Na busca pelo desenvolvimento sustentável, a indústria procura fazer uso de matérias-primas e recursos provenientes de fontes renováveis, bem como otimizar seus processos produtivos e contribuir para a redução do impacto causado ao meio ambiente. Ações como essas estão entre as premissas que visam garantir a promoção da saúde da população, a preservação de recursos naturais e a continuidade da economia, por exemplo. Neste sentido, algumas empresas do setor metalmecânico especializadas em usinagem vêm estudando meios e formas de reduzir os resíduos sólidos e/ou líquidos provenientes de seus processos de produção como óleos lubrificantes ou protetivos, fluidos refrigerantes, cavaco e a borra gerada no processo de retificação, entre outros. Uma das ideias que surgiram a partir daí é o desenvolvimento de um fluido de corte 100% biodegradável capaz de obter boa performance no processo de torneamento, que foi pensado para ser usado como agente refrigerante. Trata-se de um trabalho baseado nos três pilares da sustentabilidade (social, ambiental e econômico) que tem como objetivo a produção de um fluido de corte que ao mesmo tempo atenda aos parâmetros do torneamento, proporcionando uma boa usinabilidade em aços, e que seja mais amigável ao meio ambiente.

Além disso, a refrigeração é um dos principais fatores que influenciam o desempenho dos processos de usinagem, em que, geralmente, utiliza-se óleos de corte de origem mineral ou sintética. Este é um fator relevante no que tange à estimativa de que anualmente são utilizados aproximadamente 1,25 bilhão de litros desses fluidos que, mesmo quando tratados por empresas especializadas, acabam se tornando grandes vilões para o meio ambiente.

 

Fundamentação teórica

Torneamento

O torneamento é um processo mecânico de usinagem que compreende o modelo retilíneo cilíndrico externo, em que a peça em processamento gira em torno do eixo principal de rotação da máquina e a ferramenta desloca-se paralelamente ao eixo principal de rotação da máquina, removendo gradativamente o material da peça e formando cavacos, por uma única superfície de saída (10). A figura 1 mostra alguns exemplos de movimentos típicos do processo de torneamento, onde:

 

 

Figura 1 – Torneamento retilíneo cilíndrico externo. Fonte: Sandvik, 2012

 

Figura 2 – Parâmetros de corte e superfícies em torneamento cilíndrico externo. Fonte: Amorin, 2002

 

Calor na usinagem

O atrito decorrente do cisalhamento e a deformação plástica decorrente do corte da peça ocorrem conjuntamente à geração de calor, que depende, diretamente, das condições de corte empregadas como, por exemplo, velocidade de corte, avanço, profundidade de usinagem e o uso ou não de fluido de corte (7, 10) (Diniz, 1999). Além disso, o inevitável calor gerado na remoção do material e na criação de cavaco é objeto de estudos na área da mecânica dos materiais (8). O calor é quase que totalmente uma consequência da transformação da energia mecânica em energia térmica. Dentre seus efeitos estão o aumento do desgaste da ferramenta, o aumento da dilatação térmica da peça e o dano à sua estrutura superficial. Para minimizar ou mitigar esses efeitos indesejáveis, é necessário aplicar métodos que reduzem o coeficiente de atrito durante o corte. A figura 3 mostra como ocorre a distribuição de calor durante o torneamento (esquerda) e a temperatura crítica à qual algumas ferramentas podem estar limitadas (direita).

 

Figura 3 – Distribuição de calor no torneamento e temperatura crítica da ferramenta. Fonte: http://www.cimm.com.br/portal/noticia/exibir_noticia/6777-fluidos-de-corte solucionam-problemas-da-usinagem

 

O calor produzido na usinagem é proveniente da deformação da raiz do cavaco e dos atritos entre cavaco-ferramenta e peçaferramenta. É transmitido entre as partes em contato de acordo com o calor específico e com a condutividade térmica de cada material, e ainda conforme a área de contato. Com o aumento da temperatura as características físicas e mecânicas dos metais são alteradas, podendo afetar a vida útil da ferramenta, por exemplo. O calor gerado durante a produção de cavaco tem como principais origens a deformação plástica do cavaco na região de cisalhamento, o atrito do cavaco com a superfície de saída da ferramenta e o atrito da peça com a superfície de incidência da ferramenta. O aumento da temperatura da ferramenta pode levar à diminuição de sua dureza e ao seu desgaste acelerado. Por isso é imprescindível alterar os parâmetros de usinagem, ou empregar fluidos refrigerantes e lubrificantes de corte (Ferraresi, 1977).

Para exaltar a importância do uso de fluidos de corte para a refrigeração, outros efeitos na peça, oriundos do aumento do calor em usinagem, podem ser destacados como:

 

Aços

As ligas baseadas em ferro, ou ligas ferrosas, incluem aços carbono, aços-liga e os ferros fundidos. As ligas não-ferrosas são todos os outros metais que não contêm ferro como constituinte principal (5). Aproximadamente 90% em peso dos materiais metálicos são compostos de ligas ferrosas, os quais possuem uma ampla faixa de microestruturas e propriedades relacionadas. Grande parte dos projetos executados pela área de engenharia que necessitam de um aumento de sua capacidade de carga e durabilidade usa ligas ferrosas, que são divididas em duas categorias gerais baseadas na quantidade de carbono presente no material.

O aço geralmente contém entre 0,05% e 2,0% em peso de carbono. Os ferros fundidos contêm, normalmente, entre 2,0% e 4,5% em peso de carbono. Além da liga aço carbono, também são acrescidos outros metais para dar características desejadas ao material como níquel, manganês, cromo, fósforo, silício, molibdênio, entre outros. A quantidade da adição total desses elementos de liga é o que os diferencia, sendo chamados de aço de baixa liga quando possuem 5% ou menos desses elementos, e aços de alta liga quando este valor é ultrapassado (25).

 

Fluido de corte

A literatura indica que em 1890 teve início o uso de fluidos de corte na usinagem de materiais, por F. W. Taylor, primeiramente com água pura, obtendo um aumento de 33% na velocidade de corte e um razoável controle da temperatura da peça e da ferramenta (8). Posteriormente, prosseguiu acrescentando alguns aditivos como soda ou sabão para melhorar o desempenho e proteção das peças. Com o tempo, também foram usados óleos emulsionáveis que, diluídos em água, tornavam a usinagem cada vez mais produtiva e rentável. A figura 4 mostra um processo prático da aplicação do fluido, em que um tubo flexível conduz o seu fluxo direcionado ao ponto de corte (1).

 

Figura 4 – Aplicação de fluido de corte na usinagem. Fonte: http://www.quimatic.com.br/produtos/usinagem/fixoflex/

 

Nos processos de usinagem o corte gera um forte atrito entre a peça e a ferramenta. A fi m de minimizar o desgaste da ferramenta e diminuir a dilatação térmica do material a ser cortado usa-se fl uidos refrigerantes durante a operação (7) (Ferraresi, 1977). Conforme indica a literatura, os fluidos de corte são líquidos. Eles podem ser lubrificantes, refrigerantes ou exercer as duas funções (9). Como lubrificantes, eles agem para reduzir área de contato entre o cavaco e a ferramenta, e como refrigerantes eles diminuem a temperatura de corte, tanto pelo aumento da dissipação do calor como pela redução da geração dele. O fluido deve penetrar na interface cavaco-ferramenta até a ponta da ferramenta. Existem várias vias de aplicação do fluido: pela superfície de saída (sobre cabeça), pela superfície de folga, na saída do cavaco (entre a superfície de saída da ferramenta e o cavaco) e diretamente da zona de aderência, injetando o fluido por dentro da ferramenta de corte.

Os fluidos de corte também são definidos como elementos ou compostos em estado sólido, líquido ou gasoso, em sua maioria, líquido (Ferraresi, 1977). Eles atuam como agentes de melhoria do corte da seguinte maneira:

a) melhorando o desempenho do mecanismo de formação e expulsão do cavaco;

b) aumentando a qualidade dimensional da peça usinada;

c) refrigerando a peça, a ferramenta e a máquinaferramenta;

d) melhorando o acabamento da superfície da peça usinada;

e) diminuindo o consumo de energia no processo;

f) aumentando o tempo para a substituição de ferramenta, consequência de um menor desgaste da aresta de corte; e

g) eliminando a corrosão da peça. O torneamento é um processo bastante crítico devido à alta temperatura à qual é submetido o material, o que requer o uso de um fluido de corte conhecido como lubrificante ou refrigerante, e que tem como principais funções na usinagem reduzir o atrito entre a ferramenta e a superfície em corte (lubrificação) e diminuir a temperatura na região de corte (refrigeração), prolongando a vida da ferramenta e garantindo a precisão dimensional da peça pela redução de distorções térmicas (18, 19). Dentre suas funções estão ainda retirar o cavaco da região de corte, diminuindo a chance de ocorrer entupimento dos poros do rebolo durante a operação, proporcionar proteção contra a corrosão e lubrificar a região de contato peça-ferramenta, reduzindo o atrito (22).

A lubrificação feita pelo fluido de corte reduz as forças envolvidas no processo, diminuindo a geração de calor na zona de corte (14). O uso de fluido de corte proporciona proteção contra a corrosão da ferramenta, da peça usinada e da máquina operatriz, criando uma película protetora em suas superfícies (7). Mas o efeito final desejado à peça não depende somente do fluido de corte e sim de outras propriedades como, por exemplo, condições de corte, ou seja, do material da peça, da ferramenta de corte e de parâmetros de usinagem como o aumento da velocidade de corte, que influencia na vida útil da ferramenta (13).

 

Classificação

É possível classificar os fluidos de corte dividindo-os em sintéticos, semi-sintéticos, emulsões, óleos integrais, gases e névoas, e extraclasse. Também podem ser classificados em três tipos: ar, aquosos e óleos. O tipo ar geralmente age como removedor de cavaco da região de corte e como refrigerante em baixa escala, sendo indicado para materiais que podem danificar a máquinaferramenta. O tipo aquoso como água, pouco usado atualmente, é restrito à refrigeração, tem baixa viscosidade, provoca a corrosão de metais ferrosos e tem baixo poder umectante nos metais, enquanto o tipo aquoso como emulsão provém da mistura de água com uma porcentagem de óleo emulsionável (de 1 a 20%), garantindo grande capacidade de refrigeração. Emulsões são apropriadas para usinagem cujo requisito primordial é a refrigeração da ferramenta e/ou da peça, e a retirada de material é moderada. Algumas emulsões adquirem características que suportam altíssimas pressões para operações de corte severas, em que o óleo não vaporiza, garantindo alto poder lubrificante. Os óleos puros usados como fluidos de corte na usinagem apresentam qualidade de lubrificação superior, proporcionando menos atrito e gerando menos calor na remoção de material, sendo preferíveis quando a profundidade de corte é maior e a velocidade de corte menor. Eles apresentam metade do calor específico da água, ou seja, capacidade refrigerante inferior, e ainda têm custo elevado em relação às soluções, e estão relacionados a uma maior chance de ocorrência de chama, bem como são ineficientes em altas velocidades de corte (8). A classificação dos fluidos também os divide da seguinte forma (12):

 

Fluido sintético

Nessa classificação os fluidos não apresentam óleo mineral em sua composição e sim, em geral, elementos químicos lubrificantes (produtos orgânicos e inorgânicos que não contêm óleo), e também inibidores de corrosão dissolvidos em água. Assim como os fluidos integrais, os sintéticos também devem ser diluídos em água. São mais indicados para trabalhos que produzem mais calor na remoção do material e requeiram maiores velocidades de corte. Outras características são a transparência e a pouca formação de espuma. Na tabela 1 são classificadas as vantagens e desvantagens dos fluidos sintéticos (12). Além disso, na literatura são indicadas outras características dos fluidos sintéticos (17):

 

 

Fluido semi-sintético

Fluidos semi-sintéticos podem ser classifi cados como integrais (semi-químicos) por serem providos de óleos minerais (subproduto derivado do petróleo), em cerca de 2 a 30%. Podem conter óleos graxos, de origem vegetal ou animal, fl uidos sintéticos, emulsifi cadores, agentes molhantes, inibidores de corrosão e biocidas. São produzidos e fornecidos de forma concentrada para solubilizar-se com água antes da aplicação à usinagem. Na tabela 2 são classifi cadas as vantagens e desvantagens dos fl uidos semi-sintéticos (12).

 

 

Emulsões (miscíveis em água)

Emulsões ou óleos solúveis em água são substâncias que se diluem com a ajuda de emulsificadores que reagem de forma a dispersar o óleo e homogeneizar a mistura, formando o fluido de corte. São amplamente usados por apresentarem um bom equilíbrio entre lubrificação e resfriamento, e por terem aplicações em metais ferrosos e não ferrosos. Entretanto, algumas desvantagens podem ser citadas (12), como:

 

Óleos Integrais

Nessa classificação não há a presença de água em sua composição. Sendo assim, possuem baixa capacidade refrigerante. Entre os óleos integrais estão os óleos minerais puros, que promovem alta proteção contra a corrosão, mas com poder de lubrificação limitado em altas pressões; óleos graxos, que possuem alta lubricidade e que aderem à superfície da peça e da ferramenta; óleos mistos, que são resultado da mistura de óleos graxos com óleos minerais, os quais garantem boa umidade e lubricidade (perdida ao ser obtida temperatura acima de 150 °C); e os óleos com aditivos EP, que podem receber enxofre, cloro e compostos fosforosos, aumentando a sua capacidade em envolver a peça e a ferramenta com uma película anti-solda, aumentando também a proteção contra aresta postiça (17). Na tabela 3 são classificadas as vantagens e desvantagens dos fluidos integrais (12).

 

 

Fluido extraclasse

Também chamados de fluidos de corte biodegradáveis, os fluidos extraclasse caracterizam-se pela facilidade de degradação após o seu uso e, em geral, não trazem riscos à saúde dos operadores. Em alguns casos apresentam melhor rendimento como, por exemplo, quando são comparados aos fluidos de corte convencionais (17). O óleo de babaçu, também considerado um fluido extraclasse, foi testado como fluido de corte em usinagem de aço 1045 (20). Nos testes foram comparadas as temperaturas do fluido extraclasse com as observadas na usinagem a seco e usinagem usando fluido comercial. O óleo de babaçu apresentou resultados semelhantes ou melhores que os demais, ficando na faixa de 120 °C no corte.

Outro fluido extraclasse, extraído do óleo da mamona, é o chamado fluido OPF, que foi desenvolvido a partir de testes e análises em usinagem de retificação, em que foram obtidos bons resultados de lubricidade e refrigeração, além de fácil biodegradabilidade (2). Há também um fluido extraclasse criado pela empresa Bondmann Química, denominado Fluid B90. De acordo com informações disponíveis em um catálogo da companhia (3), este fluido apresenta algumas características vantajosas em relação aos fluidos de corte convencionais. É importante ressaltar que o Fluid B90 é isento de óleo de qualquer natureza, portanto é atóxico, não espuma e possui alta resistência microbiana. Ele foi considerado prontamente biodegradável após análise em laboratório (21), em que determinou-se um grau de 93,3% de biodegradabilidade pelo método OECD n° 301. Aliado à alta lubrificação e uma ótima refrigeração, o Fluid B90 pode ser considerado eficiente na usinagem e amigável ao meio ambiente se for comparado com fluidos de corte convencionais.

 

Importância do fluido na usinagem

De acordo com a literatura, o fluido é o principal meio lubrificante e refrigerante usado na usinagem (8), uma vez que reduz o coeficiente de atrito entre cavaco, ferramenta e peça. Possui um papel fundamental na troca de calor, controlando a temperatura de trabalho, a qual ocorre pela condução térmica, em que o fluido é introduzido diretamente no ponto de corte da peça usinada, absorvendo e dissipando o calor presente em superfícies em contato. Para tanto, é necessário que o fluido possua as seguintes características:

a) Como lubrificante: boa fluidez; baixa tensão superficial; suportar a pressões e temperaturas superiores sem vaporizar; viscosidade que permita uma circulação descomplicada e ao mesmo tempo uma boa aderência às superfícies em contato;

b) Como refrigerante: alto calor específico e alta condutividade térmica; baixa viscosidade; e contato térmico perene;

c) Outras características requeridas: não apresentar odores desagradáveis; proteger as partes em contato contra a corrosão; não apresentar risco à saúde.

 

Mínima quantidade de fluido (MQF)

Embora o fluido de corte convencional seja usado para promover melhorias na usinagem, seu uso pode causar alguns problemas como, por exemplo, alto custo de reciclagem, poluição ambiental, doenças cutâneas e pulmonares. Visando minimizar estes fatores, atualmente muitos estudos concentram-se em evitar ao máximo o uso de fluido de corte, ou até em não utilizá-lo, de forma a não prejudicar a qualidade da peça usinada ou a vida útil da ferramenta e do maquinário. Assim, alteram-se outros parâmetros como o uso de ferramentas de metal duro recobertas com novas camadas duras, principalmente de TiCN, TiA1N e AlTiN e diamantes, ou ainda, ferramentas de materiais cerâmicos e cermet (8).

Outras alterações nas condições de corte, para evitar o uso de fluidos, são o aumento do avanço e a diminuição da velocidade de corte. Assim, a rugosidade da peça deve aumentar devido à maior área da ferramenta que entra em contato com o cavaco. O corte a seco pode não ser possível e nem vantajoso em alguns casos. Uma alternativa é o corte com mínima quantidade de fluido (MQF), em que o fluido é pulverizado (menos de 60 ml/h) em fluxo de ar comprimido, podendo promover alta lubrificação ao corte, aumentando a vida da ferramenta (8).

Em ensaios de torneamento do aço 1045 com ferramenta de metal duro recoberta, em fase de acabamento, comparou-se a performance do corte sem fluido com o método MQF e óleo solúvel abundante. O MQF ficou atrás nos resultados obtidos referentes à rugosidade e à vida da ferramenta, sendo assim recomendados os métodos sem fluido ou que usa óleo solúvel abundante (24). Embora o uso de MQF seja muito recomendado, a promoção de um método ecológico leva à revisão de certas peculiaridades. A poluição ambiental existirá de qualquer maneira, sabendo que os óleos em sua maioria provêm do petróleo. Todo o fluido é consumido no processo, sem a possibilidade de reuso. O sistema que aplica o jato de óleo requer alta pressão, que deve ser provida por compressores de ar comprimido, muito ruidosos, poluindo sonoramente o ambiente de trabalho e dificultando a comunicação. Assim, há estudos voltados para a diminuição do uso de fluidos de corte em usinagem (8).

 

Aspectos nocivos dos fluidos de corte

De acordo com a literatura, há uma crescente e notável consciência ambiental (2), que abrange o descarte de fluidos de corte. A legislação obriga que as empresas desenvolvam produtos mais amigáveis ao meio ambiente, porém ainda são muitos os efeitos agressores causados pelos fluidos de corte, que podem ainda afetar a integridade física do operador.

 

Impactos ao ser humano

Muitos fluidos de corte possuem componentes nocivos aos seres humanos, que, ao entrar em contato direto com quem os manuseia, podem causar doenças como:

 

Impactos ambientais relacionados aos fluidos de corte

A maioria dos fluidos de corte usados atualmente reúne substâncias nocivas ao meio ambiente, muitas vezes contendo óleos minerais de difícil descarte. Além disso, durante a usinagem esses fluidos entram em contato com outras substâncias presentes na máquina como graxas e solventes, misturando-se e dificultando ainda mais o seu descarte correto, o que se torna economicamente inviável (17). A Resolução Nº 9, de 31 de agosto de 1993, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, define de forma rigorosa a obrigatoriedade do descarte de óleos lubrificantes usados ou contaminados, cuja desobediência é considerada crime ambiental. A fim de atender aos requisitos de proteção ambiental, as fabricantes de fluidos de corte buscam mitigar os efeitos nocivos de seus produtos. As tecnologias mais atuais estão caminhando em prol de soluções para esses problemas (17).

 

Rugosidade superficial

A rugosidadesuperficial caracteriza-se pelas microirregularidades presentes na superfície do material processado, podendo se apresentar de diversas maneiras. Em usinagem ela consiste basicamente em marcas regulares deixadas pelo perfil da ferramenta, misturando-se a outras irregularidades – variáveis do processo e do material. A rugosidade pode se formar, por exemplo, devido às microvibrações que ocorrem entre a ponta da ferramenta e a peça (15), e também devido às inclusões duras na matriz do material, aos vazios intermoleculares e às deformações térmicas. O tamanho das irregularidades pode variar de 0,1 µm até 10 µm dependendo da precisão do processo de fabricação e da qualidade de acabamento da superfície. A rugosidade ou textura de superfície de trabalho em mecânica de precisão afeta várias propriedades do material.

 

Quantificação da rugosidade superficial

Parâmetros de rugosidade são procedimentos usados para avaliar o acabamento superficial de um componente. O mais amplamente usado é a rugosidade média, que consiste na média aritmética dos valores absolutos das ordenadas de afastamento em relação à linha média (figura 5). Pode ser representada como a altura de um retângulo com área igual à soma absoluta das áreas delimitadas pelo perfil de rugosidade e a linha média, e comprimento igual ao percurso de medição. O valor de Ra é geralmente expresso em µm no sistema métrico ou em µin no sistema inglês, com os rugosímetros apresentando, em geral, resolução que vai de 0,1 a 0,001 µm. A rugosidade de uma peça manufaturada é afetada por diversos fatores como o processo de fabricação e a geometria da ferramenta, passando pelos parâmetros de corte (8).

 

Figura 5 – Rugosidade. Fonte: Diniz, 2013

 

Metodologia

 

Desenvolvimento da formulação do fluido

O fluido de corte orgânico à base de matéria-prima renovável foi desenvolvido com formulação com três componentes: óleo de rícino, um bactericida e um emulsificante. Todos estes ingredientes são ambientalmente corretos e oriundos de processos renováveis.

 

Ensaios em oficina

Os ensaios de torneamento foram realizados em um torno mecânico Nardini modelo ND 220 – G, com rotação máxima de 2.800 rpm e potência máxima de 8 cv (5,88 kW), disponível no Centro de Formação Profissional Senai Plínio Gilberto Kröeff (São Leopoldo, RS) (figura 6). As peças foram fixadas usando uma placa universal de três castanhas, com o auxílio do ponto rotativo para melhor estabilidade durante a usinagem esta belecido durante a preparação da máquina (figura. 7). Foram usados dois corpos de prova (CP1 e CP2) feitos de aço laminado SAE 1020, cujas dimensões são mostradas na figura 8. Em cada peça foram executados cinco passes de torneamento com profundidade de corte (ap) de 2 mm, velocidade de corte (Vc) de 100 m/min e avanço (f) de 0,1 mm/rev. O comprimento usinado em cada passe foi de 100 mm. O inserto usado para o torneamento das peças foi o modelo WNMG 080404 – para usinagem de aços em geral, de acordo com a norma ISO 1832 – com raio de ponta de 0,4 mm.

 

Figura 6 – Torno. Fonte: autor, 2023

 

Figura 7 – Processo de torneamento. Fonte: autor, 2023​​​​​​​

 

Figura 8 – Corpo de prova. Fonte: autor, 2023​​​​​​​

 

O experimento foi dividido em duas etapas. Na primeira, o corpo de prova CP1 foi usinado utilizando o fluido Bondman LB10, com aspersão feita manualmente e com o auxílio de pipeta (figura 9). Na segunda etapa, o corpo de prova CP2 foi usinado utilizando o fluido refrigerante Fluidbio. Após a execução de cada passe, foi capturada uma imagem termográfica da peça, utilizando uma câmera termográfica Flir, modelo E8 – XT, operando com emissividade térmica de 0,95 (figura 10). Ao final do torneamento dos corpos de prova, ambos foram submetidos à medição da rugosidade com auxílio de um rugosímetro digital portátil Mitutoyo modelo SJ-201 (figura 11) disponível na unidade do Senai Plínio Gilberto Kröeff, obtendo os valores de rugosidade média (Ra) para posterior comparação.

 

Figura 9 – Pipeta com fluido. Fonte: autor, 2023

 

Figura 10 – Câmera termográfica. Fonte: autor, 2023​​​​​​​

 

Figura 11 – Rugosímetro. Fonte: autor, 2023​​​​​​​

 

Resultados e discussão

Os resultados obtidos durante a usinagem foram analisados a partir de três fatores:

a) análise comparativa da evolução da temperatura da peça ao longo dos cinco passes de torneamento;

b) análise comparativa da rugosidade média (Ra) e do desgaste da ferramenta de corte ao final da usinagem de cada corpo de prova; e

c) análise comparativa do cavaco gerado na usinagem.

 

Análise comparativa da evolução da temperatura

As imagens da figura 12 foram capturadas pela câmera termográfica imediatamente após a realização do primeiro, terceiro e quinto passe de torneamento, respectivamente, usando o fluido de corte Bondman LB10. Como era esperado, e é indicado na literatura, a temperatura máxima da peça aumenta progressivamente à medida que os passes são executados (11). As imagens da figura 13 foram capturadas imediatamente após a realização do primeiro, terceiro e quinto passe de torneamento, respectivamente, utilizando o fluido de corte Fluidbio. E mais uma vez foi constatado que ao longo do desenvolvimento dos passes de torneamento a temperatura máxima da peça aumentou. Ao comparar as temperaturas obtidas após cada um dos passes, percebesse que a usinagem com aplicação do fluido Fluidbio proporcionou a obtenção de tem peraturas máximas ligeiramente inferiores às referentes ao processo com aplicação do fluido Bondman LB10, desde o primeiro passe, indicando uma tendência de aumento progressivo da temperatura mais lento do que o apresentado na usinagem usando o fluido comercial.

 

Figura 12 – Imagens da câmera termográfica 1, 2 e 3. Fonte: autor, 2023

 

Figura 13 – Imagens da câmera termográfica 1, 2 e 3. Fonte: autor, 2023​​​​​​​

 

Análise comparativa da rugosidade média (Ra)

Os dados de medição da rugosidade média (Ra) nos corpos de prova CP1e CP2 (figura 14) indicam também uma performance positiva do fluido de corte biodegradável quando este é comparado ao fluido comercial. Tendo em vista que a rugosidade superficial pode ser considerada muitas vezes como um critério de qualidade da peça usinada, esse resultado pode estar associado a uma condição de corte mais favorável, proporcionada pelo fluido de corte (Machado et al., 2013). Em relação ao desgaste da ferramenta de corte, não foi possível evidenciar nenhuma diferença relevante entre os dois casos.

 

Figura 14 – Rugosidade dos corpos de prova (CP1) e (CP2). Fonte: autor, 2023

Análise comparativa do cavaco gerado na usinagem

O cavaco produzido na usinagem do CP1 (figura 15), em que foi usado o fluido Bondman LB10, apresentou uma característica do tipo arco-solto, de acordo com a norma ISO 3685 (1993), além de apresentar uma coloração mais escurecida, o que indica um possível aumento da temperatura local. Já o cavaco produzido na usinagem do CP2 (figura 15), usando Fluidbio, apresentou uma característica do tipo helicoidal- -curto, e coloração compatível à do aço com temperatura ambiente, indicando uma temperatura local mais baixa.

 

Figura 15 – Cavaco proveniente da usinagem do CP1 e do CP2, respectivamente. Fonte: autor, 2023

 

Conclusão

Pela análise dos dados é possível concluir que a usinagem de aço laminado SAE 1020 usando o fluido biodegradável Fluidbio tem influência sobre a temperatura final da peça, em que foram obtidos valores de temperatura, em média, dois graus abaixo da obtida com o fluido comercial. E, ao comparar os dados de rugosidade, constatou-se que o corpo de prova usinado com aplicação do Fluidbio apresentou rugosidade média (Ra) inferior à do corpo de prova CP2, com uma redução próxima de 32%. Sobre o cavaco produzido em ambos os casos é possível evidenciar condições distintas de corte, proporcionadas pela condição de lubrificação. E com relação ao desgaste da ferramenta não foi possível constatar diferenças relevantes, sendo assim necessária a realização de mais testes. Portanto, constatou-se a partir dos dados que a usinagem usando o fluido biodegradável pode ser uma boa alternativa no torneamento de aços de baixa liga, principalmente no que diz respeito à temperatura e rugosidade superficial.

 

Referências

 

1] Amorim, A. J. Estudo da relação entre velocidade de corte, desgaste de ferramenta, rugosidade e forças de usinagem em torneamento com ferramenta de metal duro. Dissertação (Mestre em engenharia) – Programa de Pós-graduação em engenharia mecânica, Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 114f, 2022.

2] Alves, S. M. Adequação ambiental do processo de retifi cação através de um novo conceito de fl uido de corte. Tese (doutorado) – Departamento de Engenharia Mecânica, EESC/USP, São Carlos, São Paulo, 199f, 2005.

3] Bondmann Química. Biolubrifi cante de última geração desenvolvido para usinagem e operação de corte. Canoas, 2015.

4] Bondmann Química. Revolução em usinagem. www.bondmann. com.br. Disponível em: https:// www.slideshare.net/slideshow/ embed_code/38611056. Acesso em: 12/06/2017.

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6] Cimm. Fluidos de corte solucionam problemas da usinagem. www.cimm. com.br. 07/04/2010. Disponível em: http://www.cimm.com.br/portal/ noticia/exibir_noticia/6777-fl uidosde-corte solucionam-problemas-dausinagem. Acesso em: 05/04/2017.

7] Chiaverini, V. Tecnologia mecânica: materiais de construção mecânica. São Paulo: McGraw-Hill, 1986.

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9] El Baradie, M. Cutting fl uids: part I. Characterization. Journal of Materials Processing Technology, v. 56, p.786- 97, 1996.

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11] Felipe, A. Análise do processo de fresamento do aço AISI D6 endurecido utilizando mínima quantidade de lubrifi cante. 2016. 36f. Monografi a (trabalho de conclusão do curso em Engenharia Mecânica) – Departamento de Engenharia Mecânica, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.

12] Iowa. Waste Reduction Center. Cutting fl uid management for small.

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14] Machado, Á. R.; Da Silva, M. B. Usinagem dos metais. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 1999.

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18] Motta, M. F.; Machado, A. R. Fluidos de corte: tipos, funções, seleção, métodos de aplicação e manutenção. Revista Máquinas e Metais, p. 44-56, 1995.

19] Novaski, O.; Rios, M. Vantagens do uso de fl uidos sintéticos na usinagem. Revista Metal Mecânica, nº 118, 56-62, 2002.

20] Pinheiro, R. M. et al. Análise da temperatura de corte na usinagem do aço ABNT 1045. XVII Congresso Nacional de Estudantes de Engenharia Mecânica, 2010.

21] Pró Ambiente Análises Químicas e Toxicológicas. Laudo de Análise – n° 6154A/2012. Porto Alegre, 2012.

22] Runge, P. R. F.; Duarte, G. N. Lubrificantes nas indústrias – Produção, manutenção e controle. Rio de Janeiro: Triboconcept, 1990.

23] Sandvick. Ferramentas de corte. Catálogo Sweden: Sandvick Coromant. in Portuguese, 2012.

24] Scandiffio, I. Uma contribuição ao estudo do corte a seco e ao corte com mínima quantidade de lubrificante em torneamento de aço. 2010. 63f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Mecânica) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.

25] Shackelford, J. F. Ciência dos materiais. São Paulo: Pearson, 2008.

26] Stemmer, C. E. Ferramentas de corte I. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, 1995.

27] Stoeterau, R. L. Processo de usinagem: fabricação por remoção de material. Apostila do curso de Engenharia Mecânica UFSC. Santa Catarina, 2004.

28] Werkema, M. C. C.; Aguiar, S. Análise de regressão: como entender o relacionamento entre as variáveis de um processo. TQC – Gestão pela Qualidade Total: Série Ferramentas da qualidade. Belo Horizonte: QFCO, 1996.

29] Werkema, M. C. C.; Aguiar, S. Planejamento e análise de experimentos: como identificar as principais variáveis influentes em um processo. Belo Horizonte: Fundação Christiano Ottoni, 1996.

 


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XIV Inventário Brasileiro de Máquinas-ferramentas

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05/02/2024