A indústria 4.0 é um modelo disruptivo de negócio que complementa a estrutura de produção das organizações, trazendo mais conectividade, informações e produtividade. Dada a divulgação midiática, criou-se o paradigma de que a Indústria 4.0 é exclusiva para organizações de grande porte, o que não é verdade. Indústrias de pequeno e médio porte podem e devem se adequar a novos modelos.
Para explicar a temática, a Associação Brasileira de Internet Industrial (ABII) convidou um especialista no tema para abordar como deve ser a visão de uma pequena indústria que planeja adequar novas tecnologias ao seu modelo de negócio. O convidado é Paulo Narciso Filho, CEO da HarboR, empresa de engenharia que desenvolve e integra sistemas industriais para o chão de fábrica e que é associada da ABII. Ele destaca 5 passos essenciais para a implementação eficaz.
Passo 1 – Identificar problemas reais alinhados aos objetivos estratégicos da empresa
Segundo Paulo, nenhuma tecnologia deve ser implantada na empresa se não tiver como fim facilitar que a empresa atinja seus objetivos estratégicos. A Indústria 4.0 não é exceção, portanto, antes de olhar para qualquer solução técnica, é necessário mapear quais desses objetivos podem ser buscados com o auxílio da tecnologia.
Há muitos candidatos, como redução de custos ou estoques, aumentar o percentual de entregas no prazo prometido, aumentar o mix de produtos sem inchar estoques, ou estabelecer um novo modelo de negócio que traga receita recorrente.
Um plano para “ter visibilidade da produção em tempo real” não se justifica como objetivo final, a não ser que a empresa tenha como meta estratégica “dar transparência total aos seus clientes”, e decidir fornecer diretamente a eles a possibilidade de acompanhar as próprias ordens ainda dentro da fábrica. Mas “ter visibilidade da produção em tempo real” é um excelente meio para reduzir os atrasos de entregas de pedidos, o que é um objetivo estratégico mais comum.
Para fazer o mapeamento é necessário que a empresa entenda perfeitamente todos os seus processos e como eles se combinam. É fundamental, portanto, que se entenda todo o escopo do negócio, por meio de uma visão 360 º. Isso pode ser feito com uma equipe interna que deve ser capacitada para discutir o tema.
Passo 2 – Conhecimento do que existe de tecnologia madura
Com os objetivos estratégicos em mente, é preciso identificar quais são as “travas” dos processos da empresa para atingi-los, e então buscar quais podem ser eliminadas ou minimizadas com o uso das tecnologias da indústria 4.0.
Isso significa que na equipe que está trabalhando deve existir o conhecimento de quais são as tecnologias maduras disponíveis no mercado. Se a empresa considerar que ser pioneira no uso de alguma tecnologia trará uma vantagem estratégica, pode assumir os riscos de andar por “território desconhecido”; na maior parte dos casos o ideal é que a empresa escolha tecnologias e fornecedores já estabelecidos no mercado, minimizando o risco de insucesso do projeto.
Essa análise também deve levar em consideração a concorrência, afinal esse é o principal parâmetro para medir o termômetro do mercado. Iniciar com a pergunta “O que me colocaria à frente da concorrência?” pode ser um excelente norte.
Por fim, Paulo acrescenta a importância de conhecer as soluções do mercado: “É preciso ler e se antenar, acompanhar o mercado relacionado ao próprio negócio, e quando não estiver 100% seguro de ter o conhecimento necessário, acionar um especialista. Mas não pode perder o foco do negócio, é preciso trabalhar mantendo a atenção no que a empresa já faz, para que não se perca o propósito”.
Passo 3 – Definir o foco por onde começar
Após analisar o momento atual da empresa, e relacionar problemas e oportunidades de negócio com as tecnologias disponíveis, várias opções de soluções terão sido identificadas. Agora, é preciso avaliar os impactos dos problemas, estimar o investimento necessário para cada solução, e priorizar as ações.
Problemas com impacto grande e que requerem baixo investimento são os chamados “quick wins”, as melhores oportunidades de ter um retorno alto. Devem ter prioridade sobre soluções complexas sempre que possível. É importante que os primeiros projetos, mesmo que pequenos, tenham sucesso, para a empresa ganhar confiança no conceito da indústria 4.0, e usar os ganhos dos primeiros projetos para viabilizar os próximos investimentos, no sentido financeiro e de patrocínio interno.
Se há equipamentos ociosos na indústria, por exemplo, atuar na economia de energia é algo que impacta diretamente o controle de custos. Usar soluções de indústria 4.0 para medir o real uso dos equipamentos e otimizar o tempo que ficam ligados, é algo simples e que trará resultados imediatos e com custo baixo. Nesse caso, softwares que monitoram as máquinas são fáceis e rápidos de implementar, e trarão os dados necessários para a empresa.
“Selecionado um problema que está atrapalhando alcançar um objetivo estratégico, e escolhida uma solução tecnológica que o ataque, o próximo passo é sair do planejamento e fazer”, enfatiza Paulo.
Passo 4 – Fazer a implementação
Paulo encara como uma das suas missões eliminar a ideia de que a indústria 4.0 é algo necessariamente caro e acessível apenas para as empresas grandes e com muito capital. “O conceito da indústria 4.0 nasceu na Alemanha justamente para dar mais competitividade a pequenas e médias indústrias”, ele diz.
As soluções oferecidas por assinatura, que podem ser de aluguel de robôs a softwares no modelo SaaS (software como serviço), reduzem o risco da empresa que quer adotar novas tecnologias. Nesse modelo não há necessidade de se fazer um grande investimento que obriga a empresa a comprometer-se com a solução por um prazo longo – o pagamento é feito de forma recorrente enquanto a solução estiver dando resultado positivo.
Se deixar de atender a expectativa, basta cancelar a assinatura. Paulo acrescenta que “um fornecedor que precisa que você veja valor na solução todos os meses será muitas vezes mais preocupado com o seu sucesso do aquele que faz uma grande venda e a relação termina ali". O fornecedor torna-se um aliado na entrega de resultados, não de uma solução como fim em si mesmo.
Seja no modelo de recorrência ou como um investimento concentrado, a empresa que escolheu a solução deve fazer logo a primeira implementação, de preferência em uma escala pequena. Isso traz duas vantagens: permite que a decisão interna de fazer seja tomada mais rapidamente por envolver valores menores do que uma implantação integral no primeiro momento; e permitirá validar os resultados e corrigir o rumo se necessário.
“O risco de não ter resultado quando se faz algo novo existe, e uma série de motivos podem ser a causa – solução, fornecedor, cliente, ou toda a combinação. Mas, em vez de ter gastado R$ 300 mil pela contratação de um software, você gastou R$ 2 mil ao mês por 6 meses. Isso não trará grandes impactos, e nem te deixará parado”.
Paulo acrescenta algo que aprendeu do mundo dos programadores e acredita ser válido para todo processo de inovação: “No mundo do desenvolvimento de software se criou a ideia dos processos ágeis, em que também os erros são valorizados. A cada erro ficamos mais perto do acerto, desde que aprendamos com ele. Não tenha medo de errar, mas em pequena escala. Errar rápido, aprender e inovar de novo, sempre atrás do que traga resultado, é muito melhor do que planejar por muito tempo e mover-se muito devagar”, defende. Quando você achar que acertou, passe à etapa seguinte.
Passo 5 – Avaliar o resultado em busca de expandir
O último passo diz respeito à avaliação dos resultados e a expansão dos processos. Com a solução já estabilizada (passada a fase de implantação e go-live), é preciso avaliar os resultados. A solução trouxe meios ou aproximou diretamente a empresa de atingir o objetivo estratégico buscado? Essa avaliação deve ser feita de maneira isenta, sem “envolvimento emocional”.
O ideal é que as métricas de avaliação dos resultados sejam definidas antes da implementação. Se o objetivo é reduzir atrasos nas entregas aos clientes, deve ser definido como o atraso será medido (percentual de ordens atrasadas, número de unidades atrasadas, dias de atraso), a frequência que o indicador será avaliado (semanalmente, quinzenalmente) e a meta de redução.
Mesmo que a solução tenha funcionado perfeitamente, se não se traduziu em aproximar a métrica da meta, não se pode considerar o resultado como um sucesso. No nosso exemplo, se a visibilidade em tempo real foi alcançada, mas não reduziu os atrasos, alguma outra parte do processo (programação da produção, acompanhamento do PCP – planejamento e controle da produção – e intervenção no sequenciamento) deve ser alterada até que os atrasos diminuam.
Com a comprovação da entrega dos resultados, a empresa pode fazer um levantamento estratégico para aumentar a escala da tecnologia, o que é chamado de expansão vertical. Essa expansão pode ser feita de maneira mais rápida, pois foi validado que a solução funciona para o objetivo proposto.
Em caso de insucesso, quando a solução não aproxima a empresa do objetivo, a solução deve ser descartada ou alterada, sem prender-se demasiadamente aos custos incorridos com ela. A opção de se fazer uma implementação inicial pequena é justamente para que se possa abandoná-la caso não funcione.
O sucesso de uma solução abre caminho para que novas sejam implantadas. Cabe aqui lembrar que os resultados não dependem apenas da solução ou da tecnologia. “Se as pessoas não estiverem preparadas e focadas em atingir o objetivo, não há solução que sozinha os traga. Mais projetos de indústria 4.0 falham por conta de problemas de gestão ou de pessoas do que por questões tecnológicas”.
Os insucessos devem ser estudados, suas causas identificadas, e mudanças devem ser feitas para eliminá-las na próxima iteração.
A gestão operacional na indústria 4.0
A gestão estratégica das operações em empresas de pequeno porte é crucial para o alcance dos objetivos pertinentes à indústria 4.0. Paulo aconselha os gestores a observarem outras empresas do segmento que utilizam de tecnologias inovadoras. Esse parâmetro pode servir de base para escolher por onde iniciar.
Ele alega também que, quanto mais genérico for o problema, mais fácil será de achar a solução; quanto mais peculiar for, mais difícil será de encontrar. Um problema que muita gente tem vai ganhar atenção antes, e soluções para ele estarão disponíveis antes.
Conforme explicado por Paulo, a gestão precisa implantar a “cultura da indústria 4.0” na empresa, e isso é uma jornada que deve levar as pessoas a tomar cada vez mais decisões baseadas em informação.
“Na TV e grandes portais quase só se fala de empresas grandes aderindo à indústria 4.0, e isso pode assustar as menores. Mas soluções da indústria 4.0 cabem no bolso de todos.”, complementa Paulo, explorando o cenário nacional e a importância da compreensão de que a cultura digital é acessível para todos.
Confira algumas dicas para os gestores que pensam em integrar uma equipe aos novos modelos de negócio:
Flexibilização: ser cauteloso nas mudanças é importante, por isso é recomendável começar sempre por pequenas mudanças, e distribuir novas responsabilidades de forma gradual;
Gestão de pessoas: o gestor precisa encontrar o equilíbrio entre a adoção das novas tecnologias e o bem-estar dos colaboradores. Toda mudança traz algum desconforto, e é preciso saber o ritmo que pode ser absorvido. “Ferramentas de monitoramento dos processos podem parecer apenas fiscalização sobre os operadores, quando têm outras finalidades. De que forma isso será explicado para os trabalhadores da produção?”, observa Paulo;
Coletar informações: é importante que a gestão esteja constantemente vivenciando a experiência de produção no chão de fábrica, para coletar os feedbacks dos profissionais que lidam com as atividades diárias;
Trazer informações para todos: assim como buscar, é importante fornecer as informações. Explicar todas as mudanças realizadas e seus motivos é fundamental para a boa convivência interna. E todos os níveis podem ser beneficiados por mais informação.
Todos esses passos e as dicas complementares são importantes para a implantação da indústria 4.0 em qualquer indústria, sendo ela pequena, média ou grande. A análise do especialista diz respeito à sua experiência profissional dentro do meio industrial, o que possibilitou conhecer as estratégias eficazes e as equivocadas.
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