Os compressores desempenham papel de destaque na maioria dos sistemas de refrigeração, pois são o elemento ativo que força a circulação do fluido[12]. Como se sabe, esses sistemas se baseiam no princípio de compressão e expansão de fluido com mudança de fase. No entanto, para se obter melhor desempenho do compressor é importante que, mecanicamente, as peças com movimento relativo apresentem um perfeito ajuste de geometrias, o que evita vazamentos e desgastes e minimiza atritos, que conduzem a uma perda de eficiência.

O conjunto formado por pistão, biela e pino de articulação presente nos compressores recíprocos alternativos merece destaque, uma vez que é responsável por comprimir o fluido refrigerante. Eventuais falhas podem comprometer o funcionamento do compressor. Tal conjunto requer elevada exatidão dimensional e geométrica dos componentes. Quando esse resultado não é atingido, muitas vezes há dificuldades de montagem que facilitam o aparecimento de esforços desgastantes nos componentes do conjunto. Assim, a usinagem dos furos laterais radiais do pistão, onde será alojado o pino de articulação, deve atender apertadas tolerâncias dimensionais e geométricas estabelecidas em projeto.

A obtenção de furos com o uso de brocas é o meio mais largamente utilizado na indústria, devido à sua versatilidade, baixo custo e simplicidade da operação. Porém, por ser uma operação de desbaste, a furação produz furos com altas tolerâncias, que geralmente variam entre a qualidade ISO IT 11 a IT 14[7,11]. Assim, quando as especificações de projeto exigem baixos valores de tolerâncias dimensionais e geométricas e de rugosidade, deve-se empregar uma broca helicoidal no acabamento do furo.

Entre as operações de acabamento, o alargamento é uma etapa da usinagem pelo qual as arestas de corte de uma ferramenta rotativa removem uma pequena quantidade de material, enquanto suas guias cilíndricas alisam a superfície usinada. Dessa forma, são minimizados os desvios geométricos e a rugosidade, e maximizada a exatidão dimensional do furo.

Metals Handbook[1] define o alargamento como sendo uma operação de usinagem na qual uma ferramenta rotativa faz um leve corte para melhorar a precisão e reduzir a rugosidade do furo. Para Ferraresi[7], este é um “processo mecânico de usinagem destinado ao desbaste ou ao acabamento de furos cilíndricos ou cônicos, com auxílio de uma ferramenta geralmente multicortante. Para tanto, a ferramenta ou a peça giram e se deslocam segundo uma trajetória retilínea, coincidente ou paralela ao eixo de rotação da ferramenta. A qualidade do furo na operação de alargamento é influenciada pelos parâmetros de usinagem adotados. Entre eles, as condições de corte empregadas têm importante efeito nos resultados.

A Embraco S/A (Whirlpool – Unidade Compressores) usina os furos laterais radiais em um modelo de pistão para compressores herméticos usados na refrigeração doméstica. Uma peculiaridade desse pistão são os dois furos transversais onde serão inseridos os pinos elásticos, que têm a finalidade de travar perpendicularmente o pino de articulação. Assim, durante o processo de fabricação dos furos, que consiste das operações de furação, alargamento de desbaste e de acabamento, o corte é descontinuado pela presença desta interrupção. Nos testes realizados pela Embraco, para ajuste das condições de corte a serem empregadas na usinagem, observou-se uma região da superfície alargada adjacente ao furo transversal em que apareciam riscos, resultando em baixa qualidade superficial.

Logo, o objetivo inicial deste trabalho é investigar a causa do defeito, bem como analisar a influência da interrupção do corte pelos furos transversais, na qualidade superficial dos furos alargados. Posteriormente, para a operação de alargamento de acabamento, é feita uma análise de variância para verificar quais fatores (entre profundidade de corte ap, velocidade de corte vc e avanço f) produzem efeitos significativos nas variáveis de resposta. É ainda objetivo investigar, na mesma operação, o efeito individual da profundidade de corte sobre o comportamento da força de avanço Ff, do momento torçor Mz e dos parâmetros de qualidade adotados: exatidão do diâmetro, desvio de circularidade e rugosidade superficial.

 

Materiais e métodos

Material

Os ensaios foram realizados em pistões de ferro-carbono produzidos por metalurgia do pó e oxidados a vapor, com dureza aparente de 204 HB.

 

Caracterização da peça e do processo de usinagem

A figura 1 mostra um pistão e suas principais dimensões. Os dois furos concêntricos passantes, de igual diâmetro, são usinados no pistão, de modo que a ferramenta usina o primeiro furo, avança em vazio, usina o segundo e faz o retorno. O corte é interrompido por furos transversais preexistentes, obtidos no processo de sinterização. Todas as operações são feitas utilizando-se fluido de corte semissintético na condição de jorro.

Figura 1 – Desenho esquemático do pistão da Embraco

Inicialmente, na superfície convexa onde será usinado o primeiro furo, são executados um furo de centro e o escareamento com broca de centrar. A operação seguinte é a pré-furação com broca de 7 mm de diâmetro, seguida pelo alargamento de desbaste.

Nessa operação, são utilizados alargadores com diferentes diâmetros (7,1; 7,2; 7,3 ou 7,4 mm), conforme o valor da profundidade de corte estabelecida para o alargamento de acabamento.

Todas as ferramentas usadas nos testes foram fabricadas e fornecidas pela Embraco. Para a usinagem do furo de centro, foi utilizada uma broca de centro escalonada, que permite o escareamento do furo na mesma operação, enquanto na furação do pré-furo de 7 mm foi utilizada uma broca helicoidal. Ambas as brocas foram fabricadas em aço rápido (HSS) e revestidas com nitreto de titânio (TiN). No alargamento de desbaste, foram utilizados alargadores de metal duro, classe K10, revestidos com TiN, de corte e hélice à direita e com três arestas cortantes, com diâmetro variando de 7,1 a 7,4 mm. As ferramentas foram fixadas com pinças convencionais, em mandris mecânicos. As condições de corte (vc e f) adotadas nessas etapas preliminares são constantes (tabela 1).

A última operação é o alargamento de acabamento, realizado com alargador de diâmetro fixo de 7,5 mm, de metal duro classe K10, sem revestimento, de corte à esquerda e com seis arestas cortantes. Na figura 2 são mostrados os detalhes construtivos do alargador, que foi preso à máquina em um mandril hidromecânico Corogrip, de alta precisão, fabricado pela Sandvik Coromant. Como o alargamento é uma operação de precisão, esse tipo de mandril é adequado, pois garante melhor fixação da ferramenta e evita o batimento excessivo.

Figura 2 – Desenho esquemático do alargador de acabamento desenvolvido na Embraco

Para medir o batimento radial do alargador de acabamento, fixou-se um comprimento em balanço de 46 mm e mediuse a diferença na posição radial das pontas de corte. Para isso, foi usado um relógio comparador analógico da fabricante Mitutoyo, com resolução de 0,001 mm e faixa nominal de 1 mm, acoplado a uma base magnética. O batimento máximo encontrado foi de 6 μm.

 

Máquina-ferramenta e sistema de fixação do pistão

Os ensaios foram realizados em um centro de usinagem Romi modelo Discovery 760, de 11 kW e rotação de 10 a 10.000 rpm. Embora o processo de produção fabril seja realizado em uma máquina especial multiestação, a utilização desse centro de usinagem reproduz satisfatoriamente as condições reais de operação.

Para a fixação da peça, foram fabricados dois blocos em V, de forma que a mesma fosse encaixada entre eles. Por sua vez, o conjunto foi preso por uma morsa de precisão, fixada sobre o dinamômetro. Além da fixação, os blocos permitiram minimizar a deformação sofrida pelo pistão durante a aplicação da força de compressão, que foi feita utilizando o torquímetro de precisão modelo 752LDIN, da fabricante CDI Torque Products, com faixa nominal 0 a 9 N.m. O torque aplicado foi de 9 N.m.

Para garantir o alinhamento entre os dois furos transversais, foi fabricado um gabarito em forma de cruz, com dois pinos alinhados para serem encaixados nos furos. O pistão gabaritado era posicionado entre os blocos em V, de maneira que o centro do furo a ser usinado ficasse o mais próximo possível do centro da placa de aquisição do dinamômetro. O “braço” do gabarito se apoiava na face superior dos blocos e, para garantir o fechamento e aperto uniforme ao longo dos mesmos, um pistão de apoio era colocado em cada uma das extremidades. Em seguida, com a morsa previamente ajustada, aplicava-se o torque e, com o pistão já preso, o gabarito era retirado. A figura 3 apresenta o pistão gabaritado no sistema de fixação, pronto para ser usinado.

Figura 3 – Pistão gabaritado no sistema de fixação

 

Planejamento experimental

Os testes do planejamento experimental foram divididos em duas etapas. Na primeira delas, foi organizado um planejamento fatorial 23 . A escolha dos níveis das variáveis independentes (fatores) investigadas teve como referência os mesmos adotados na linha de produção da empresa. A matriz deste planejamento é a proposta mostrada na tabela 2. A posterior análise dos resultados foi feita utilizando a técnica estatística de análise de variância (Anova), por meio do software Statistica 7.0.

A profundidade de corte foi variada em quatro níveis na segunda etapa, para investigar o efeito individual nas variáveis de resposta. A velocidade de corte e o avanço foram mantidos constantes em 30 m/min e 0,33 mm/ rot, respectivamente. A tabela 3 mostra a variação da profundidade de corte em função do diâmetro do alargador de desbaste.

 

Aquisição de dados

O dinamômetro Kistler 9265B foi utilizado para medição das forças de corte e momento torçor. O equipamento foi montado sobre a mesa da máquina-ferramenta e, sobre ele, a morsa com o sistema de fixação do pistão. Junto a esta montagem, foi utilizado um sensor para monitoramento do sinal de emissão acústica. Os resultados deste sinal, no entanto, só serão analisados quando investigando o defeito que aparece na usinagem dos furos. A taxa de aquisição foi de 30.000 pontos/s, adquirida durante 10 segundos.

Todo gerenciamento da placa de aquisição e gravação das informações foi realizado por meio do software Labview. Para o posterior tratamento dos dados adquiridos, foram utilizados o Matlab 7.8 e o Excel 2010.

 

Análise da qualidade dos furos

A qualidade dos furos foi avaliada com base nos valores obtidos nas medições feitas em ambos os furos, de todos os pistões alargados, relativas ao diâmetro, desvio de circularidade e parâmetro Rq de rugosidade. As medições foram realizadas em temperatura ambiente de 20 ± 1°C, conforme recomendado pela NBR NM-ISO 1[3]. O monitoramento durante as medições foi feito por um termômetro digital, com resolução de 0,1°C e faixa nominal de -20 a 60°C.

Tanto as peças quanto os dispositivos e os sistemas de medição foram deixados por um período de 12 horas em temperatura padrão, para atingirem o equilíbrio térmico. Visando a obtenção de resultados rastreáveis, os sistemas de medição utilizados foram previamente calibrados, conforme recomendado pela NBR ISO IEC 17025[4]. Foram feitas três medições para cada parâmetro de qualidade analisado, uma vez que este número de leituras permite detectar erros grosseiros e efetuar a análise estatística dos dados e a avaliação da incerteza de medição.

As medições do diâmetro dos furos foram realizadas na máquina de medir por coordenadas (MMC) modelo BR-M443, da fabricante Mitutoyo, do tipo ponte móvel. Ela tem resolução de 0,001 mm e volume de trabalho de 400 x 400 x 300 mm3 para os eixos X, Y e Z, respectivamente. Segundo o certificado de calibração da máquina, o seu erro de apalpamento é de 0,0029 mm e a incerteza linear associada ao eixo X é de 1,2+L/1.300 μm, de 1,1+ L/1.300 μm para o eixo Y e de 1,0+ L/1.300 μm para o eixo Z. A letra L representa o valor da coordenada correspondente. Para as medições foi utilizada uma ponta única de esfera de rubi de 2 mm de diâmetro. Foram apalpados nove pontos em uma seção transversal da parede do furo, distribuídos de forma a obter uma amostra representativa dos infinitos pontos.

O desvio de circularidade foi medido na máquina de medir desvios de forma modelo Talyrond 131, da fabricante Taylor Hobson, também com apalpador de ponta única com esfera de rubi de 2 mm de diâmetro. A resolução deste equipamento é de 0,01 μm, com faixa de medição no eixo vertical de 250 mm e no eixo horizontal de 180 mm. O desvio de excentricidade da mesa da máquina é de 0,035 μm, e a incerteza padrão da calibração da MMDF, de 0,005 μm. Estes valores foram obtidos no certificado de calibração. As medições foram realizadas em uma seção transversal dos furos, conforme especificado na NBR 6409[2]. A altura da seção transversal foi definida segundo o padrão técnico da empresa.

Para a medição da rugosidade, foi usado rugosímetro portátil Surtronic 3+ modelo 112/ 1590, da fabricante Taylor Hobson, com resolução de 0,01 μm e agulha do apalpador de diamante com raio de ponta de 5 μm. A incerteza padrão associada ao deslocamento devido à amplitude das vibrações é de 0,0045 μm, e a incerteza padrão da calibração do rugosímetro é de 0,0233 μm, valor também obtido no certificado de calibração.

O cut-off (Lc) adotado foi de 0,25 mm, comprimento de medição (Ln) de 1,25 mm e filtro Gaussian, conforme NBR ISO 4288[5]. A aquisição do perfil e dos parâmetros de rugosidade foi feita no software TalyProfile Gold 4.0.

 

Resultados e discussões

Investigação do defeito de usinagem

Uma amostra foi usinada para cada condição de teste estabelecida no planejamento experimental. Verificou-se que a região da parede adjacente ao furo transversal, de todos os pistões usinados, apresentava vários riscos, semelhante ao problema descrito pela empresa. Entretanto, estes eram mais intensos no segundo furo; no primeiro, apenas algumas peças apresentaram o defeito. Além dos riscos no sentido da seção transversal, no segundo furo, também foram observadas marcas de alguns riscos inclinados à esquerda, como mostrado na figura 4.

Figura 4 – Microscopias da superfície do segundo furo em uma das amostras alargadas

Na operação de alargamento, devem ser consideradas as características da peça e do furo que será alargado, e associá-las à geometria da ferramenta – uma vez que o desempenho deste conjunto influenciará na qualidade final da superfície alargada. Ponderando-se as características do furo, o processo pode ser considerado um corte interrompido, pois a sua usinagem é descontinuada pelo furo transversal.

A fim de analisar a influência desta interrupção na qualidade dos furos, uma amostra foi usinada sem que as ferramentas passassem pela descontinuidade. Os resultados mostraram que, nesta condição, o defeito não apareceu. Partindo-se para a análise da geometria do alargador de acabamento, constatou-se que o detalhe B da ferramenta (conforme figura 2), associado à interrupção, poderia originar o defeito. Esse alívio tem por objetivo a retificação dos diâmetros diferentes do alargador, que, na ponta, é de 7,47 mm e, após o detalhe, de 7,50 mm. Este último é o diâmetro nominal dos furos.

Acredita-se que, nos momentos em que o detalhe B entrava no furo e, logo em seguida, passava pela interrupção, pelo efeito do batimento radial, as arestas do alívio, originadas na retificação, entravam no furo transversal. Ao saírem, riscavam a superfície usinada, devido às elevadas forças de corte. Nestes testes iniciais, a ferramenta não se deslocou no eixo Z o suficiente para que o alívio passasse completamente pelo segundo furo, permanecendo os riscos deixados por ele após o retorno da ferramenta.

O defeito era corrigido no primeiro furo pois o alargador continuava avançando quando o alívio saía completamente dele. Desse modo, as guias cilíndricas alisavam a superfície, o que fazia o defeito desaparecer. Portanto, para a realização dos ensaios do planejamento experimental, foi definido que a profundidade do alargador de acabamento seria de 33 mm a partir do referenciamento da ferramenta, o que permitia que o alívio passasse completamente pelo segundo furo, além de se obter o diâmetro nominal de 7,5 mm.

O comportamento dos sinais monitorados desde o início do alargamento do primeiro furo até o início do segundo, durante o processo, é mostrado na figura 5. Por meio deles, pode se identificar o instante em que o alívio da ferramenta passa pela interrupção. O sinal de emissão acústica é utilizado para acompanhar o movimento da ferramenta na direção do avanço. Os gráficos apresentam as médias móveis dos intervalos analisados.

Figura 5 – Comportamento dos sinais adquiridos na usinagem do primeiro furo até o início do segundo

Nos gráficos, os sinais estão divididos em fases, como segue.

● Fase 1

É o período de usinagem do primeiro diâmetro do alargador, ou seja, quando somente a parte abaixo do alívio da ferramenta está usinando. O pico apresentado no sinal de emissão acústica refere-se à entrada da ferramenta na peça. Nesta fase, o valor médio de Mz e Ff é de 0,5 N.m e 62 N, respectivamente, sendo Mz máximo de 1 N.m e Ff de 153 N.

● Fase 2

É o intervalo entre a saída das arestas de corte principais da ferramenta de dentro do furo (o que causa queda nos sinais de Mz e Ff , que assumem valores de 0,3 N.m e 11 N, respectivamente) e a entrada do segundo diâmetro. Neste momento, o alívio da ferramenta adentra no furo, resultando em picos no gráfico de emissão acústica.

● Fase 3

É o período de usinagem do segundo diâmetro, com o alívio passando pela interrupção. Pelo efeito do batimento radial, suas arestas entram para dentro do furo transversal, implicando em pequeno acréscimo no sinal de Mz, para 0,5 N.m, e de Ff , para 23 N.m.

● Fase 4

A fase 4 representa a saída do alívio da ferramenta do furo transversal e do furo usinado, atenuando novamente os sinais de Mz e de Ff, para 0,3 N.m e 16 N, respectivamente, e resultando em perturbação dos sinais de emissão acústica.

● Fase 5

Finalmente, a fase 5 é o tempo em que a ferramenta avança em vazio, até o início da usinagem do segundo furo. Nesta fase, Mz assume o valor de 0,2 N.m e Ff , de 11 N.

 

Avaliação da incerteza de medição

A avaliação da incerteza associada às medições foi estimada aplicando a metodologia proposta no Guia para a Expressão da Incerteza de Medição[9]. Foi calculada para cada um dos parâmetros de qualidade, considerando a amostra que apresentou a maior variabilidade entre as leituras. Entretanto, essa incerteza pode ser adotada para todos os valores medidos. Na tabela 4 são apresentados os valores máximos de incerteza associada às medições.

 

Análise de variância

A tabela 5 apresenta os resultados da média e o desvio padrão para o primeiro furo, obtidos nos ensaios do planejamento fatorial 23. Ignorando-se o efeito da interação das variáveis entre si, foram obtidos os quadros das análises de variância (Anova) para cada uma das variáveis de resposta. Adotando-se um nível de significância de 5%, o valor de p deve ser menor que 0,05 para que a variável tenha significância. A análise de variância do planejamento fatorial indicou que os fatores de controle não produziram efeito significativo nas variáveis de resposta, com exceção da profundidade de corte na força de avanço, que apresentou valor de p de 0,026510 e de 0,048875 para o primeiro e o segundo furos, respectivamente. A explicação deste efeito do ponto de vista da usinagem é dada logo a seguir.

No entanto, é ainda objetivo do planejamento experimental observar a influência qualitativa da profundidade de corte no comportamento das variáveis de resposta.

 

Efeito da profundidade de corte

A figura 6 apresenta o comportamento da força de avanço em função da profundidade de corte para ambos os furos. Observa-se um nítido aumento à medida que se incrementa a profundidade de corte, confirmando assim a influência significativa deste fator na análise de variância de Ff . Isto ocorre porque, nesta situação, há um aumento nas áreas dos planos de cisalhamento primário e secundário, que causam um aumento da força de usinagem numa proporção direta quase linear[10].

Figura 6 – Efeito da profundidade de corte na força de avanço

O comportamento do momento torçor em função da profundidade de corte é mostrado na figura 7. Para ambos os furos, a menor profundidade de corte resultou em menor Mz. Para o segundo furo, o torque é sensível apenas na profundidade de 0,05 mm, enquanto no primeiro a maior profundidade de corte, de 0,20 mm, resultou em maior Mz.

Figura 7 – Efeito da profundidade de corte no momento torçor

Yamada[13] encontrou resultados similares no alargamento de uma liga de alumínio aeronáutico utilizando ferramenta de aço rápido e profundidades de corte de 0,07 e 0,263 mm. A 0,07 mm, obteve valores de Ff de 14,41 N e Mz de 0,29 N/m, enquanto para 0,263 mm Ff foi de 68,97 N e Mz, de 0,40 N.m. Segundo o autor, a influência sobre o momento torçor é mais fortemente sentida quando a profundidade de corte é maior pois, nesta condição, é gerado um maior braço de alavanca.

Ao testarem um novo modelo dinâmico para o processo de furação e alargamento, Yang et al[14] usinaram ferro fundido a uma profundidade de corte de 0,5 mm variando a velocidade de corte e o avanço. Os resultados experimentais apresentaram valores de momento torçor variando de 0,5954 a 0,9411 N.m.

O comportamento do diâmetro quando se varia a profundidade de corte é mostrado na figura 8. Para ambos os furos, o diâmetro aumentou durante alargamento na maior profundidade de corte, de 0,2 mm. O melhor resultado foi encontrado usinando com 0,1 e 0,15 mm, para o primeiro e o segundo furos, respectivamente.

Figura 8 – Efeito da profundidade de corte na exatidão do diâmetro

O diâmetro do segundo furo foi sempre maior do que o do primeiro em todas as condições. Acredita-se que isto seja devido ao fato de o segundo furo não possuir o escareado que, de acordo com Gabor[8], tem a finalidade de garantir o alinhamento exato do eixo da ferramenta com o do furo sendo usinado, uma vez que o alargador não pode compensar esta diferença.

Nas figuras 9 e 10 percebe-se que a variação da profundidade de corte afetou de modo similar o comportamento dos desvios de circularidade e rugosidade de ambos os furos. Os melhores resultados foram obtidos nas profundidades de corte intermediárias, de 0,1 e 0,15 mm. A menor profundidade de corte, de 0,05 mm, resultou em maior desvio de circularidade e rugosidade, enquanto o maior valor, 0,2 mm, também tendeu para maiores desvios e pior acabamento superficial.

Figura 9 – Efeito da profundidade de corte no desvio de circularidade

Figura 10 – Efeito da profundidade de corte na rugosidade superficial

Na primeira situação, a pequena quantidade de material removido faz com que o alargador atrite na peça ao invés de cortá-la, um efeito mais de conformação do que de corte propriamente dito. Além disso, as forças de corte não são suficientes para garantir um contato contínuo entre a guia cilíndrica da ferramenta e a parede do furo. Com isso, o alisamento não é eficiente. Em contrapartida, quando alargando na maior profundidade de corte, há o aumento da força. Ambas as situações afetam adversamente a qualidade dos furos produzidos, tanto em termos de desvio de circularidade quanto de rugosidade. A ação de conformação e o fato de a ferramenta não ser guiada continuamente no furo já alargado, tende a ser mais prejudicial que o aumento dos esforços de corte.

Durante o alargamento de uma liga de alumínio-silício, Bezerra et al[6] encontraram resultados semelhantes, o que foi atribuído, quando usinando na menor profundidade, à ação de compressão do material. Como resultado, foi produzida uma superfície irregular e com maior rugosidade.

 

Conclusões

Na investigação do defeito de usinagem que apareceu na etapa de ajuste das condições de corte empregadas na usinagem do pistão na linha de produção da Embraco, bem como daqueles usinados em laboratório, conclui-se que, de fato, as características da peça e do furo alargado devem ser consideradas na operação de alargamento, pois influenciam diretamente na qualidade do furo.

Foi constatado que os riscos que apareciam no furo alargado, na região da parede adjacente ao furo transversal, eram decorrentes do detalhe existente na geometria do alargador, associado à presença da interrupção. A ação das guias cilíndricas influenciou diretamente na qualidade pelo fato de alisar a superfície dos furos. Assim, uma sugestão é que o projeto da ferramenta seja revisto, de forma a eliminar o detalhe B (alívio).

A análise de variância dos ensaios do planejamento fatorial indicou, para ambos os furos, que os fatores de controle não produziram efeito significativo nas variáveis de resposta, com exceção da profundidade de corte na força de avanço Ff.

Da análise da influência individual da profundidade de corte nas variáveis de resposta, conclui-se que:

 

Referências

  1. ASM International: Metals Handbook. 9a ed., v. 16, 1989.
  2. Associação Brasileira de Normas Técnicas: NBR 6409: Tolerâncias geométricas – Tolerâncias de forma, orientação, posição e batimento – Generalidades, símbolos, definições e indicações em desenho. Ed. ABNT, Rio de Janeiro, Brasil, 19 p., 1997.
  3. Associação Brasileira de Normas Técnicas: NBR NM-ISO 1: Temperatura padrão de referência para medições industriais de comprimento. Ed. ABNT, Rio de Janeiro, 2 p., 1997.
  4. Associação Brasileira de Normas Técnicas: NBR ISO/IEC 17025: Requisitos gerais para competência de laboratórios de ensaio e calibração. Ed. ABNT, Rio de Janeiro, Brasil, 2005.
  5. Associação Brasileira de Normas Técnicas: NBR ISO 4288: Especificações geométricas do produto (GPS) – Rugosidade: Método do perfil – Regras e procedimentos para avaliação da rugosidade. Ed. ABNT, Rio de Janeiro, Brasil, 10 p., 2008.
  6. Bezerra, A. A.; Machado, A. R.; Souza, A. M.; Ezugwu, E. O.: Effects of machining parameters when reaming aluminium-silicon (SAE 322) alloy. Journal of Materials Processing Technology, v. 112, p. 185-198, 2001.
  7. Ferraresi, D. et al: Usinagem dos metais. Ed. ABM, 4a ed., São Paulo, Brasil, 1972. 8] Gabor, H.: Como atuam os alargadores. Revista Máquinas e Metais, Aranda Editora, ano XVIII, no 205, p.16-21, 1982.
  8. 9] Inmetro: Guia para a expressão da incerteza de medição. Ed. ABNT, 3a ed., Rio de Janeiro, Brasil, 120 p., 2003.
  9. Machado, A. R.; Abrão, A. M.; Coelho, R. T.; Silva; M. B.: Teoria da usinagem dos materiais. Ed. Edgard Blücher, 1a ed., São Paulo, Brasil, 2009.
  10. 11] Stemmer, C. E.: Ferramentas de corte II: brocas, alargadores, ferramentas de roscar, fresas, rebolos, abrasivos. Ed. UFSC, 2a ed., Florianópolis, Brasil, 1995.
  11. Stoecker, W. F.; Saiz, J. J. M.: Refrigeração industrial. 2a ed., Ed. Edgard Blücher, São Paulo, Brasil, 371 p., 2002.

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