A Coppe/UFRJ inaugurou uma Ilha de Policogeração Sustentável capaz de gerar simultaneamente eletricidade, água destilada, biodiesel e outros insumos. O sistema conjuga o uso de energia solar com a recuperação de calor, em geral descartado, através de microtrocadores de calor e dessalinizador de água via destilação por membranas.  Pioneiro no país, o sistema pode ser um importante aliado de prefeituras e comunidades remotas do semiárido nordestino que não estão conectadas ao sistema interligado nacional, fazendas de produção de energia solar, campos de óleo e gás, ilhas e regiões inóspitas, áreas em conflito ou de desastres ambientais.

Segundo a coordenadora do projeto, professora Carolina Naveira-Cotta, do Programa de Engenharia Mecânica da Coppe, a proposta vai além de descentralizar a geração de energia elétrica para atender a demanda de eletricidade em regiões remotas ou comunidades off-grid, conjugando parte da energia elétrica gerada e do calor absorvido em coletores solares e/ou recuperado de outros processos, para cogerar insumos essenciais à qualidade de vida nessas regiões, como água, biocombustível, frio, aquecimento, dentre outros. O projeto foi desenvolvido no Laboratório de Nano e Microfluidica e Microssistemas (LabMEMS), e contou com a participação de cerca de 15 pesquisadores.

A Ilha de Policogeração Sustentável demonstrada ocupa uma área de 200 m², na qual estão instalados um painel fotovoltaico de alta concentração, com capacidade de gerar 5 kW de energia elétrica e 8 kW de energia térmica recuperáveis, além de três conjuntos de coletores solares para aquecimento de água. Construída em frente ao laboratório LabMEMS, a ilha é flexível, podendo ser modificada para uso em outros locais e adaptada para cogeração de outros insumos, dependendo do objetivo e uso. O protótipo está no TRL 6 (Technology Readiness Level, nível de prontidão tecnológica, escala que vai de 1 a 9 criada pela Nasa para indicar o amadurecimento tecnológico de um produto).

Uma das vantagens do sistema é o reaproveitamento do calor produzido por uma fonte térmica como, por exemplo, o painel fotovoltaico de alta concentração e/ou coletores solares. O calor recuperado é utilizado em um processo secundário de destilação, que nesse demonstrador possibilita uma produção de cerca de 1000 litros por dia de água destilada, a partir da água salobra típica de poços no semiárido, que pode ser usada para consumo humano, atividade agroindustrial de pequeno porte e mesmo na limpeza dos painéis fotovoltaicos.

“Os painéis fotovoltaicos de alta concentração, através de lentes de Fresnel, permitem concentrar a energia solar até em mais de 1000 vezes em cada célula fotovoltaica. O calor gerado na conversão da energia solar para energia elétrica é geralmente desperdiçado pelo arrefecimento passivo, jogando fora o calor para o ambiente. Com o sistema de microtrocadores de calor, esse calor pode ser recuperado e utilizado em um processo de destilação de água via membranas”, explica professora Carolina.

O projeto é financiado pela Petrogal Brasil via ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis e Embrapii-Coppe, e conta com apoio da Faperj - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, da Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Marinha do Brasil. “A Galp (estatal portuguesa que é a principal controladora da Petrogal) tem fazendas solares que demandam grande quantidade de água para limpeza dos painéis solares, então seria interessante pra ela ter um processo térmico de destilação de água por membranas.”

“Em uma região remota que precise de mais eletricidade, por exemplo, é possível maximizar a capacidade de produção de energia elétrica na conversão da energia solar. Basta para isso otimizar o processo para melhorar as condições operacionais de funcionamento do painel fotovoltaico, por exemplo, reduzindo as temperaturas nas células pelo resfriamento ativo. Também é possível direcionar os parâmetros operacionais da ilha para maximizar a produção de água”, afirma Carolina Naveira-Cotta.

Conforme explica a coordenadora do projeto, há diferentes formas de concentrar a radiação solar e diferentes concentradores. O protótipo do LabMEMS tem 18 módulos, com 450 células de silício e uma lente de Fresnel para cada célula que concentra 820 vezes a energia solar. Além do painel solar de alta concentração (HCPV), o protótipo conta com três coletores solares que podem trabalhar em série ou em paralelo com o painel, seja aumentando a temperatura para uma dada vazão de água aquecida ou aumentando a vazão para uma temperatura desejada. “Por exemplo, em um dia mais nublado, a radiação direta fica reduzida, mas esses coletores solares têm então um papel complementar, aproveitando a radiação difusa”, acrescenta.
“A recuperação de calor do painel solar é feita com microtrocadores de calor. Um para cada uma das 450 células de silício e um sistema termohidráulico que leva essa energia para o contêiner, no qual está instalado o dessalinizador de água. Montamos esse demonstrador na UFRJ para concluir o desenvolvimento tecnológico, mas já visando a possibilidade de continuação do projeto, por exemplo transportando esse sistema completo para um ambiente operacional”, detalha a professora.

Além das diversas aplicações no setor industrial, o projeto tem uma forte motivação de cunho social. Pode ser implementado de maneira complementar ao sistema já existente no chamado Programa Água Doce (PAD), inicialmente lançado pelo governo federal em 1996 como Programa Água Boa e depois relançado como PAD em 2004. Foram identificadas, até o momento, 3963 comunidades, em 338 dos municípios mais críticos da região semiárida brasileira. “Mas apenas cerca de 900 destas comunidades têm o PAD implementado. O sistema capta a água salobra do poço típica do sertão nordestino, dessalinizando-a por osmose reversa, e o rejeito de água salgada vai para piscinas para cultivo de erva-sal para caprinos e criação de tilápia, em colaboração com a Embrapa. Assim, viabiliza-se o uso dessa água salobra disponível nessas regiões”.

No entanto, mais da metade das comunidades identificadas estão off grid, o que torna menos atraente a adoção do processo de osmose reversa que demanda essencialmente energia elétrica. “O que me motiva muito nesse projeto é a possibilidade de, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional e o Ministério de Minas e Energia, fazer uma ação conjunta para atender as comunidades off grid, porque aqui temos essa geração simultânea de energia e água. Somente esses 5 kWe nominais do demonstrador poderiam atender cerca de 25 residências/famílias. O dessalinizador produz 1000 litros de água destilada por dia, podendo atender o consumo típico de mais de 100 pessoas por dia. Além disso, com os níveis maiores de irradiação solar do Nordeste, os valores nominais acima determinados nas condições do Rio de Janeiro serão majorados. Estamos pensando em comunidades do semiárido, e, claro, o projeto é escalonável”, relata Carolina.

Além disso, explica a professora, o protótipo poderia ser complementar às unidades já instaladas no PAD, pois o processo de osmose reversa é muito sensível a altas salinidades. “Apenas cerca de 40% da água é dessalinizada nesse processo via osmose reversa, 60% é rejeitado e direcionado para os tanques. Nosso sistema poderia complementar esse processo, na saída da osmose reversa, dessalinizando mais 40%. O drive é térmico, é menos sensível a grandes salinidades. E assim mais de 80% da água seria dessalinizada. Isso também é importante devido à intermitência e sazonalidade da recarga dos aquíferos. A quantidade de água dos poços é limitada, mas podemos aproveitar uma fração maior para consumo humano”, conclui.



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