No processo de fresamento, durante o giro da fresa cada dente passa por uma fase ativa, em que há remoção de material, e por uma outra inativa, sem remoção. Apesar de esta característica ser vantajosa em relação aos outros processos de usinagem (como a maior taxa de remoção de cavacos), tal situação promove flutuações de cargas mecânicas e térmicas na aresta cortante da ferramenta durante todo o tempo de usinagem. Essa variação dinâmica de cargas na frequência de giro do eixo-árvore da máquina tem sido apontada como a principal causa da fadiga termomecânica do material da ferramenta, por motivar o desenvolvimento de trincas paralelas (trincas de origem mecânica) e perpendiculares (trincas de origem térmica) à aresta de corte, o que conduz ao seu enfraquecimento e posterior microlascamento, principalmente em ferramentas de metal duro.
No caso das trincas de origem térmica, vários trabalhos[1,5,7,8,9,10,14] citam que um fator relevante na aceleração do processo de nucleação destas trincas é a diferença entre as temperaturas máxima e mínima sofrida por cada dente da fresa durante o processo de usinagem. A temperatura máxima ocorre ao final do ciclo ativo e a mínima, ao final do inativo. Assim, quanto maior for a diferença, mais acelerado será o processo de fadiga e, consequentemente, de aparecimento das trincas.
Tendo esse fato como premissa, propôs-se neste trabalho o aquecimento da fase inativa no processo de fresamento frontal, com o auxílio de um soprador térmico. O objetivo principal foi minimizar o fator ΔT e aproximar o fresamento de um processo de usinagem “quase contínuo” do ponto de vista térmico. Com isso, o processo de formação das trincas de origem térmica nas ferramentas de metal duro é reduzido e, consequentemente, o desgaste é minimizado.
Técnicas semelhantes já foram testadas anteriormente com a obtenção de resultados positivos, ou seja, com queda na quantidade de trincas térmicas[6,18]. Porém, foram aplicadas no processo de torneamento interrompido com o aquecimento da ferramenta de corte por resistência elétrica ou por tocha de fogo.
Nesta pesquisa, o desempenho da técnica aplicada foi avaliado com base na observação microscópica das ferramentas de corte testadas. Foram realizadas a contagem do número de trincas geradas para cada condição de corte e a análise do desgaste e dos possíveis mecanismos de desgaste presentes.
Neste artigo, são apresentados os principais resultados referentes ao desgaste e às avarias observadas nas ferramentas de corte testadas.
Revisão bibliográfica
Características do fresamento
Processo de usinagem pelo qual a remoção de material da peça se realiza de modo intermitente, pelo movimento rotativo de uma ferramenta geralmente multicortante, o fresamento gera superfícies de variadas formas[15]. Cada dente tem a função de remover uma pequena quantidade de material da peça na forma de cavaco a cada revolução da fresa.
Neste processo de usinagem, normalmente a peça efetua o movimento de avanço, enquanto a ferramenta realiza o movimento de corte, mantendo o eixo de giro em uma posição fixa. Sendo assim, as vantagens do processo residem principalmente na variedade de operações e formas que podem ser produzidas, na qualidade do acabamento da superfície usinada e nas altas taxas de remoção de cavacos (alta produtividade).
Para atingir esse nível, as fresadoras devem possuir estruturas suficientemente rígidas para suportarem as flutuações de cargas mecânicas inerentes ao processo. Isto se deve ao fato de o fresamento ser um processo de corte interrompido. Melhor explicando, cada aresta de corte que compõe a fresa passa por uma fase em que está em contato com a peça, removendo material (fase ativa), durante um ciclo ou giro, e por outra em que está fora da peça (fase inativa).
Além de gerar cargas mecânicas cíclicas durante o corte, esta característica interrompida do fresamento faz surgir um fenômeno bem peculiar a este processo de usinagem. Por sofrerem flutuações de temperatura durante o processo de corte (devido à alternância entre as fases ativa e inativa), as ferramentas podem sofrer desgastes motivados pela formação de trincas de origem térmica. Essas trincas se apresentam perpendiculares à aresta de corte, fragilizando-a e tornando-a susceptível ao microlascamento, devido aos choques mecânicos característicos do processo. Tais trincas são mais frequentes em ferramentas de metal duro e cermets e praticamente não se manifestam em ferramentas de aço rápido, devido à sua maior tenacidade.
Trincas de origem térmica
As trincas térmicas têm sido reportadas na literatura como sendo as que se desenvolvem no substrato da ferramenta, perpendicularmente à aresta de corte principal, como mostra a figura1.
Figura 1 – Trincas térmicas em uma pastilha de metal duro[11].
Um dos primeiros trabalhos sobre trincas de origem térmica no corte interrompido encontrado na literatura foi publicado por Shinozaki[14]. Já naquela época (1962), este pesquisador relatou que, em investigações anteriores, havia sido observado que a vida de ferramentas de metal duro usadas no fresamento frontal era menor do que a de ferramentas deste mesmo material usadas no torneamento. Tal comportamento costumava ser atribuído, parcialmente, aos danos desenvolvidos na aresta de corte motivados pelo corte interrompido, característico do fresamento. A ideia começou a se consolidar a partir dos trabalhos de Opitz & Frölich[12] e Roubik[13], pois anteriormente acreditava-se que, devido à fase inativa, a ferramenta de corte seria resfriada de forma mais efetiva do que no corte contínuo, e isso retardaria o seu desgaste.
Já nestas primeiras publicações, costumava-se apontar como uma das principais causas da formação das trincas térmicas a flutuação cíclica de temperatura sofrida pela ferramenta de corte, característica do processo de fresamento. Isso parece bastante razoável, visto que as tensões térmicas desenvolvidas na ferramenta de corte são diretamente proporcionais à diferença de temperatura que a afeta durante a usinagem[1,14].
A flutuação cíclica da temperatura na aresta de corte da ferramenta leva a uma modificação, também cíclica, da distribuição de tensão nessa área, o que pode provocar a formação de trincas térmicas. Ferraresi[4] afirma que durante a usinagem se desenvolve uma grande quantidade de calor, que é dissipada em parte pela ferramenta.
A região da ferramenta na qual a temperatura é mais alta é a que está em contato com o cavaco (interface cavaco-ferramenta). Nas zonas mais distantes, a temperatura é inferior. Em consequência disso, a ferramenta sofre deformações desiguais, o que gera tensões. No caso do fresamento, tais tensões ocorrem de forma cíclica e se alternam entre tensões de tração e de compressão, o que desencadeia um processo de fadiga que pode resultar na nucleação de trincas.
Mais recentemente, Cep et al.[1] analisaram a influência do carregamento térmico cíclico na vida de ferramentas usadas no corte interrompido. Eles afirmam que o processo de fadiga térmica desenvolvido em ferramentas usadas no corte interrompido é função, além da diferença de temperatura, de algumas propriedades físicas e mecânicas do material da ferramenta. Conclusão semelhante foi obtida por Shinozaki[14]. Assim, quanto maiores o coeficiente de expansão térmica e o módulo de elasticidade do material da ferramenta, maiores serão as tensões térmicas e, consequentemente, maior a probabilidade de aparecimento das trincas térmicas.
Wang et al.[19] realizaram uma investigação sobre as trincas térmicas nas quais foi analisada a distribuição de temperatura na ferramenta de metal duro. Neste caso, o aquecimento foi simulado experimentalmente por meio de laser pulsado. Os cálculos e medições realizados indicaram que as trincas térmicas não se desenvolveram na saída da ferramenta, após o término da fase ativa e durante a fase inativa. Os autores sugerem que os gradientes de temperatura resultantes do aquecimento da superfície de saída aumentam muito e de forma súbita no início e durante a fase ativa. Além do mais, devido à expansão volumétrica, essas regiões da ferramenta são, portanto, mais propensas ao desenvolvimento de tensões de tração, promovendo a formação de trincas.
Assim, as trincas térmicas surgiriam durante a fase ativa e a corrente de ar provocada pela velocidade da ferramenta durante a fase inativa teria pouca influência na redistribuição da temperatura na aresta de corte da ferramenta, independentemente dos parâmetros de corte e das propriedades do seu material.
Porém, como proposto por Wang et al.[19], parece pouco provável que a fase inativa não tenha influência no processo de formação das trincas térmicas. Evidências do efeito desta fase no fenômeno em questão já foram discutidas e defendidas por diversos pesquisadores. Esse efeito estaria relacionado à variação de temperatura experimentada pela ferramenta de corte, calculada pela diferença entre as temperaturas no final das fases ativa e inativa – denominada “fator ΔT” por Melo[9].
Com o objetivo de verificar a influência dessa diferença de temperatura na formação das trincas térmicas em pastilhas de metal duro, Lehewald[6] realizou ensaios de torneamento simulando o corte interrompido. O pesquisador construiu um porta-ferramenta com um aquecedor elétrico preso à sua haste, o que possibilitou aquecer previamente a ferramenta nas temperaturas de 300 e 400°C. Assim, foi possível observar a influência da temperatura prévia da ferramenta na quantidade de trincas térmicas geradas. O resultado indicou que quanto menor o fator ΔT, menor a quantidade de trincas geradas.
Experimento semelhante foi realizado por Vasilko[18], com resultados positivos em relação à queda na quantidade de trincas térmicas com o aumento da temperatura da ferramenta e, portanto, redução na taxa de desgaste da ferramenta de corte. Neste caso, a diferença principal em relação ao experimento de Lehewald[6] foi o fato de a ferramenta de corte ter sido aquecida por meio de tocha de fogo.
Outra evidência do efeito do fator ΔT no processo de formação das trincas térmicas foi verificado por Melo et al.[10], ao realizarem alguns ensaios de fresamento frontal em barras de aço ABNT 1045 a seco com ferramentas de metal duro P40, variando-se a penetração de trabalho em três valores: 80, 55 e 30 mm. Segundo este pesquisador, a penetração de trabalho é importante, porque altera diretamente a relação entre os tempos ativo e inativo, alterando também o fator ΔT. Neste caso, quanto maior a penetração de trabalho, maior o tempo ativo e menor o inativo, o que reduziria o valor do fator ΔT, e consequentemente o número de trincas formadas para um mesmo tempo de usinagem.
A quantidade de trincas térmicas também é função de outros parâmetros de usinagem, tais como velocidade de corte, avanço por dente, uso de fluido de corte e material usinado. Lehewald[6] e Melo[9] verificaram este fato experimentalmente e em grande parte de suas análises correlacionaram os resultados obtidos com o fator ΔT.
Materiais e métodos
Materiais e equipamentos
Para a realização dos ensaios de fresamento frontal, foram usadas barras de aço ABNT 1045 com seção quadrada de 63,5 mm e comprimento de 400 mm. Foram usadas pastilhas de metal duro com triplo revestimento, de carbonitreto de titânio, óxido de alumínio e nitreto de titânio (TiCN, Al2O3 e TiN, respectivamente), seguindo a ordem da camada mais interna até a mais externa. Apenas a superfície de saída passou posteriormente por um processo de jateamento, para a remoção da camada de TiN. Dessa forma, esta superfície passa a apresentar apenas as duas camadas mais internas, ou seja, TiCN e Al2O3.
Foi usada uma fresa com diâmetro efetivo Dc de 80 mm, com capacidade de suportar até seis pastilhas. Porém, em todos os ensaios realizados nesta pesquisa foi montada apenas uma pastilha. Alguns ensaios foram realizados com a aplicação por névoa de um fluido integral sintético à base de água.
O sistema de aplicação de fluido de corte utilizado foi o Lubetool, da Soned[16]. Neste equipamento, é possível regular a frequência com que a bomba pneumática controla a vazão de fluido pulverizado na região de corte, de 1 a 60 batidas por minuto[16]. Neste trabalho, o número foi ajustado em 60 batidas por minuto, o que corresponde a uma vazão de fluido de corte de, aproximadamente, 774 ml/h, a uma pressão de 0,49 MPa. Este valor para a vazão é obtido quando utilizado apenas um dos dois bicos injetores de fluido de corte que compõem o sistema.
Os ensaios foram realizados em um centro de usinagem vertical Romi modelo D600, com potência de 14,7 kW, pertencente ao Laboratório de Oficina Mecânica do Núcleo de Tecnologia Industrial da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Um soprador térmico Bosch modelo GHG 630 DCE Professional foi usado como fonte de ar quente, para a aplicação na fase inativa da fresa. Este equipamento apresenta as seguintes características técnicas: potência de 2.000 W (220 V), variação da vazão de ar em três valores (150, 300, 500 L/min) e temperatura do jato de ar regulável digitalmente de 50 a 630°C (com resolução de 5°C). Em todos os testes, a vazão foi mantida em 500 L/min.
Com a finalidade de direcionar o jato de ar quente por todo o comprimento da fase inativa da fresa, foi confeccionado um bico difusor em chapa de alumínio, que foi acoplado ao bocal de saída do soprador térmico (figura 2).
A contagem de trincas térmicas e a análise de desgaste e avarias das pastilhas foram realizadas no microscópio eletrônico de varredura (MEV) Philips modelo XL30 ESEM, pertencente ao Núcleo de Pesquisas em Petróleo e Energias Renováveis (NUPPER) da UFRN.
Figura 2 – Posicionamento do bico do sistema de lubrificação-refrigeração durante os ensaios de fresamento (a) e vista superior mostrando o posicionamento do bico em relação ao conjunto fresa/bico difusor/peça (b).
Procedimento experimental
Antes dos ensaios, todas as barras foram faceadas para remoção da camada de óxido e regularização da primeira face usinada. Os ensaios de fresamento frontal foram realizados sobre a barra de teste ao longo do comprimento de 400 mm, com apenas uma pastilha montada na fresa.
Os principais parâmetros de corte foram mantidos constantes e definidos dentro da faixa recomendada pelo fabricante da pastilha: rotação da fresa de 995 rpm, velocidade de corte vc de 250 m/min, profundidade de usinagem ap de 1,5 mm e avanço por dente fz de 0,15 mm (pelo fato de ter apenas uma pastilha montada na fresa).
As condições de usinagem aplicadas constam na tabela 1. Os ensaios de fresamento foram divididos em baterias de percursos de avanço Lf de 1.600, 4.800, 8.000 e 11.200 mm, intercaladas com análises em microscópio eletrônico de varredura das arestas de corte. Para cada condição de usinagem listada na tabela 1, foram realizadas duas repetições, totalizando três arestas de corte diferentes ensaiadas da mesma pastilha. É importante reforçar que as pastilhas eram montadas sempre na mesma sede da fresa.
No caso dos ensaios com fluido de corte aplicado por névoa, o bico de injeção foi posicionado conforme as figuras 2a e 2b. Ou seja, em uma região da peça próxima à reentrada da pastilha no momento do reinício da fase ativa.
O objetivo era lubrificar a região de reentrada da pastilha sem que o fluxo de ar frio proveniente do bico do sistema de lubrificação se contrapusesse ao fluxo de ar quente do soprador térmico.
Com o auxílio do MEV, foi realizada a contagem de trincas térmicas considerando apenas aquelas presentes no substrato da pastilha e visíveis com uma ampliação de 400 vezes. Além da contagem das trincas, foram medidos os desgastes de flanco médio e/ou máximo das pastilhas ensaiadas. A medição dos valores do desgaste serviu como informação para indicar a continuidade ou não dos ensaios de fresamento com uma determinada aresta, em uma determinada condição de corte. Neste caso, o critério de fim de vida foi estabelecido como desgaste de flanco médio VBB = 0,35 mm, segundo a norma ISO 8688 – 1, de 1989.
Resultados e discussões
A figura 3 mostra o valor do VBB medido na aresta 1 das pastilhas ensaiadas sob as seis condições de usinagem aplicadas nesta pesquisa após a última bateria de ensaios realizada.
Figura 3 – Desgaste de flanco médio medido nas pastilhas ensaiadas após Lf = 11.200 mm.
O maior desgaste de flanco médio observado foi para a condição STA, que também apresentou a maior quantidade de trincas ao final da última bateria[2,3]. Esse comportamento se repetiu para as condições S350, S580 e FTA, ou seja, verificouse certa correlação entre o número de trincas térmicas observado em uma determinada aresta e seu desgaste de flanco. Assim, quanto maior a quantidade de trincas, maior seria o desgaste de flanco médio. Melo[9] já havia verificado o mesmo comportamento. Segundo o pesquisador, a presença de trincas térmicas favorece o desenvolvimento do desgaste de flanco, pois elas fragilizam a aresta de corte na região em que aparecem.
Para a condição S100, o desgaste de flanco observado foi menor do que aquele medido na condição S350, que, por sua vez, apresentou a mesma quantidade de trincas térmicas em relação à condição S100. Pode-se explicar este comportamento pelo fato de que as trincas térmicas só vieram a aparecer na condição S100, após Lf = 8.000 mm, mas já estavam presentes após Lf = 4.800 mm na condição S350. Porém, acredita-se que o resultado referente ao desgaste de flanco obtido para a condição S100 tenha sido atípico e exige estudo adicional a respeito.
O desgaste de flanco médio obtido para a condição F580, após Lf = 11.200 mm, foi relativamente baixo. Esse comportamento também pode ser explicado pelo fato de as trincas térmicas, consideradas aceleradoras do desgaste de flanco, só terem sido detectadas ao final da última bateria. Além disso, o efeito lubrificante do fluido de corte pode ter sido efetivo na redução da taxa de desgaste.
A condição que apresentou menor desgaste de flanco foi a FTA, que também apresentou a menor quantidade de trincas térmicas ao final da última bateria.
A partir de agora serão feitas análises das avarias e dos desgastes observados nas arestas de corte ensaiadas nas seis condições de usinagem, baseadas em fotografias obtidas por MEV.
Para as condições de usinagem aplicadas, apesar de não ter sido detectado um desgaste de flanco mensurável, ao final das primeiras baterias já foi possível observar a presença de material da peça aderido à aresta de corte da pastilha, além de algumas trincas com orientações aleatórias que, provavelmente, foram desenvolvidas no revestimento. Acredita-se que tais trincas surjam em consequência do efeito combinado da carga mecânica cíclica sobre a aresta de corte, juntamente com o fato de se ter um revestimento duro, frágil e de pequena espessura depositado sobre um substrato de metal duro que talvez não dê sustentação suficiente para o revestimento.
Entretanto, não se pode descartar a possibilidade de a ciclagem térmica também ter influência no desenvolvimento dessas trincas. Nesta pesquisa, na grande maioria dos casos, tais trincas aparecem na camada de material do cavaco aderido à superfície de saída da pastilha ensaiada. Contudo, acredita-se que estas tenham sua origem no revestimento e emergem nesta camada de material aderido.
Além das denominadas trincas térmicas (desenvolvidas no substrato da ferramenta de corte), o material que se adere à aresta de corte e o desenvolvimento de trincas no revestimento também promovem o desgaste da ferramenta de corte. O material aderido favorece principalmente o desgaste por attrition[17], e a presença de trincas no revestimento promove o seu enfraquecimento e leva ao destacamento de material (spalling). Dessa forma, o substrato da ferramenta fica exposto à atuação de outros mecanismos de desgaste, tais como difusão e attrition. Estas partículas de revestimento podem, inclusive, provocar o desgaste do substrato por abrasão[9]. A figura 4 apresenta a aresta de corte 1 das pastilhas ao final das duas últimas baterias de ensaio para as quatro condições de usinagem a seco aplicadas nessa pesquisa.
Figura 4 – Aresta de corte 1 ao final das duas últimas baterias de ensaio para as quatro condições de usinagem a seco
A figura 5 mostra a aresta de corte 1 ao final das duas últimas baterias de ensaio para as duas condições de usinagem com fluido de corte aplicado por névoa.
Figura 5 – Aresta de corte 1 ao final das duas últimas baterias de ensaios para as duas condições de usinagem com fluido de corte
As figuras 6a e 6b mostram uma trinca térmica formada na superfície de saída já totalmente isenta de revestimento. Mediante a análise de imagens semelhantes à mostrada na figura 6b, pôde-se verificar que este tipo de trinca se propaga quase que exclusivamente de forma intergranular.
Na figura 6b nota-se também a evidência clara da perda total do revestimento, devido ao surgimento dos carbetos que compõem o substrato da pastilha. Percebe-se ainda o início da formação do entalhe no cruzamento da trinca térmica com a aresta de corte propriamente dita. Com o decorrer do uso dessa pastilha, nesta condição, com certeza o entalhe aumentaria, contribuindo efetivamente para a destruição da aresta.
Figura 6 – Imagens da trinca térmica na pastilha ensaiada na condição S100 após Lf = 11.200 mm, obtidas a partir de elétrons secundários (a) e de elétrons retroespalhados (b)
Durante os ensaios aplicandose a condição S350, em uma aresta notou-se a presença de um desgaste significativo na quina da pastilha, na região de encontro da aresta alisadora com a aresta principal de corte, assemelhando-se a uma cratera (detalhes das figura 4e e 4f). Nota-se que no interior da cratera aparece uma trinca térmica (figura 7a), que possivelmente auxiliou no desenvolvimento deste desgaste, principalmente por ser esta uma região de alta concentração de tensão.
Finalizando o ensaio, após o término da quarta bateria (figura 4f), pôde-se notar o crescimento da cratera formada ao final do percurso de avanço de 4.800 mm. A aresta de corte apresentou-se mais deteriorada e, nessa etapa, também foi observada a penetração de material da peça no interior de algumas trincas térmicas (figura 7b). O fato possivelmente auxilia o processo de transformação da trinca em sulco, por funcionar como uma cunha forçando o material do cavaco em direção ao interior da trinca e no sentido de provocar a sua abertura. O mesmo fenômeno foi observado por Melo[9].
Figura 7 – Trinca térmica desenvolvida no interior da cratera após Lf = 4.800 mm (a) e penetração de material da peça no interior de uma trinca térmica após Lf = 11.200 mm (b) na condição S350
Nos ensaios realizados para a condição FTA, ao final da bateria correspondente a Lf = 11.200 mm (figura 5b), pode-se observar que a aresta de corte permanece com um nível de desgaste de flanco praticamente imperceptível, com pouca perda de material do revestimento. Nenhuma trinca térmica no substrato foi detectada. Nas análises microscópicas realizadas na pastilha ensaiada na condição F580, ao final da última bateria (Lf = 11.200 mm, figura 5d), pode-se observar a presença de duas trincas térmicas no substrato da pastilha
Com o uso da técnica proposta, ou seja, o aquecimento da fase inativa, constatou-se a redução da quantidade de trincas térmicas e, consequentemente, a desaceleração da evolução do desgaste de flanco médio das pastilhas de metal duro. Apesar disso, percebeu-se um nível relativamente acentuado de oxidação da fresa, certamente devido ao aumento da temperatura com o soprador ajustado para 580°C.
Conclusões
Com base nos resultados e discussões, podem ser apresentadas as seguintes conclusões:
Referências
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2] Cunha Lima, R. O.: Fresamento com ar quente: uma proposta para minimizar a formação de trincas térmicas em ferramentas de metal duro. Departamento de Engenharia Mecânica, (Dissertação), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, p. 80, 2011.
3] Cunha Lima, R. O.; Melo, A. C. A.: Fresamento com ar quente: uma proposta para minimizar a formação de trincas térmicas em ferramentas de metal duro. Anais do VII Congresso Nacional de Engenharia Mecânica, São Luís, 2012.
4] Ferraresi, D.: Fundamentos da usinagem dos metais. São Paulo, Ed. Edgard Blucher, 1977.
5] Gu, J. et al.: Tool life and wear mechanism of uncoated and coated milling inserts. Wear, 225-229, 273-284, 1999.
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10] Melo, A. C. A.: Estudo das trincas de origem térmica geradas em ferramentas de metal duro durante o fresamento frontal. Tese Doutorado (Engenharia Mecânica), Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Federal de Uberlândia, MG, 173 p., 2001.
11] Metals Handbook – Machining. ASM International, 9a ed., v. 16, 1989.
12] Opitz, H.; Frolich, U.: VDI-Z, 8221989, 1954.
13] Roubik, J. R.: Lubrication engineering. 8, 235, 1952.
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