Hellen C. O. Souza e Adalberto Rezende*
Data: 27/04/2019
Edição: PI Fevereiro 2018 - Ano 20 - No 234
Compartilhe:De acordo com as pesquisas anuais realizadas por Plástico Industrial junto a transformadores, 99% das empresas que injetam materiais plásticos possuem moinhos para recuperação de sobras de processo como borras, aparas e canais de alimentação. Isso seria um indicador de sustentabilidade da cadeia, se não considerássemos o grande volume de plásticos pósconsumo que circula após o uso, e cuja destinação nem sempre é a reciclagem. A situação se complica quando esses materiais são contaminados, compostos, laminados ou multicamadas, com triagem e separação complexas, tendo por isso menor valor de mercado.
Algumas empresas resolveram, no entanto, encarar esse desafio e estão desenvolvendo soluções para reciclar materiais “difíceis” e reintroduzi-los na cadeia de valor das próprias organizações que lhes deram origem, ou ainda, oferecê-los na forma de grânulos ao mercado de transformação de plásticos. E o melhor, com garantia da qualidade, tendo em vista o engajamento dessas empresas em pesquisa e desenvolvimento, muito frequentemente em parceria com instituições de ensino e pesquisa.
A Boomera, sediada em São Paulo (SP), e com instalações industriais em Cambé (PR), por exemplo, é uma recicladora criada em 2012 com atuação voltada para “o que não tem solução”, na definição de seu CEO, Guilherme Brammer. Entre os materiais processados pela empresa estão filmes multicamadas, embalagens flexíveis de sabão, embalagens laminadas de salgadinhos contendo BOPP e embalagens flexíveis de refrescos, baseadas no sanduíche de materiais composto por PE, PET e alumínio, além das cápsulas de café, estas extremamente complexas.
A empresa trabalha em duas frentes: como prestadora do serviço de reciclagem e reuso das embalagens para as empresas que as empregam em seus produtos, integrando o esquema de logística reversa dessas companhias; e como fornecedora de grânulos de resina reciclada (PCR, de post-consumer resin) para o mercado de transformação. Neste caso, oferta ao mercado grades de PEAD, PEBD e PP.
A empresa comprou recentemente a unidade de lonas agrícolas da Bemis, em Cambé (PR), onde funciona hoje a sua unidade fabril. Na fabricação das lonas são empregados teores de PEAD e PEBD reciclado que vão de 40% a quase 100%, conforme a especificação.
No caso das cápsulas de café da marca Dolce Gusto (Nestlé), cuja composição inclui materiais diversos como PET, PP, EVOH e PE, a empresa desenvolveu uma formulação em que são empregados todos esses polímeros e mais aditivos de homogeneização, além de compatibilizantes que levam à obtenção de grânulos compostos que darão origem aos vasos para a plantação das mudas de café nas fazendas que abastecem a própria fabricante das cápsulas. O volume desse material processado hoje é de 10 toneladas/mês.
O mesmo acontece com o material laminado empregado nas embalagens stand up pouch usadas pela Natura para envasar a linha de cosméticos Sou. Os filmes reaproveitados são usados na fabricação de tampas de PP para embalagens dos flaconetes em que são envasadas amostras de perfumes da marca.
Os produtos próprios da Boomera incluem filmes, lonas e produtos injetados, em que são usados basicamente materiais provenientes de processos de reciclagem mecânica. A empresa, no entanto, possui um laboratório dentro da escola de engenharia de materiais da Universidade Mackenzie (São Paulo, SP), onde está sendo desenvolvida uma pesquisa para a recuperação química dos resíduos complexos via solubilização. O objetivo é encontrar um ponto comum de solubilização de todos os materiais envolvidos, desenvolver uma emulsão e posteriormente um monômero que possa retornar para a indústria química como base para diversos produtos.
Para caracterizar essa emulsão e encontrar mercado para ela estão sendo usados recursos de inteligência artificial, machine learning e Internet das Coisas (IoT). As especificações técnicas da emulsão são alimentadas em um sistema que as confronta com uma grande base de dados contendo formulações patenteadas por fabricantes de produtos químicos como tintas, por exemplo. Programadores “ensinam” as máquinas a promover o encontro entre os fornecedores da emulsão e as indústrias com demanda potencial. “É praticamente um ‘Tinder do lixo’”, afirmou Guilherme Bammer, ao comparar o sistema à conhecida plataforma de relacionamento que promove encontros entre pessoas.
Os próximos desenvolvimentos em parceria com a Universidade Mackenzie visam à recuperação de fraldas e absorventes pós-consumo (sim, pós-consumo!). O entrevistado adianta que uma importante conquista desse projeto foi o método de esterilização, que acabou por quebrar a cadeia molecular do gel usado nesse tipo de produto, permitindo o retorno ao polímero de celulose e posterior obtenção de PE e PP usados para injetar novos produtos. A produção de filamentos para impressão 3D, em parceria com o laboratório de grafeno da universidade, é outra promessa dessa parceria, o que comprova que mesmo o lixo mais complicado tem solução.
Na Faculdade Senai de Tecnologia Ambiental, que funciona no Senai Mário Amato, em São Bernardo do Campo (SP), a reciclagem dos resíduos da fabricação de fraldas descartáveis enfrentou um outro desafio: processar todos os materiais que, combinados, asseguram o desempenho das fraldas, tais como celulose, compostos sintéticos à base de sódio, filme de polietileno, entre outros. Parte desse resíduo é conhecida como “PP fraldinha”, é bastante abundante e disputada por recicladores. Porém, a presença de materiais diversos dificulta o seu processamento.
Em uma primeira abordagem, o material foi aglutinado na condição em que foi recebido, ocasionando a geração de vapor que impediu o seu processamento. O dilema foi resolvido com a aglutinação juntamente com uma determinada fração de PP virgem, o que possibilitou a obtenção de borras que posteriormente foram moídas, colocadas em estufa para desumidificação e injeção de corpos de provas. Seguiu-se a isso a definição de alguns produtos isentos de grande responsabilidade técnica para serem injetados, tendo em vista que o desempenho do material ainda era incerto. Os primeiros itens foram esquadros para uso escolar. Numa etapa posterior foram injetadas autopeças de cor preta e acabamento texturizado para o mercado de reposição, tais como pequenas tampas utilizadas em painéis automotivos para acabamento e parafusos, cantos e orifícios.
Em parceria com o Instituto de Pesca e a Fundação Florestal, a Faculdade Senai de Tecnologia Ambiental realiza desde 2016 uma série de pesquisas com o material das redes de pesca que são coletadas no oceano pela Fundação Florestal, órgão do Governo do Estado de São Paulo. Dezenas de quilômetros de redes que ocasionam sérios riscos ao meio ambiente e à vida de animais marinhos retornam para os laboratórios da instituição para que seja feita a recuperação da poliamida 6 usada na sua fabricação.
Em parceria com a P&P Polímeros (São Bernardo do Campo, SP), o tecido da rede de pesca, fabricado com monofilamento de poliamida, é separado de apetrechos como chumbo, cabos e bóias, higienizado e alimentado diretamente no funil de extrusoras do tipo cascata, para regranulação. Os grânulos de poliamida, que podem ser aditivados e pigmentados, seguem para empresas de diferentes ramos, tais como o automotivo, onde podem ser usados na fabricação de tubos para resfriamento do motor. Segmentos diversos como a indústria moveleira (trilhos, esquadrias, buchas para paredes) e o de brinquedos são também potenciais consumidores.
As pesquisas no Senai prosseguem, com especial atenção à caracterização da poliamida, tendo em vista a sua aplicação em outros produtos, à medida que novas propriedades são identificadas.
A Tetra Pak, fabricante das embalagens cartonadas também conhecidas como “longa vida”, há cerca de 20 anos promove a recuperação desses itens, mas recentemente passou a dar uma destinação mais específica para o plástico obtido neste processo.
Tab. 1 – Propriedades do composto PEBD/alumínio desenvolvido pela Tetra Pak e parceiras | |
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Ensaio | Resultado |
Índice de fluidez (g/10 min) – ASTM D 1238 | 3,8 |
Dureza Shore D – ASTM D 2240 | 24,9 |
Densidade (g/cm3) – ASTM 570 | 1,02 |
Resistência à tração (MPa) – ASTM 638 | 11,0 |
Alongamento até a ruptura (%) – ASTM 638 | 39,0 |
Módulo de elasticidade (MPa) – ASTM 638 | 177,6 |
Resistência ao impacto em ensaio Izod A (MPa) – ASTM D 256 | 302,0 |
As embalagens são compostas por seis camadas de material, distribuídas percentualmente como 75% de papel, 20% de PEBD e 5% de alumínio. Sendo assim, o primeiro elo da cadeia de reciclagem está na indústria papeleira, que efetua a separação dos materiais, retém a polpa de material celulósico para recuperação e reinserção na indústria de papel e processo de tratamento que consiste em descontaminação e trituração, e que os torna próprios para reuso na indústria de transformação. Se comercializado na forma de fardo, o material pode ser prensado a quente e dar origem a placas para produção de mobiliário, tapumes e telhas com boas propriedades de resistência mecânica. De acordo com Valéria Michel, diretora de meio ambiente da Tetra Pak, já existem no Brasil 15 empresas moldando este tipo de telha.
Quando se destinam à indústria de transformação, as aparas de PE/ alumínio podem ser moídas e aglutinadas com outros materiaisbase para a formulação de compostos ou masterbatches com efeito perolizado, conferido pelas partículas de alumínio; ou ainda, micronizadas para serem adicionadas a polímeros em pó destinados à rotomoldagem. Outra possibilidade é seguirem para a extrusão e produção de grânulos aditivados com agentes compatibilizantes ou pigmentos, o que assegura a sua estabilidade durante processos de moldagem como injeção, sopro e extrusão de filmes, perfis, tubos, mangueiras, chapas etc.
“O material é muito constante em termos de propriedades, e a presença de alumínio nos grânulos lhe confere resistência à abrasão”, informou Valéria.
O desenvolvimento de aplicações para os grânulos é permanente e já rendeu desde a fabricação de tubos para canetas com efeito perolizado até pisos desmontáveis, paletes, itens para escritório, para decoração e mobiliário urbano. A aditivação é o principal fator na definição de novas possibilidades de uso.
A Tetra Pak trabalha no desenvolvimento de recicladores que estão fabricando grânulos, material micronizado, blendas etc. e ofertando o material reciclado a transformadores. Interessados em adquirir ou conhecer essas resinas devem entrar em contato pelo e-mail falecom.meioambiente@ tetrapak.com.
Embora o poliestireno expandido (EPS) seja 100% reciclável, ele ainda tem status de material “difícil” devido ao grande volume, que acaba complicando aspectos logísticos da sua reciclagem. Se descartado, coletado e reprocessado de maneira correta, ele pode ser transformado em diversos produtos, tais como molduras de quadros, rodapés e material de escritório.
Visando promover a reciclagem do material, a Plastivida, instituto socioambiental dos plásticos, criou em 2015 o comitê do EPS, que busca promover ações de responsabilidade social em relação à reciclabilidade do produto, destacando suas propriedades e possíveis aplicações.
De acordo com dados da instituição, hoje são reciclados anualmente, em média, 30% do EPS pós-consumo no Brasil, índice que pode crescer ainda mais com o aumento das boas práticas de consumo e descarte dos plásticos, da coleta seletiva e logística reversa desse tipo de material.
A Isoart (Santa Tereza do Oeste, PR) recicla EPS e comercializa flakes com diâmetro de até 10 mm. Eles são obtidos a partir da trituração de embalagens utilizadas para o acondicionamento de eletrodomésticos, eletroeletrônicos e de alimentos, bem como de aparas de processos industriais. O volume mensal processado pela empresa é de aproximadamente 13 toneladas e ela se encarrega da coleta e da reciclagem do material descartado, que geralmente é comprado de cooperativas, redes de lojas, supermercados e de fábricas, ou doado por instituições, residências e órgãos do governo por meio de programas relacionados à preservação do meio ambiente.
De acordo com Mauricio de Oliveira, gerente industrial da companhia, ela está aberta a negociações visando parcerias para a comercialização e/ou fornecimento de EPS. Segundo ele, cerca de 80% dos flocos comercializados são destinados a aplicações que abrangem a construção de produtos de alvenaria, ao passo que o restante é transformado em resinas aplicadas na confecção de produtos fabricados pela empresa, destinados principalmente aos segmentos de construção civil e decoração.
Já a Santa Luzia (Braço do Norte, SC) reutiliza EPS e poliuretano termoplástico pós-consumo e pósindustrial – aparas plásticas excedentes provenientes da indústria de embalagens –, aplicando-os na fabricação da sua linha de perfis e molduras. A reciclagem de ambos os polímeros é realizada na própria empresa, consistindo em triagem, degasagem, moagem, peneiramento e peletização, sendo a matériaprima, em seguida, transformada em peças por meio de extrusão ou injeção. Entretanto, há casos em que as operações compreendem treinamento de triagem de matéria-prima e instalação de máquinas e equipamentos de degasagem in company.
De acordo com Francisco Pizzetti e Stéphanny Wiggers, gerente de P&D e engenheira de materiais da empresa, respectivamente, são processadas cerca de 500 toneladas de EPS e 12 toneladas de poliuretano por mês. A aquisição do material é feita a partir de acordos com fornecedores de embalagens plásticas, companhias recicladoras e cooperativas, em uma iniciativa que, se multiplicada em outros pontos do País, certamente renderia bons negócios associados à proteção ambiental.
Boomera – tel. (11) 2308-5175, www.boomera.com.br
Senai Mário Amato – tel. (11) 4344-5000, meioambiente.sp.senai.br
Tetra Pak – www.tetrapak.com, falecom.meioambiente@tetrapak.com.
Plastivida – www.plastivida.org.br
Isoart – tel. (45) 3231-1699, www.isoart.com.br
Santa Luzia – tel. (48) 3651-1300, www.santaluziamolduras.com.br