Plásticos na atualidade
Os plásticos estão presentes no cotidiano, desde peças para eletrônicos até tecidos poliméricos e embalagens, o que resulta em uma grande quantidade de resíduos, levando milhares de anos para se degradar no meio ambiente. Conforme os dados do Banco Mundial, o Brasil é o quarto maior produtor de resíduos plásticos, com 11,3 milhões de toneladas/ano destinadas incorretamente, e com consequente impacto ambiental. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief), 80% dos filmes produzidos no País são destinados à produção de embalagens, e o setor de embalagens plásticas flexíveis registrou em 2022 uma produção de 2.167 toneladas. Ainda segundo a instituição, em 2022 a produção brasileira de embalagens plásticas flexíveis consumiu 2.167 toneladas de resinas, divididas em polietileno de baixa densidade (PEBD) e polietileno linear de baixa densidade (PEBDL), 74%; polipropileno (PP), 16%; e polietileno de alta densidade (PEAD), 10%.
Esta problemática também é destacada por Godoi (2023) em sua reportagem no site da empresa eeCo Sustentabilidade. Segundo a autora, no setor de embalagens o uso de biopolímeros pode se caracterizar como um investimento sustentável porque na raiz da oferta do produto está uma matriz de origem renovável, ao passo que as embalagens tradicionais, feitas de plásticos convencionais, possuem matriz ainda atrelada às fontes não renováveis. Ainda segundo ela, o setor brasileiro de embalagens se apresenta, em alguns aspectos, como altamente avançado e competitivo internacionalmente, com empresas que atuam no País, exportam seus produtos, investem e desenvolvem design e tecnologia, bem como inovam.
A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável corresponde a um conjunto de programas, ações e diretrizes que orientarão os trabalhos das Nações Unidas e de seus países-membros rumo ao desenvolvimento sustentável. Concluídas em agosto de 2015, as negociações da Agenda 2030 culminaram em documento que propõe 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas correspondentes, fruto do consenso entre delegados dos Estados Membros da ONU. Os ODS são o cerne da Agenda 2030 e sua implementação ocorrerá no período 2016- 2030. Entre os 17 objetivos, destaca-se para este estudo o objetivo 12 (figura acima), que abrange a produção e o consumo sustentáveis, a fim de reduzir os resíduos produzidos, tornar a produção verde e minimizar o impacto ambiental causado pelo excesso de lixo descartado no meio ambiente. Assim, conforme os objetivos da Agenda 2030, a produção de bioplástico usando glicerina residual da produção de biodiesel através do óleo de fritura contribuiu para o cumprimento do objetivo 12, em que possibilita o reaproveitamento de materiais que seriam descartados, visando ao uso deles na produção de bioplásticos destinados à fabricação de embalagens plásticas.
Produção de ovos no Brasil
De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (Abpa), 52,068 bilhões de ovos foram produzidos no Brasil em 2022, sendo o destino da sua produção o mercado interno (99,6%) e exportação (0,4%). O consumo per capita considerado é de 254 ovos. Também se faz necessária uma preocupação com a forma com que esses produtos chegarão ao consumidor, ou seja, são necessárias embalagens que sigam critérios de modo a causar o menor impacto ambiental possível. Para que os alimentos sejam comercializados de forma segura são necessários certos cuidados na sua produção e, inclusive, com a embalagem, que não pode ter, por exemplo, interações significativas que modifiquem as características do alimento, além de proporcionar condições ideais de temperatura para que ele fique condicionado pelo tempo determinado.
Outro ponto de atenção consiste no aspecto visual da embalagem, uma vez que deve proporcionar a visualização do alimento, principalmente no caso dos perecíveis. Atualmente, as embalagens plásticas usadas para o acondicionamento de ovos são feitas de politereftalato de etileno (PET), material oriundo de fonte não renovável. Esse cenário sugere que um bioplástico transparente, produzido a partir de fontes renováveis, seria uma boa alternativa.
Produção de bioplástico a partir do amido
O amido é um polímero natural cristalino presente em diversos alimentos, que tem grande potencial na fabricação de bioplásticos e comercial. Na produção de bioplástico a partir do amido, o ácido acético atua na quebra das ramificações da amilopectina presente, o que facilita a formação do plástico. Assim, a amilase e a amilopectina, agora não ramificada, são gelatinizadas pela presença de água em excesso e calor.
Papel da glicerina na produção de bioplástico
Na produção de bioplástico a glicerina atua como agente plastificante, ou seja, proporciona o aspecto moldável, além de conferir resistência, uma vez que se coloca entre as camadas de moléculas de amido reduzindo interações que fariam o material ser mais rígido. Para que o produto esteja de acordo com a química verde, é interessante o uso da glicerina obtida como subproduto da produção de biodiesel, um resíduo que seria descartado. Esse reagente é obtido em parceria com a Universidade de Vassouras, situada no município de Vassouras (RJ), instituição que tem recebido o selo “IES Socialmente Responsável”, anualmente avaliado pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes).
Em maio de 2022 teve início a produção de biodiesel em escala semi-piloto pelo projeto de extensão universitária “BioVassouras”, conduzido em parceria com a Prefeitura do município de Vassouras por meio da Secretaria do Ambiente, Agricultura e Desenvolvimento Rural, seguindo o Programa de Educação Ambiental do Município de Vassouras (Promeav). Este programa, com sua versão preliminar elaborada pela Universidade de Vassouras, foi instituído pela Lei Municipal No. 3.200, de 06 de abril de 2020, com o objetivo de implantar e executar ações e metas voltadas para a educação ambiental no município de Vassouras (RJ), em conformidade com o Plano Nacional de Educação Ambiental, dado pela Lei No. 9.795/ 199, estabelecendo diretrizes para estimular a preservação ambiental, de acordo com os princípios de sustentabilidade.
Metodologia para produção de bioplástico
Bioplástico produzido com glicerina comercial
Em um béquer adicionou-se amido de batata e água destilada na proporção de 1/5, juntamente com 10 mL de ácido acético glacial e 10 mL de glicerina. A mistura foi aquecida a 200 °C sob agitação por um período de 15 a 20 minutos. Após o aquecimento, o fluido formado foi vertido para placas de petri para a secagem em temperatura ambiente até a formação do filme polimérico. Para comparação, foi realizada outra produção com quantidades inferiores de ácido e glicerina, correspondentes a 5 e 6 mL respectivamente. A fim de testar o aspecto do bioplástico formado, uma quantidade do primeiro biopolímero produzido foi vertido em uma embalagem plástica de ovos até que estivesse completamente seco.
Bioplástico produzido com glicerina residual
Foram feitos dois ensaios usando as mesmas proporções de água e amido de batata dos testes anteriores, com iguais variações de ácido acético e glicerina residual da produção de biodiesel. Para obter melhores resultados, a glicerina foi aquecida a 50 °C a fim de diminuir sua viscosidade e garantir melhor homogeneização da mistura. Após este preparo, as placas de petri contendo o bioplástico foram submetidas à secagem em temperatura ambiente. Também foram feitas observações das propriedades organolépticas do polímero obtido, além de considerações sobre sua aplicabilidade na produção de embalagens. Assim, o primeiro polímero foi moldado em uma embalagem de ovos e submetido à secagem em temperatura ambiente.
Resultado
Bioplástico produzido com glicerina comercial
Após a produção observou-se a formação de polímeros com aspecto opaco. O produto seco se mostrou pouco resistente, além de ainda apresentar grande maleabilidade, o que não seria positivo para embalagens de ovos. A variação da quantidade de ácido reduziu o odor desagradável notado na primeira produção, e a quantidade menor de glicerina resultou em um polímero com secagem inicial mais lenta, o que facilitou a moldagem. A figura acima mostra um protótipo de embalagem que obteve o formato desejado. Porém, devido à forma rudimentar de moldagem, não apresentou uniformidade de espessura. Além disso, a rigidez da estrutura ainda não se mostrou suficiente para suportar o peso de ovos, e em alguns pontos o material pôde ser facilmente rasgado.
Bioplástico com glicerina residual
Os bioplásticos produzidos apresentaram coloração amarelada devido à coloração da glicerina residual, que pode ser melhorada por tratamento mais minucioso do reagente. Comparando os dois filmes produzidos constatou-se uma diminuição do odor característico com a diminuição da quantidade de ácido e, assim como o anterior, a diminuição da glicerina permitiu uma melhor moldagem na placa. Diferentemente do polímero com glicerina comercial, este apresentou maior resistência à tração, além de maior rigidez, o que é essencial para a produção da embalagem. Nesse sentido, é evidente que o uso da glicerina residual é muito promissor, a qual, em muitos aspectos, se mostrou mais adequada que a sua equivalente comercial.
O protótipo feito com glicerina residual apresentou melhor rigidez, porém a sua estrutura craquelou e não houve a formação da embalagem como no experimento descrito anteriormente. Tal fato pode estar relacionado ao uso da própria embalagem de PET como molde, que após receber o bioplástico, com alta temperatura, apresentou deformação.
Conclusão
Ainda que sejam preliminares os resultados apresentados, destacase o reaproveitamento promissor do uso de glicerina residual proveniente da produção de biodiesel. Novos estudos serão realizados a fim de obter informações sobre as propriedades físicas e mecânicas do biopolímero a partir de diferentes ensaios como, por exemplo, testes de solubilidade, permeabilidade ao vapor de água, degradação, espessura e ensaio de tração. Os resultados obtidos sugerem a potencialidade de aplicação do bioplástico produzido e o uso dele na produção de embalagens para alimentos.
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