Parâmetros de usinagem

O maior volume das investigações de processos de usinagem está focado na otimização das condições econômicas de corte, precisão dimensional e acabamento da superfície por meio da geração de banco de dados utilizando resultados de observações obtidas por métodos caros de tentativa e erro[2,8]. No entanto, pesquisas dedicadas ao estudo dos mecanismos fundamentais foram de certa forma abandonadas devido à dificuldade de compreensão do comportamento do material sob condições diferenciadas de deformação durante o corte[3,4].

Recentemente, o interesse sobre fundamentos da teoria da usinagem ressurgiu pela necessidade de obtenção de teorias unificadas que sustentassem todos os tipos de corte, na tentativa de prever o comportamento dos materiais em uma grande faixa de deformações, taxas de deformação, temperatura e carregamentos complexos. Essas teorias podem contribuir para a preparação e formulação de modelos de usinagem, para uso no desenvolvimento e melhoria de programas de elementos finitos para simulações do processo[7,8,12,14,19].

Para tanto, a base para melhor compreender os processos de usinagem está relacionada com o estudo da formação do cavaco, que se processa em elevadíssimas taxas de deformação. Isso dificulta o acesso experimental à região de corte. Por isso, para lidar com essa situação complexa, é importante conhecer a influência das variáveis do processo sobre a usinabilidade dos metais[10].

Os aços inoxidáveis, que em geral são caracterizados como materiais de baixa usinabilidade, em consequência do elevado coeficiente de encruamento e da baixa condutividade térmica durante a usinagem[13,17], podem ajudar no estudo. A morfologia segmentada de seus cavacos facilita as investigações da formação do cavaco pós-processo. Dessa forma, identificar quais parâmetros (tanto microestruturais quanto de processo) influenciam a formação do cavaco de diferentes classes de aços inoxidáveis são úteis para iniciar uma investigação mais aprofundada sobre o comportamento dos materiais durante a usinagem. A meta é o desenvolvimento de modelos de corte que poderão ser aplicados na melhoria das técnicas de usinagem relacionadas com a otimização do processo e a inovação de materiais e ferramentas[11].

 

Materiais e métodos

Material de trabalho e ferramenta

Foram utilizadas barras cilíndricas de duas classes de aços inoxidáveis, V304UF (austenítico) e VSM13 (martensítico), fornecidos pela Villares Metals. A tabela 1 mostra a composição química característica dos materiais de trabalho.

A ferramenta de corte utilizava pastilha triangular de metal duro, classe P, sem revestimento, com especificação ISO TPUN 16 03 04, fabricada pela Brassinter, montada em um porta-ferramenta CTGPR 2525 M16, da Sandvik, com ângulo de inclinação (λs) de 0°, ângulo de saída positivo (γ0) de 6° e ângulo de posição (χr) de 91°.

 

Procedimento experimental

Os ensaios de torneamento foram executados a seco em um torno convencional S-30 da Romi, com potência total de 6 kW no motor principal e rotação máxima de 1.800 rpm no eixo-árvore. A configuração dos ensaios foi obtida por meio de um planejamento estatístico fatorial completo 23, consistindo em duas variáveis quantitativas, velocidade de corte vc e de avanço f, além de uma variável qualitativa e material de trabalho, totalizando oito ensaios (tabela 2). A profundidade de corte ap de 2 mm foi mantida constante e a velocidade de corte foi variada conforme diferentes diâmetros das barras (70 e 45 mm), mantendo a rotação fixa em 710 rpm.

Os cavacos foram caracterizados pelo microscópio óptico Olympus BX60M e pelo microscópio eletrônico de varredura (MEV) Quanta 600 FEG. As tensões atuantes no plano de cisalhamento primário foram calculadas a partir de relações geométricas obtidas do círculo de Merchant e definidas pelas equações 1 e 2[1,17].

Onde:

τS = tensão de cisalhamento e

σZ = tensão normal,

FZ = a força de cisalhamento (estimada pela equação 3) e

FNZ = força normal ao plano de cisalhamento (determinada pela equação 4).

FZ = Fc cos Ø - Ff sin Ø (3)

FNZ = Fc sin Ø + Ff cos Ø (4)

Onde;

Fc = força de corte e

Ff = força de avanço.

Fc e Ff foram monitoradas com o auxílio do dinamômetro piezoelétrico modelo 9265B/ 9441B, condicionador de sinais 5070A 11100 e o software analisador de sinais DynoWare 2825A1-2, da Kistler.

O ângulo de cisalhamento Ø foi obtido pela equação 5 e pelo cálculo do grau de recalque Rc na equação 6, que, por sua vez, depende da espessura do cavaco h’ e da espessura de corte h dadas na equação 7. A espessura do cavaco foi determinada a partir da medição da espessura de 10 regiões aleatórias ao longo do comprimento do cavaco gerado durante a usinagem. Para isso, foi utilizado um micrômetro externo digital com ponta esférica da Digimess, com faixa de medição de 0 a 25 mm e resolução de 0,001 mm.

Por fim, a área do plano de cisalhamento (AS) pôde ser estimada a partir da equação 8.

Onde:

b = largura de corte dada pela equação 9.

 

Onde:

χr = ângulo de posição da ferramenta de corte.

 

Resultados e discussões

A caracterização dos cavacos é apresentada na figura 1, que mostra imagens de microscopia óptica (1a e 1b), tanto da microestrutura característica dos materiais de trabalho quanto dos respectivos cavacos. As figuras 1c e 1 d, obtidas por microscopia eletrônica de varredura, mostram a superfície livre do cavaco e sua seção longitudinal, dando uma visão global representativa da formação dos cavacos dos aços inoxidáveis avaliados.

Figura 1 – Caracterização dos aços inoxidáveis e seus respectivos cavacos.

As imagens evidenciaram cavacos do tipo segmentado, mas foi observado um cisalhamento adiabático muito mais pronunciado no aço inoxidável V304UF em relação ao VSM13. Este resultado está de acordo com Shaw[16], que atesta que as propriedades do material, principalmente a dureza e fragilidade, controlam a formação deste tipo de cavaco. Segundo o autor, materiais com durezas mais baixas, como é o caso do aço inoxidável austenítico com dureza média de 140,6 HV30, tendem a formar cavacos com “dentes de serra” mais salientes do que materiais com durezas mais elevadas, como o aço inoxidável martensítico (276,4 HV30). Além disso, as velocidades de corte utilizadas podem não ter sido suficientes para se atingir o limite crítico para o “cisalhamento termoplástico catastrófico” do VSM13.

A tabela 3 apresenta os valores das forças de corte e de avanço médias, bem como as espessuras médias dos cavacos juntamente com as tensões de cisalhamento e normal ao plano de cisalhamento determinadas.

As respostas das tensões atuantes na zona de cisalhamento primário foram analisadas estatisticamente para um intervalo de confiança de 95% e 5% de nível de significância. As figuras 2 e 4 mostram gráficos de Pareto, nos quais podem ser observadas as variáveis significativas juntamente com os seus respectivos efeitos sobre as respostas.

Os resultados da tensão normal ao plano de cisalhamento mostraram diferença significativa entre as classes de aços inoxidáveis (figura 2), indicando uma alteração no comportamento do aço VSM13 em relação ao V304UF, o que ficou evidenciado na morfologia do cavaco apresentada na figura 1.

Figura 2 – Pareto de efeitos padronizados da análise de significância do planejamento fatorial completo 2³ em relação à tensão normal ao plano de cisalhamento.

Com a mudança de uma microestrutura austenítica para uma martensítica, a resposta de σZ aumenta, em média, cerca de 217 MPa. O avanço e a interação entre as variáveis também mostraram um pequeno efeito significativo na resposta, não ultrapassando 20% do efeito principal do material. A influência das variáveis significativas sobre σZ é mostrada na figura 3, confirmando o maior efeito do material com relação às condições de corte.

Figura 3 – Tensão normal ao plano de cisalhamento em função das condições de corte para as respectivas classes de aços inoxidáveis.

A análise dos resultados de tensão de cisalhamento, no entanto, mostrou que somente a interação entre o material e a velocidade de corte influenciou significativamente as respostas, como pode ser observado nas figuras 4 e 5. A figura 5 mostra o efeito da velocidade de corte sobre τS para as classes de aços inoxidáveis investigadas. Nela, fica evidente o aumento da tensão necessária pra cisalhar o VSM13 com a velocidade de corte. Por outro lado, essa tensão diminui com v c para o V304UF, indicando amolecimento devido ao aumento de temperatura pela maior velocidade empregada no torneamento. Ao contrário do que acontece com o aço martensítico, o corte é facilitado.

Figura 4 – Pareto de efeitos padronizados da análise de significância do planejamento fatorial completo 2³ em relação à tensão de cisalhamento.

Figura 5 – Tensão de cisalhamento em função velocidade de corte para as respectivas classes de aços inoxidáveis.

 

Conclusões

Os resultados apresentados mostram que, na formação do cavaco, especificamente na zona primária de cisalhamento, o efeito do material é mais efetivo do que o efeito das condições de corte, principalmente no que diz respeito à tensão normal ao plano de cisalhamento. Ficou evidente que, para uma análise mais apurada da relação entre a usinabilidade e a microestrutura do material, o fator mais importante a ser considerado na investigação é σZ.

 

Referências

1] Altintas, Y.: Manufacturing automation: metal cutting mechanics, machine tools vibrations, and CNC design. Cambridge University Press, Nova Iorque, 286 p., 2006.

2] Astakhov, V.; Shvets, S. V.: A novel approach to operating force evaluation in high strain rate metal-deforming technological processes . Journal of Material Processing Technology, v. 117, p. 226-237, 2001.

3] Astakhov, V. P.: A treatise on material characterization in the metal cutting process. Part 1: cutting as the fracture of workpiece material. Journal of Materials Processing Technology, v. 96, p. 22-33, 1999.

4] Astakhov, V. P.: A treatise on material characterization in the metal cutting process. Part 2: a novel approach and experimental verifi cation. Journal of Materials Processing Technology, v. 96, p. 34-41, 1999.

5] Barbosa, C.: Revestimento de poços – o desafi o da exploração em águas profundas e a contribuição das LRCs – ligas resistentes à corrosão. Inox, v. 31, p. 19-21, 2009. 6] Brassinter: Pastilhas de torneamento. Catálogo de especifi cação de ferramentas de corte, 24 p., disponível em , acesso em 9 de outubro de 2009.

7] Chang, C.–S.: Predition of the cutting temperatures of stainless steel with chamfered main cutting edge tools. Journal of Materials Processing Technology, v. 190, p. 332-341, 2007.

8] Childs, T.; Maekawa, K.; Obikawa, T.; Yamane, Y.: Metal machining: theory and applications . Ed. Arnold, London, 408 p., 2000.

9] Dixit, U. S.; Joshi, S. N.; Davim, J. P.: Incorporation of material behavior in modeling of metal forming and machining processes: a review. Materials and Design, v. 32, p. 3.655-3.670, 2011. 10] Ferraresi, D.: Fundamentos da usinagem dos metais . Ed. Edgard Blücher, São Paulo, Brasil, 751 p., 2011.

11] Guo, Y. B: An integral method to determine the mechanical behavior of materials in metal cutting . Journal of Materials Processing Technology, v. 142, p. 72-81, 2003.

12] Guo,Y. B.; Wen, Q.; Horstemeyer, M.F: An internal state variable plasticity-based approach to determine dynamic loading history effects on material property in manufacturing processes. International Journal of Mechanical Sciences, v. 47, p. 1.423-1.441, 2005.

13] Machado, Á. R.; Abrão, A. M.; Coelho, R. T.; da Silva, M. B.: Teoria da usinagem dos materiais . Ed. Edgard Blücher, São Paulo, Brasil, 371 p., 2009.

14] Meyers, M. A.: Dynamic behavior of materials . John Wiley & Sons, Nova Iorque, 668 p., 1994.

15] Sandvik Coromant do Brasil. Disponível em , acesso em 11 de fevereiro de 2012.

16] Shaw, M. C: Metal cutting principles. Oxford University Press, Nova Iorque, 594 p., 2005.

17] Trent. E. M.; Wright, P. K.: Metal cutting . Butterworths, Londres, 4 a ed, 437 p., 2000.

18] Villares Metals: Aços inoxidáveis. Catálogo de especifi cação, composição química, propriedades mecânicas e aplicações de aços inoxidáveis, 2009, 8 p., disponível em , acesso em 2 de abril de 2011.

19] Wang, J.; Huang, C. Z.; Song, W. G.: The effect of tool fl ank wear on the orthogonal cutting process and its practical implications. Journal of Materials Processing Technology, v. 142, p. 338-346, 2003.


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