Em comparação com o aço, as ligas de titânio caracterizam-se pela baixa densidade, elevada resistência, boa estabilidade contra a corrosão e biocompatibilidade. No entanto, em virtude dos elevados custos dessa matéria-prima e da difícil usinabilidade, o seu uso é restrito a segmentos de maior valor agregado, principalmente em aeronaves, naves espaciais e tecnologias que envolvem a biomedicina e o esporte.

Nas aeronaves, aumenta cada vez mais o uso de peças de ligas de titânio de alta resistência, ou de compósitos em camadas com titânio e plástico reforçado com fibra de carbono (PRFC), com o objetivo de reduzir o peso estrutural e aumentar a eficiência das peças sujeitas a grandes esforços. A fabricante francesa de aeronaves Airbus prevê que até 2029[1] a frota global para passageiros e de carga deve aumentar para 29.000 unidades (eram cerca de 14.000 em 2011), com a consequente necessidade de peças de titânio.

Nos processos de usinagem a baixas velocidades, a pequena condutividade térmica e a elevada resistência ao calor geram cargas térmicas muito altas. O baixo módulo de elasticidade faz com que haja retorno elástico no pro-

Figura 1 – Desafios para a usinagem de titânio

cesso, o que resulta em atrito de superfície de folga e vibrações. A reatividade química das ligas de titânio proporciona boa resistência à corrosão, mas leva também ao desgaste triboquímico das ferramentas. Por causa da formação de cavacos segmentados, a ferramenta é exposta a cargas mecânicas alternadas. Por isso que as ligas de titânio são consideradas de usinagem muito difícil (figura 1)[5].

A deformação de peças é determinada por simulação

Nas navegações aérea e espacial, a taxa de remoção na usinagem de grandes peças estruturais de titânio pode chegar a 95%[7] . O volume de remoção de cavacos na unidade de tempo e a produtividade são determinados por ferramentas modernas. Nas pesquisas realizadas no Instituto de Tecnologia de Manufatura e Máquinas-Ferramenta (IFW) da cidade de Garbsen, distrito de Hannover (Alemanha), a principal meta é otimizar o desempenho das ferramentas especiais para aplicações de alta eficiência.

A figura 2 representa o comportamento das ferramentas com ângulos de folga α = 6 ... 18o. Com velocidade de corte convencional, todas as ferramentas alcançam o critério de vida útil (largura da marca de desgaste admissível por Vw = 480 cm3). Com o aumento da ve-

Figura 2 – Influência do ângulo de saída sobre o desgaste da ferramenta no fresamento de titânio

locidade de corte, só um pequeno ângulo de saída oferece estabilidade suficiente para as arestas de corte. A otimização da macrogeometria da ferramenta permitiu aumentar em até 400% o volume de remoção de cavacos na unidade de tempo em um processo de fresamento de uma peça de titânio para aplicação em aeronaves[3].

Como decorrência das tensões residuais provocadas pelo próprio arranque de cavacos, nesses processos de alta eficiência as deformações na peça tornam-se um problema cada vez maior. As operações de endireitamento, absolutamente relevantes para a segurança, não são admissíveis em componentes de aeronaves porque podem danificar as peças.

A empresa Premium Aerotech e o IFW trabalham em um projeto conjunto de pesquisa para solucionar o problema. Inicialmente, foi analisada a influência do processo de usinagem sobre a

Usinagem de titânio

Figura 3 – Cadeia do processo de usinagem e deformação da peça

qualidade de peças estruturais de titânio (figura 3).

A seguir, mediante simulação de usinagem, faz-se o cálculo da deformação da peça para tornar possível elaborar estratégias de processo na fase de concepção do projeto. O resultado deverá ser a manufatura econômica de grandes peças de titânio altamente complexas, e relevantes para a segurança, com pouca ou quase nenhuma deformação.

Simulação de remoção de material

Os grupos propulsores para aviões modernos usam o modo construtivo integral de compressores de alta e baixa pressão, com a colocação de cerca de 120 Blisks (de blade integrated disks, ou lâminas de discos integradas) em um rotor, no lugar de palhetas individuais. Essas peças, geralmente de ligas de titânio, proporcionam elevado nível de geração de valor na produção. O reparo em um blisk desgastado ou danificado é economicamente mais vantajoso do que nas palhetas individuais.

Um passo importante do processo no reparo é a remoção por solda do material danificado e a redefinição do contorno mediante fresamento ou retificação. Ainda hoje, este processo de redefinição do contorno é feito manualmente por pessoal especializado, uma tarefa associada a variações de qualidade e altos salários[4].

Os sistemas de projeto e manufatura assistidos por computador (CAD/CAM) já fazem parte também desse universo, contribuindo com a elaboração de um código NC individual para cada peça. Os sistemas atuais de redefinição do contorno não levam em consideração as influências da peça no processo (os valores geométricos são as únicas características de entrada), ao contrário dos projetos em CAD e da geometria real.

Em busca da determinação aproximada da qualidade superficial e da influência da camada superficial, o centro de pesquisa colaborativa SFB 871, dentro do projeto C1 (recuperação de produtos), realiza a simulação do processo de redefinição do con-

Usinagem de titânio

Figura 4 – Procedimentos do centro de pesquisa colaborativo 871, projeto C1

torno. A forma de abordagem é mostrada na figura 4.

Com os resultados de verificações experimentais, o sistema de simulação CutS (desenvolvido no IFW) está sendo ampliado. Para o planejamento do processo, foram desenvolvidos dois módulos de

software que geram códigos NC adaptados para a redefinição do contorno e fazem os cálculos aproximados da qualidade superficial e da influência da camada superficial antes do fresamento. A ação considera também o comportamento das vibrações da fresa de ponta esférica utilizada.

A diferenciação entre processos estáveis e instáveis é dada por enfoques clássicos e analíticos de modelagem da estabilidade. As vibrações de excitação externa, que analiticamente são julgadas estáveis, podem levar a uma redução da qualidade superficial. Como exemplo, a figura 5 (pág. 34) expõe a força em um processo de acabamento de um dente de engrenagem em função do tempo e da frequência.

Na faixa da frequência, o sinal sem filtrar indica um aumento da amplitude de vibração em cerca de 2.000 Hz, próxima da frequência própria da ferramenta. Nesta frequência, a amplitude (lado direito da figura 5, acima do ângulo da direção do avanço e do ângulo de inclina-

Figura 5 – Influência da orientação da ferramenta sobre as vibrações no processo de redefinição do contorno

ção) foi usada como valor característico do comportamento da estabilidade. De acordo com a bibliografia existente, elevados ângulos de inclinação são preferidos para aumentar a qualidade superficial, por causa do maior raio da ferramenta e da maior velocidade de corte[6].

Entretanto, os resultados dos ensaios indicam aumento das vibrações com elevados ângulos de inclinação, tanto positivos quanto negativos, o que pode ser considerado normal devido a uma redução da rigidez da ferramenta na direção de corte. Esses resultados foram confirmados mediante medição de rugosidade. Para todos os pontos de dados, tanto visualmente quanto acusticamente, não foi determinada nenhuma instabilidade.

Estratégia de compensação

Peças compostas de camadas de titânio e plástico reforçado com fibra de carbono, na produção seriada, são manufaturadas até próximo da forma final e sofrem principalmente operações de usinagem de furação. Se a usinagem já é difícil para cada um dos materiais individualmente, a usinagem dos materiais ligados em camadas é especialmente desafiadora. Uma alternativa para a furação convencional é o fresamento circular, pelo qual uma fresa de topo mergulha para dentro da peça em trajetória helicoidal, com vantagens em relação ao transporte dos cavacos, força de avanço, formação de rebarbas, delaminação e flexibilidade de diâmetro.

Entretanto, o processo é desvantajoso relativamente aos desvios dimensionais entre o diâmetro real e o desejado, causados pela força do processo em sentido radial. Essa força normal de avanço conduz a uma força de reação da ferramenta, e consequentemente à redução do diâmetro do furo. As diferentes propriedades dos materiais geram diferenças dimensionais nas camadas e saltos de diâmetro nas transições dessas camadas (figura 6 à esquerda, pág. 36).

Para aumentar a produtividade no fresamento circular e, ao mesmo tempo, garantir a alta qualidade do furo, o IFW desenvolveu uma estratégia de compensação que proporciona a modelagem das forças do processo pela descrição matemática da forma do cavaco

Usinagem de titânio

Figura 6 – Desvio do diâmetro e compensação no fresamento circular

nas arestas principal e lateral de corte, que estão simultaneamente em contato. Pelo princípio da descompensação, a partir disso são derivados dois processos análogos apresentados em modelos independentes[2]. O desvio do diâmetro é calculado com a sobreposição dos dois modelos e a rigidez da ferramenta, e compensado com um programa NC gerado automaticamente (figura 6, à direita).

Referências

  1. Airbus GMF 2010: Airbus global market forecast 2010 – 2029. Toulouse, dezembro de 2010.

  2. Denkena, B. et al: Process force prediction in orbital drilling of TiAl6V4. 9Th International Conference on Advanced Manufacturing Systems and Technology, Croácia, junho de 2011.

  3. Denkena, B.; Köhler, J.; Dege, J. H.: Optimierte Werkzeuge stellen Schlüssel für wirtschaftlichere Bearbeitung dar. Das IndustrieMagazin 26, p. 60-63, 2008.

  4. Huang, H. et al: Gong: Smart robotic system for 3D profile turbine vane airfoil repair. International Journal of Advanced Manufacturing Technology 21, p. 275-283, 2003.

  5. Klocke, F. et al: Investigation of coated tools’ cutting performance in milling Ti6Al4V and its correlation to the temperature dependent impact resistance of the film. Production Engineering Research and Development 4, p. 509-514, 2010.

  6. Markworth, L.: Fünfachsige Schlichtfräsbearbeitung von Strömungsflächen aus Nickelbasislegierungen. Dissertação, Universidade Técnica de Aachen (RWTH), 2005.

  7. Watts, M.: New aerospace designs challenge high performance machining. Seminário de Aviação e Aeroespacial, Hannover, novembro de 2006.

 

 


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