Uma das instituições precursoras da pesquisa em nanomateriais no Brasil, a Universidade de Caxias do Sul, vinha pesquisando o grafeno desde que o material foi isolado pela primeira vez, em 2004, e por isso desenvolveu diferentes rotas de produção que agora culminaram na inauguração de uma planta para produção do material em escala industrial. A unidade poderá abastecer o mercado com um insumo avançado e versátil, que pode ser usado na criação de produtos com características muito particulares, especialmente no setor de compósitos.

 

Projetos de desenvolvimento de rgafeno no Brasil

 

Conectada ao Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação da Universidade de Caxias do Sul (TecnoUCS), a unidade ocupa 775 metros quadrados e opera desde 14 de março, com capacidade de produção de até 500 kg/ano e possibilidade de ampliação para até 5.000 kg/ano, habilitando o UCSGraphene a prestar serviços para os mercados nacional e internacional.

“Neste momento em que se faz necessário pensar na retomada da industrialização em meio ao enfrentamento da pandemia da Covid-19, a UCS disponibiliza ao segmento empresarial esta alternativa de qualificação de produtos, de modernização tecnológica e de competitividade, colocando-se na vanguarda do desenvolvimento econômico e social”, declarou o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade, Juliano Gimenez, na ocasião da inauguração, feita de forma remota, devido às restrições impostas pela atual política de distanciamento social (veja aqui o vídeo institucional).

Dentre as aplicações pesquisadas pelo UCSGraphene estão as áreas de revestimentos avançados, materiais inteligentes, equipamentos de segurança, metais, compósitos e cerâmicas. 


 

Origens e características do grafeno

Considerado o material do futuro até alguns anos atrás, o grafeno é hoje um insumo praticamente consolidado e disponível para testes em diferentes aplicações, sobretudo no desenvolvimento de compósitos poliméricos, que podem adquirir um pouco das suas excepcionais propriedades térmicas, mecânicas e elétricas a partir da adição de pequenas frações. Embora envolva tecnologia avançada, a sua obtenção não é mais um segredo, a sua popularização está se tornando uma realidade.

O grafeno faz parte de uma família de materiais de nanocarbono. Ele consiste em um arranjo bidimensional de átomos de carbono ligados entre si formando um padrão hexagonal semelhante a um favo de mel que dá origem a uma série de materiais denominados de acordo com o formato assumido por essa malha de hexágonos: o fulereno, por exemplo, apresenta formato esférico, enquanto os nanotubos apresentam formato cilíndrico. Tem como características gerais uma resistência mecânica cerca de 100 vezes maior que a do aço, flexibilidade e leveza, além de alta condutividade térmica e elétrica.

O material começou a ser estudado no final da década de 1990, e em 2004 dois pesquisadores da Universidade de Manchester, Andre Geim e Kostya Novoselov, ambos de origem russa,  conseguiram extraí-lo de uma amostra de grafite utilizando a técnica de esfoliação mecânica. Denominados desde então “pais do grafeno”, ambos ganharam em 2010 o Prêmio Nobel de Física pelo trabalho de investigação sobre o material. Simultaneamente, porém, já se realizavam em muitos outros países estudos sobre o grafeno. E o Brasil não foi exceção.

As primeiras iniciativas por aqui também datam do final da década de 90, e mobilizaram uma extensa rede de pesquisa científica que capacitou o País a criar centros de desenvolvimento do material, os quais hoje estão preparados para fornecer a tecnologia para o seu uso, por meio de projetos integrando empresas e a academia.

De acordo com Guilhermino Fechine, especialista em nanocompósitos poliméricos à base de grafeno e membro do MackGraphe, laboratório de estudos desse material na Universidade Presbiteriana Mackenzie, estudos teóricos e experimentais baseados em testes feitos em folhas individuais de grafeno indicaram propriedades extremamente elevadas, tais como módulo de elasticidade (~1.000 GPa), resistência à fratura (~125 GPa), condutividade térmica (~ 5.000 Wm-1K-1), extensa área superficial (valor calculado, ~ 2.630 m2g-1), condutividade elétrica a temperatura ambiente superior à do cobre e impermeabilidade a moléculas gasosas, entre outras.

É possível obtê-lo por quatro principais processos: esfoliação química em fase líquida a partir do grafite, deposição química da fase vapor (CVD, de chemical vapour deposition), esfoliação micromecânica e crescimento de grafeno em carbeto de silício (SiC), sendo este último feito em um forno aquecido a temperaturas variando entre 1.500 ºC e 2.000 ºC, que promovem a sublimação do silício do substrato para que o carbono se reorganize, formando as monocamadas(1).

 

O uso em formulações poliméricas

Extremamente funcional, o grafeno tem potencial para modificar muitos tipos de produto, tornando possível o desenvolvimento de, por exemplo, embalagens avançadas para alimentos, revestimentos supercondutivos ou altamente resistentes à corrosão, peças reforçadas para resistir a grandes esforços mecânicos e também materiais plásticos com significativa melhora da condutividade térmica. 

De acordo com Fechine, pode ser adicionado a uma grande variedade de materiais, tais como poliolefinas, estirênicos (PS, ABS, SAN), TPU, PET e também biopolímeros como PLA, PCL e PBAT.

A compatibilidade do grafeno com diferentes tipos de materiais plásticos faz com que os formuladores de compostos sejam usuários e parceiros potenciais dos laboratórios de desenvolvimento. O quanto se transfere das suas propriedades para o material-matriz, porém, é um fator que depende de variáveis como grau de dispersão, teor empregado, qualidade do grafeno usado e, sobretudo, da expertise dos profissionais envolvidos na sua formulação.

A disposição de partículas em escala nanométrica confere ao grafeno a capacidade de fazer uma cobertura superficial muito grande, e por isso a sua adição aos compostos poliméricos ocorre em uma proporção menor do que a usada para cargas reforçadoras convencionais. Enquanto para estas são usadas normalmente frações de 2 a 3%, para o caso do grafeno bastam teores de 0,1 a 0,2% em massa de material puro. “Para se ter ideia, com três gramas de grafeno é possível cobrir um campo de futebol”, informou Fechine, lembrando que a dispersão do material é um grande desafio. Como ele reaglomera muito facilmente, a sua inserção na matriz polimérica foi um impasse que consumiu três anos de pesquisa no MackGraphe. “Todos os polímeros oferecem resistência à dispersão do grafeno, e por isso é necessário funcionalizá-lo de acordo com a matriz que o receberá, o que pode ser feito por meio de diferentes rotas químicas”, explicou. 

Como o segredo para obter um composto de boa qualidade está no conhecimento das particularidades do grafeno quanto à dispersão, não observar este aspecto pode levar a resultados ruins, o que pode comprometer injustamente a reputação do material. 

Desde sua criação o MackGraphe se dedica à pesquisa do grafeno e seus derivados, que fazem parte de uma classe de materiais denominada Materiais Bidimensionais (M2D). Além do grafeno, o grupo de Compósitos do MackGraphe vem se dedicando à aplicação de outros M2D que também apresentam propriedades muito singulares. Alguns exemplos deles são dissulfeto de molibdênio e nitreto de boro hexagonal. 

Para se ter ideia do quanto o processo demanda em termos de conhecimento científico, a equipe que conduz as pesquisas sobre o uso do grafeno em formulações poliméricas no MackGraphe é formada por um reólogo (prof. Ricardo Andrade), um especialista em processamento e aditivação (prof. Guilhermino Fechine) e um químico de partículas (prof. Hélio Ribeiro), contando ainda com a contribuição dos alunos de mestrado/doutorado e pós-doc. Inaugurado em 2016, o laboratório produz hoje a quantidade de grafeno necessária para as suas pesquisas.

Para o segmento de injeção, o MackGraphe já trabalhou com um poliuretano termoplástico (TPU) carregado com óxido de grafeno em parceria com a Case Western Reserve University gerando um produto de alta resistência à abrasão, com patente registrada nos Estados Unidos, podendo ser usado em diversos setores, tais como a fabricação de solados de tênis.

O grupo de pesquisa do centro também desenvolve a produção de masterbatches sob medida para diferentes polímeros. Nesse caso, o cuidado em evitar uma reaglomeração na preparação ainda é maior, devido aos altos teores usados na formulação.

Em razão de todo o conhecimento envolvido, a análise de viabilidade dos projetos é bastante criteriosa, e uma vez estabelecida, pode implicar inclusive a designação de uma equipe em regime de dedicação exclusiva. 

Mais exemplos de uso potencial incluem peças injetadas que podem receber circuitos moldados em três dimensões a partir dos filamentos condutivos de grafeno, cujo desenvolvimento é parte de um projeto conduzido dentro do escopo do Horizon 2020 da União Europeia, um programa de investigação e inovação científica de grande porte, que visa transferir ideias inovadoras para o mercado daquele continente.


 

Maturidade tecnológica

De acordo com a pesquisadora Glaura Goulart Silva, professora do Departamento de Química e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno (CT Nano), as aplicações no setor de revestimento de tubulações para gás, aeronáutico e de mineração direcionam hoje a linha de pesquisa daquela instituição, que produz bateladas diárias do material para o desenvolvimento de escalas-piloto, pelos processos de CVD e esfoliação. 

Com apenas 100 gramas do material é possível aditivar 10 quilos de polímero, atribuindo-lhe propriedades como resistência ao impacto, à corrosão, entre tantas outras. O CT Nano é capaz de entregar hoje masterbatches contendo grafeno a partir de polímeros-base como polietileno (PE), polipropileno (PP) e poliuretano termoplástico (TPU). “A tecnologia no Brasil já está demonstrada e já tem maturidade, falta a agressividade para se lançarem produtos baseados no grafeno”, afirmou Glaura, enumerando como potenciais produtos as embalagens de material eletrônico, que necessitem de dissipação eletrostática e peças cujo uso implique a blindagem eletromagnética, notadamente no setor de eletroeletrônicos e telecomunicações (tecnologia 5G, por exemplo). 

O laboratório do CT Nano já produz filamentos para impressão 3D contendo grafeno baseados em ABS e PLA, além de fornecer nanotubos contendo óxido de grafeno, os quais serão objeto de depósito de patente em breve.

Parcerias com empresas levaram ao desenvolvimento de materiais termofixos passíveis de aditivação com o material, tais como as resinas epóxi com função de adesivo, usadas em juntas metálicas em pás eólicas. Neste caso, o material proporciona alta resistência à flexão e à fadiga ocasionada pelos fortes ventos a que as peças estão sujeitas em serviço. 

O grafeno tem também o potencial de solucionar um dos pontos fracos dos compósitos termofixos reforçados com fibra de vidro, atuando como agente de acoplamento na interface fibra de vidro/resina epóxi. De acordo com a pesquisadora, sua adição aumenta em até 50% a resistência à delaminação, em comparação com resinas carregadas por métodos convencionais, além de melhorar a resistência à flexão e à fadiga. Glaura ressalta que é necessário atentar para a técnica de dispersão da carga, que é bastante trabalhosa e consome recurso. Mas, em geral, um aumento de 10 a 20% da resistência do compósito já justifica economicamente o uso do grafeno.

O CT Nano é aberto a parcerias com empresas que tenham planos de inserir o grafeno em sua cadeia de insumos, seja adquirindo-o já integrado aos polímeros ou elaborando projetos conjuntos, para os quais é possível obter financiamento via instituições de fomento como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação (Embrapii), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

A instituição possui importantes parcerias com empresas como Petrobras, Magnesita e Nacional de Grafite, cujas pesquisas caminham no sentido de desenvolver e tornar viáveis comercialmente revestimentos para tubulações e a aditivação de polímeros. Também está envolvida no projeto MGGrafeno, da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), em parceria com o Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN), produzindo atualmente cerca de 300 kg/anuais do produto.



 

A rede de pesquisa em grafeno no Brasil

Os estudos teóricos sobre nanotubos de carbono, cuja base é o grafeno, tiveram início no Brasil no final dos anos 90, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já no ano 2000 foram produzidos nanotubos e em 2002, com o apoio do Instituto Millenium de Nanociência, apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi instalado um laboratório de espectroscopia Raman no local, assim como um sistema para a obtenção de nanotubos por deposição química de vapor, com as primeiras amostras sendo produzidas em 2003.

Concomitantemente, o grupo de estudos do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (IFGW/Unicamp), foi o primeiro a sintetizar nanotubos de parede única no Brasil(2).

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR) também se desenvolvia, na mesma época, um método alternativo para a produção dos nanotubos e outro para encapsular neles fios de óxido de ferro. Outra instituição que se engajou na pesquisa foi o grupo do Instituto de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde foram isolados nanotubos com diâmetros inferiores a 1 nm para apontamento de discrepâncias entre métodos de cálculo e de medição.

A cooperação entre universidades abriu novas perspectivas de estudo dos nanomateriais de carbono, as quais foram ampliadas com a constituição da Rede de Nanotubos de Carbono, em 2005, também apoiada pelo CNPq e composta por 40 cientistas de 14 instituições de oito estados brasileiros. Ela passou a promover a mobilidade entre grupos de estudos teóricos e experimentais de diferentes regiões do País, tendo em vista a cooperação científica envolvendo a construção de instalações para uso comum e a organização de encontros anuais em que pesquisadores e estudantes puderam compartilhar informações e iniciar a colaboração.

Passaram a integrá-la os setores de pesquisa em física da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), consolidando uma base sólida em conhecimento científico, infraestrutura para a realização de experimentos e recursos humanos qualificados. 

A iniciativa seguinte para consolidar a base científica no setor foi a criação, em 2009, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanomateriais de Carbono INCT-CN, apoiado pelo CNPq e pela Fapemig, agência de fomento do Estado de Minas Gerais, visando manter e ampliar as atividades da rede inicial. O MackGraphe, laboratório de propriedade da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, SP), foi inaugurado em março de 2016 e também está ligado ao INCT-CN.

Inicialmente composto por 70 cientistas de 20 instituições localizadas em nove estados brasileiros, o instituto teve incluídos entre os seus objetivos a produção de grafeno por diferentes métodos e a realização de estudos sobre toxicologia e questões de segurança relacionadas aos nanomateriais de carbono. Passou então a incluir em seu quadro biólogos e engenheiros de diferentes áreas, muitos deles com passagem pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).

O número de cientistas, estudantes graduados, artigos e patentes aumentou exponencialmente, a ponto de tornar difícil o mapeamento das iniciativas de pesquisa. Conforme dados do sistema Scopus, uma base de dados de resumos e citações criada em 2004 pela editora Elsevier, foram publicados por pesquisadores brasileiros, até 2018, cerca de 2.500 artigos sobre nanotubos de carbono e 1.500 artigos sobre grafeno(2).

 

Foto: Shutterstock

 

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Referências bibliográficas

1)  ALENCAR, Eduardo; SANTANA, Delano . Processos de obtenção do grafeno, suas aplicações e sua importância para o Brasil. Centro de Pós-Graduação Oswaldo Cruz 

 

2) PIMENTA, Marcos ; MONSERRAT, L. A. G. ; FAGAN, S.B. . History and National Initiatives of Carbon Nanotube and Graphene Research in Brazil. Brazilian Journal of Physics, v. 49, p. 288-300, 2019. 

 

 

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