para completa evaporação do solvente. As massas de EPDM e GO resultantes foram misturadas no misturador interno acoplado ao reômetro de torque (Haake/PolyLab900) Rheomix 600p, por oito minutos e a 140 °C.
As formulações estudadas para analisar a cinética de vulcanização e propriedades mecânicas dos compostos de EPDM e nanocompósitos GO/EPDM são mostradas na tabela 1 e 2 respectivamente. Nessa etapa variou-se a concentração de acelerador (0,5/1,0/1,5) e de óxido de zinco (0,0/5,0). Os compostos de EPDM e nanocompósitos de GO/EPDM foram processados em misturador aberto de cilindros, Mecanoplast, modelo C400, pré-aquecido a 60 °C. O elastômero foi previamente
misturado durante três minutos. Cada componente da formulação foi adicionado e misturado individualmente durante cinco minutos. As análises de microscopia topográfica e de perfil topográfico do GO foram realizadas em microscópio de força atômica MultiMode VIII (Bruker) do LNnano, situado no CNPEM/MCTI. A microscopia eletrônica de varredura (MEV) foi feita com equipamento modelo Inspect F50 da marca FEI, do Laboratório de Microscopia Eletrônica de Força Atômica (LabMicro) do PMT/EPUSP. Usou-se tensão de aceleração de 5 kV e 10 kV na análise de elétrons secundários.
Todas as formulações do composto de EPDM e do nanocompósito GO/EPDM foram submetidas ao ensaio de reometria de disco oscilatório (ODR) em um equipamento da marca Team, conforme a norma ASTM D2084, nas temperaturas de 160, 170 e 180 °C, durante 60 minutos. Os ensaios foram feitos no Polymer Lab (PolLab) – Escola Politécnica da USP. O ensaio de inchamento foi feito em todas as formulações, vulcanizadas em prensa. O tempo de vulcanização usado foi o t90 das formulações com ZnO. Os resultados obtidos foram submetidos à equação de Flory – Rehner, com correção para o volume de GO presente nas amostras dos nanocompósitos.
Para a análise da cinética de vulcanização foi usado o modelo de Coran (4), que propôs um mecanismo que leva em consideração distintas etapas, para as concentrações iniciais da reação, de acordo com o que é mostrado nas equações a seguir:
Nas quais A é o agente sulfurante ativo, B é o precursor de reticulação, B* é uma forma ativada de B, Vu é a ligação cruzada e a e β são parâmetros estequiométricos ajustáveis, ao passo que k1, k2,k3 e k4 são constantes cinéticas de cada
etapa da reação. Para determinar as constantes de cinética do modelo mencionado anteriormente, foram propostas as seguintes equações:
Em que CA é a concentração de aceleradores, U é o número de mols de ligações duplas por 100 gramas de elastômero e MA é a massa molar do acelerador, enquanto O tdis é o tempo requerido para a reação de reticulação tornar-se uma reação de primeira ordem. Para usar o modelo, Coran assume que: k1/ k2 = Z.
Resultados
A figura 1 mostra a imagem de MEV das partículas de GO com aumento de 1.500 vezes. Nota - se a presença de algumas folhas de GO com espessura em escala nanométrica e largura de dezenas de micrômetros. A figura 2 a) e b) mostram a microscopia de força atômica (AFM) da topografia da amostra de GO e o gráfico de perfil de altura, respectivamente. A análise do perfil topográfico das linhas 1, 2 e 3 indica que essa estrutura tem cerca de 2 nm de espessura. O espaçamento entre as camadas da grafita é de aproximadamente 0,34 nm, e quando as folhas de grafeno possuem grupos oxigenados entre as camadas (11), o espaçamento pode ser de aproximadamente 0,76 nm (10).
Assim, a estrutura mostrada na figura 2 a) deve ter entre duas (com grupos oxigenados) e seis (sem grupos oxigenados) camadas, podendo, portanto, ser considerada uma estrutura de grafeno multicamadas (2).
As tabelas 3 e 4 mostram os valores do torque mínimo (Ml), torque máximo (Mh), da diferença entre Mh e Ml (ΔM), de tempo necessário para que 90% da cura ocorra (T90) e de tempo requerido para a reação de reticulação tornar-se uma reação de primeira ordem (tdis) obtidos por ensaio de reometria de disco oscilatório (ODR), para as formulações em diferentes temperaturas de vul-
Fig. 4 Fig. 4 – Mecanismo proposto para a participação do GO na reação de vulcanização do EPDM acelerado com CBS. Adaptado ao modelo de Coran (4)
canização, assim como as constantes cinéticas calculadas a partir do modelo de Coran. A figura 3 mostra a comparação dos resultados da análise de inchamento para os compostos de EPDM e os nanocompósitos EPDM/GO, vulcanizados a 170 °C. As formulações dos nanocompósitos EPDM/GO com ZnO apresentaram maiores valores de densidade de ligação do que as formulações do composto de EPDM. Nas formulações sem ZnO o resultado foi o inverso, ou seja, maiores valores de densidade de ligação cruzada para os compostos de EPDM do que para os nanocompósitos.
Para analisar qual etapa da reação é influenciada pelo GO, as formulações com ZnO e diferentes concentrações de CBS foram analisadas usando o modelo de Coran. Observou-se que as constantes k1 e k2 e a razão k4/k3 dos nanocompósitos apresentaram resultados similares aos apresentados pelos compostos de EPDM. Ou seja, maiores valores de k1 para menor concentração de acelerador, maior valor de k2 para maior concentração de acelerador e maior razão k4/k3 para menor concentração de acelerador. Já foi reportado na literatura (3,5) que a introdução de grupos carboxila (-COOH) e hidroxila (-OH) nas paredes de nanotubos de carbono permitem a formação de tiol (–SH), tioester (–CSOR) e ditioester (–CSSR), quando
em contato com enxofre. O mesmo deve acontecer nos grupos presentes no GO. Logo, o GO participaria da reação de vulcanização, conforme já foi proposto pela literatura (13).
Para justificar o aumento da densidade de ligação cruzada com a adição de GO em formulações com ZnO, este trabalho propõe um mecanismo de vulcanização conforme mostrado na figura 4. Algumas etapas serão abordadas neste capítulo separadamente. Nesse mecanismo as partículas de GO reagem com o enxofre formando GOS, assim como o acelerador (A’) e o íon de zinco (Zn++) formam um intermediário de agente sulfurante ativo (A’Zn++), que é uma forma mais reativa do que o acelerador (A’). Há também a interação entre o intermediário de agente sulfurante ativo (A’Zn++) e um agente sulfurante sem zinco (A’’), resultando em um produto com agente sulfurante ativo (A’’Zn++).
Vale lembrar que tanto A’’ como A’’Zn++ são agentes sulfurantes e podem interagir com a molécula de EPDM para a formação do precursor de ligação cruzada com rotas independentes (B1 e B2). Entretanto, esse trabalho propõe que a interação com GOS é feita apenas pela forma mais ativa do agente sulfurante, ou seja, A’’Zn++. Assim, A’’Zn++ dará origem tanto ao B2 sem GO como B2GO. Isso vai induzir ao aumento de k1, uma vez que essas etapas são mais rápidas do que a reação que forma B1 (reação que não envolve GO). O inverso acontece com a dissociação do fragmento de acelerador para gerar precursor de ligação cruzada ativo (B2GO* ou B2*), que é dificultada pela presença do Zn++. A dificuldade da dissociação vai induzir à di- minuição de k2 em formulações com GO, uma vez que essas etapas são mais lentas do que a formação de B1* (reação que não envolve GO).
O aumento da razão k4/k3, em formulações com GO, ocorre porque o elétron desemparelhado em B2* ou B2GO* está mais próximo da estrutura do polímero ou do GO, respectivamente, e seu ataque à outra cadeia polimérica será mais difícil de acontecer do que o ataque ao agente sulfurante ativo (A).
Conclusão
As formulações dos nanocompósitos sem ZnO apresentaram menor densidade de ligação quando comparadas às dos compostos de EPDM sem ZnO. Entretanto, as formulações dos nanocompósitos na presença de ZnO apresentaram maior densidade de ligações cruzadas quando comparadas às dos compostos de EPDM com ZnO. Por análise das constantes calculadas, notou-se uma relação entre a proporção ZnO/acelerador e a velocidade das reações envolvidas. O aumento desta razão, em geral, favorece a formação de precursores de ligação cruzada, caracterizada pela constante de velocidade k1. Esse aumento também desfavorece a dissociação de fragmentos de acelerador para formação de precursor de ligação cruzada ativo, observado com a diminuição da constante k2. Notou-se também que o aumento da proporção de ZnO na formulação levou ao aumento do valor da razão k4/k3, o que indica maior dificuldade da formação de ligação cruzada por parte do precursor de ligação cruzada ativo em relação a uma possível interação com fragmentos de acelerador ou até mesmo com o agente sulfurante, quando comparado com formulações com maior concentração de acelerador.
Essa análise permitiu propor uma adequação do mecanismo de vulcanização para as reações na presença de GO, no qual o agente sulfurante ativo polissulfídico (A’’Zn++) reage com o GO formando precursores de ligação cruzada. O estudo detalhado com controle adequado da participação do GO no processo de vulcanização pode trazer melhora significativa para as propriedades mecânicas da borracha, como a resistência à tração, a elasticidade e a durabilidade, tornando o material adequado para uma variedade de aplicações.
REFERÊNCIAS
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