Componentes miniaturizados com alta precisão dimensional têm sido utilizados pelas indústrias aeroespacial, biomédica e automotiva. Assim, a microusinagem tornou-se um importante método de fabricação e hoje permite obter microestruturas complexas que exigem uma variedade de materiais, formas e interfaces funcionais[1,2,5].
A fabricação de microcomponentes requer métodos que tenham confiabilidade e repetibilidade, com ferramentas de boa precisão[2]. A microusinagem mecânica, realizada pelo corte, utiliza ferramentas miniaturizadas, que possuem dimensões na ordem de micrômetros, para promover a remoção do material. As taxas de remoção de material envolvidas nessas operações de corte são extremamente reduzidas, se comparadas às condições de usinagem ditas convencionais.
Com a diminuição da dimensão do material removido, questões sobre a geometria do raio de aresta da ferramenta, tamanho de grão e orientação cristalográfica do material, efeitos considerados pouco influentes na usinagem em macroescala, tornam-se fatores de grande influência na precisão dimensional e na integridade dos componentes usinados em microescala[3].
Ao contrário do que se espera na usinagem convencional em macroescala, na microusinagem a espessura de corte pode ser comparada à dimensão do raio da aresta de corte[1,3]. Dessa forma, a relação entre a espessura de corte e o raio da aresta de corte da ferramenta exerce influência direta na formação de cavaco na microusinagem. Dessa forma, surge o conceito de espessura mínima de cavaco h min, segundo o qual o cavaco não irá se formar a menos que a espessura de corte h seja maior que hmin. Quando a espessura de corte é menor que hmin, o material é submetido a um processo de deformação elastoplástica, sem ocorrência de cisalhamento e formação típica de cavaco[1,2]. Vogler, Devor e Kapoor [6] estimaram que a formação do cavaco em materiais com estrutura perlítica e ferrítica se inicia quando hmin varia entre 20 e 30% do valor do raio de aresta da ferramenta utilizada.
Esse processo de deformação elastoplástica a que o material é submetido provoca um aumento substancial no valor da energia específica de corte, gerando o denominado “efeito de escala”. O fenômeno, comum nas operações de microusinagem, é caracterizado pelo aumento hiperproporcional da energia específica de corte para usinagens com espessura de corte muito reduzidas.
Segundo Liu, Devor e Kapoor[4], esse fenômeno tem um grande impacto nas forças de corte, na
Figura 1 – Montagem experimental no centro de usinagem para os ensaios de microfresamento
estabilidade do processo e no acabamento da peça durante a usinagem em microescala. Como consequência, diversos estudos têm sido desenvolvidos para compreender o processo de formação de cavaco e garantir que o corte ocorra sem danos à integridade superficial do material.
O objetivo deste artigo é avaliar o efeito da relação entre o avanço por dente fz e o raio de aresta da microfresa re na rugosidade da peça e no processo de formação de cavaco do aço ABNT 1045 aplicado em micromoldes.
Materiais e métodos
Os ensaios foram realizados em um centro de usinagem vertical Hermle C800U, empregando microfresamento de topo sem aplicação de fluido lubrirrefrigerante. A profundidade de usinagem ap e a velocidade de corte vc, respectivamente de 0,16 mm e 60 m/ min, foram mantidas constantes. A largura de usinagem ae foi adotada como o valor do diâmetro da fresa utilizada no ensaio (ae = df = 0,8 mm). O avanço por dente foi adotado como variável de entrada (0,1; 0,3; 0,6; 1; 3 e 7 μm/z). A fresa percorreu trajetória linear e unidirecional, no sentido do eixo y do dinamômetro (figura 1).
A energia específica de corte foi obtida pela integração numérica do sinal da força de corte no tempo multiplicada pela razão entre a velocidade de corte e o volume removido de cavaco. Para aquisição da força de corte, empregou-se o software Labview 7.1 da National Instruments, dinamômetro piezelétrico 9256 e amplificador de carga 5233A, da Kistler. A figura 1 mostra a montagem experimental do sistema no centro de usinagem.
Os corpos de prova foram obtidos a partir do aço ABNT 1045 trefilado (93,2 ± 1,1 HRB). Como ferramenta de corte, foram utilizadas fresas de topo inteiriças de metal duro da Seco Tools (920ML008-MEGA-T). Com duas arestas de corte e revestidas com nitreto de alumínio-titânio (TiNal), essas fresas têm diâmetro df de 0,8 mm, raio de ponta de 50 μm e raio de aresta re de 2,736 μm. As dimensões foram medidas com o microscópio confocal Olympus OLS4000. A figura 2 (pág. 28) apresenta imagens do corpo de prova e da microfresa.
Foram consideradas duas réplicas para cada avanço por dente para realizar a quantificação estatística dos resultados. O desgaste das ferramentas foi monitorado via microscopia óptica para não influir nos resultados. A análise do processo de formação de cavaco e da rugosidade qualitativa da superfí-
Figura 2 – Dimensões dos corpos de prova (em mm, a) e ferramenta de corte para os ensaios de microfresamento (b)
cie microfresada foi realizada com o uso do microscópio eletrônico de varredura Zeiss LEO 440. A rugosidade quantitativa Ra foi medida utilizando um perfilômetro de contato Taylor Hobson Form Talysurf 50 Intra, comprimento de amostragem (cut-off) de 0,8 mm e percurso de medição de 4 mm, conforme Norma ABNT NBR 6405/1988.
Resultados e discussão
A figura 3 (pág. 30) apresenta uma análise do processo de formação de cavaco a partir da variação do avanço por dente, e a figura 4 (pág. 32) mostra as superfícies microfresadas.
A figura 3 pode ser dividida em dois grupos: (a e b) e (c a f). A figura 3a mostra um conglomerado de partículas extraídas da peça pela ação da microfresa. A rigor, essas partículas não podem ser denominadas cavacos. Apresentam formas variadas, desde elementos equiaxiais (indicadas por setas na imagem) até alongados em forma de ripas finas.
Indicam terem sofrido o processo de arrancamento (equiaxiais) ou extrusão (ripas) durante o contato peça-ferramenta, devido ao baixíssimo avanço por dente empregado (fz = 0,1 μm).
Uma análise da superfície usinada utilizando microscópio eletrônico por varredura (MEV) mostra claramente rebarbas periódicas nas laterais do canal microfresado, de até 0,7 mm de comprimento (praticamente o diâmetro da microfresa). Também foi registrado um padrão de textura superfi-
Figura 3 – Imagens obtidas por MEV de exemplares de cavaco gerados no microfresamento
cial no fundo do canal em forma de escamas, deformadas e microtrincadas, no sentido do avanço da ferramenta (figura 4a), compatíveis com as partículas equiaxiais apresentadas na figura 3a.
O avanço por dente de 0,3 μm gerou principalmente partículas alongadas em forma de ripas estreitas e menor ocorrência de partículas equiaxiais, como apresenta a figura 3b. Em sua maioria, esses elementos são retos e isolados (não aglomerados). Em alguns poucos casos, apresentam uma das extremidades sensivelmente curvada.
Empregando MEV na superfície usinada, observa-se também a ocorrência periódica de rebarbas nas laterais do canal microfresado, porém com comprimentos médios de 0,2 mm. Foi possível observar ainda uma textura superficial no fundo do canal, em forma de escamas, porém mais uniforme e espaçada na direção do avanço da ferramenta (figura 4b).
Nos dois primeiros casos, em particular, pode-se constatar que não foi atingida a espessura mínima de corte necessária para a formação completa do cavaco, tanto pelo cálculo estimado por Vogler, Devor e Kapoor[6] (hmin = 0,684 μm) quanto pela verificação visual das partículas extraídas destas condições de microusinagem (figuras 3a e 3b).
As figuras de 3c a 3f demonstram mais claramente que as partículas removidas do processo de microfresamento são, de fato, cavacos. Elas apresentam aglomerados de macrolamelas com escoamento localizado (em sua maioria) e raio de curvatura em uma das extremidades, que são as réplicas do raio de ponta da microfresa (figura 2b). Além disso, a partir do avanço por dente de 0,6 μm (figura 3c), praticamente atingiu-se a espessura mínima de corte.
As diferenças dos cavacos das figuras 3c a 3f equivalem a:
diminuição gradativa e significativa do comprimento das rebarbas laterais (variando de 0,1 a 0,01 mm);
aumento da espessura máxima do cavaco, dado o aumento do avanço por dente;
mudança no padrão de rugosidade da superfície do fundo do canal microfresado com a minimização da textura de escamas em fz = 0,6 μm (figura 4c);
Figura 4 – Imagens obtidas por MEV das superfícies microfresadas
eliminação completa das escamas em f z = 1 μm (figura 4d); e
surgimento de marcas de avanço da microfresa (com escoamento lateral de cavaco) a partir de f z = 3 μm (figuras 4e e 4f).
Por fim, com o aumento do avanço por dente e a consequente diminuição gradativa de deformação e formação de rebarbas, ou melhor formação e remoção efetiva de cavaco, há melhoria significativa no acabamento da superfície microfresada.
A figura 5 (pág. 34) apresenta os valores de rugosidade média aritmética Ra das superfícies microfresadas e da energia específica de corte. A rugosidade apresenta o maior valor para o avanço por dente fz = 0,1 μm, resultado da textura superficial da superfície microfresada apresentada na figura 4a. A rugosidade alcançou o mínimo quando fz foi aproximadamente igual a re, e aumentou novamente quando fz foi maior, devido às marcas de avanço e do escoamento lateral de cavaco (figuras 4e e 4f).
A energia específica de corte aumenta com a redução do avanço por dente, particularmente de forma significativa para avanços iguais ou menores que o raio de aresta da mi-
Figura 5 – Rugosidade média aritmética das superfícies microfresadas e energia específica de corte em função da razão entre o avanço por dente e raio de aresta da ferramenta
crofresa, alcançando magnitudes da ordem de retificação de 20 a 60 J/mm3. Este comportamento relativo ao efeito de escala serve para indicar se o cavaco é formado por cisalhamento (f z > 0,25 re) ou extrusão (f z < 0,25 r e). No primeiro caso, o ângulo de saída da microfresa atua de fato no cisalhamento do cavaco. No segundo, a extrusão do cavaco se dá devido ao ângulo de saída efetivo negativo, gerado pelo efeito do raio de aresta da ferramenta. Esta relação governa a textura superficial da peça usinada e a escala de energia consumida no processo de usinagem por volume removido de cavaco.
Conclusões
A rugosidade da peça microfresada depende diretamente do processo de formação de cavaco. A diminuição do avanço por dente gera valores de rugosidade maiores, um resultado direto da deformação do material e extrusão do cavaco. Valores de avanço por dente na ordem da espessura mínima do cavaco geram superfícies com baixa rugosidade, pois a espessura do cavaco atinge a espessura crítica para sua formação, neste caso hmin aproximadamente igual a 0,25 re.
Para avanços por dente maiores que o raio de aresta, a rugosidade aumenta devido à dinâmica do processo e à relação entre microgeometria da ferramenta e avanço por dente. A energia específica de corte serve como indicador do efeito de escala na usinagem. Quando a razão entre energia requerida na formação de cavaco e o volume removido de material é grande, o cavaco sofre extrusão e a energia específica cresce exponencialmente, devido ao ângulo de saída efetivo da ferramenta.
Referências
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