A indústria metalmecânica está sempre em busca de novas tecnologias e métodos para reduzir o custo final de produção, seja por meio da otimização do processo, seja pela utilização de ferramentas com novas geometrias, compostos, revestimentos, máquinas mais modernas ou variação nos parâmetros de corte. O objetivo é sempre obter alta produtividade, um fator determinante para adquirir competitividade[8].
E na indústria metalmecânica, a usinagem desempenha um papel fundamental nos processos de fabricação. Entre eles, o fresamento destaca-se pela produtividade e flexibilidade[2].
Na cadeia de produção, o custo da ferramenta é composto não apenas pelo preço de compra, mas também pelo número de peças que pode produzir. Dessa maneira, qualquer pesquisa que tenha por objetivo um incremento na vida da ferramenta estará contribuindo, consequentemente, para a redução do valor agregado a ela. A utilização de ferramentas reafiadas proporciona a redução do custo de usinagem e prolonga o tempo de uso da ferramenta em determinado processo[8]. A prática de utilização de ferramentas reafiadas, entretanto, carece de informações apuradas quanto aos seus desempenhos.
Metodologia
Este trabalho consiste em analisar o desempenho de fresas de topo de metal duro, novas e reafiadas, depois de utilizadas até o fim de vida em fresamento de topo. A vida dessas ferramentas foi uma das variáveis de saída, base para as comparações. Visando confiabilidade estatística, a própria metodologia escolhida permitiu várias repetições dos testes. Para cada tipo de teste foram utilizadas quatro ferramentas novas até atingir 100% de vida. Essa distribuição possibilitou a realização de quatro réplicas para cada condição.
A vida da ferramenta é definida como o período em que a ferramenta pode ser utilizada na produção (no processo de usinagem), seguindo o critério de fim de vida recomendado pelo fabricante (neste caso, a OSG Sulamericana) para a operação mencionada. Após atingir o fim de vida, a ferramenta foi enviada ao Centro de Reafiação da OSG Sulamericana para devida reafiação e depois para a Oerlikon Balzers Coatings do Brasil, para rerrevestimento. Retornou ao Laboratório de Ensino e Pesquisa em Usinagem da Universidade Federal de Uberlândia (Lepu/UFU, MG) reafiada e pronta para usinar novamente. A rotina utilizada para a reafi ação é similar àquela utilizada para fabricar uma fresa nova.
Material da peça
O material utilizado para a produção da peça foi o aço ABNT P20 (de mesma designação ASTM, SAE e AISI, WNr 1.2311 da norma DIN), muito usado na fabricação de moldes de injeção de plásticos. Foi fornecido na forma prismática, com as dimensões de 190 x 250 x 360 mm, pela Villares Metals, e tem como designação própria do fabricante VP20ISOF.
Trata-se de um aço Cr-Mo elaborado por desgaseificação a vácuo, com usinabilidade melhorada por tratamento com cálcio e fornecido no estado temperado e revenido com dureza na faixa de 30-34 HRC (285-321 HB).
O VP20ISOF é fornecido no estado benefi ciado, possui boa polibilidade, resposta à texturização e mesma usinabilidade melhorada do VP20ISO. Seu principal diferencial é a ausência de níquel, o que diminui o custo de produção. A tabela 1 mostra sua composição química.
O aço VP20ISOF foi desenvolvido com vistas a ter elevada usinabilidade sem perda de polibilidade. É produzido com baixo teor de enxofre e submetido a um tratamento com cálcio durante o refino secundário na aciaria.
Segundo Milan[6], o aço tratado com cálcio proporciona melhor usinabilidade por meio de um controle da morfologia das inclusões duras, dos tipos alumina e silicatos, e da formação de uma camada protetora de óxido na interface cavaco-ferramenta durante a usinagem. Com isso, o desgaste da ferramenta diminui a altas velocidades de corte. O mesmo autor afirma que a desoxidação com cálcio não altera características como propriedades mecânicas nem a resposta ao tratamento térmico (como a dureza, por exemplo).
Mesquita e Barbosa[5] concluem que o tratamento com cálcio é o grande responsável pela melhoria da usinabilidade. O cálcio reduz o efeito danoso das inclusões duras porque forma inclusões ternárias do tipo CaO-Al2O3. Também gera a formação de sulfeto de manganês na superfície das inclusões. Esse “envelope” de sulfeto de manganês minimiza o efeito deletério das inclusões abrasivas sobre a aresta de corte da ferramenta. E como tais inclusões não possuem fração demasiadamente elevada e não se tornam alongadas durante a conformação, não existe perda de polibilidade do material.
A figura 1 mostra a micrografia das duas amostras utilizadas para a medição de dureza, onde se destacam a matriz martensítica revenida e inclusões, confi rmando o que foi observado por Milan[6].
Figura 1 – Micrografi as do VP20ISOF: amostra 1 (a) e amostra 2 com ataque de Nital a 4% (b).
Ferramenta de corte
Foram utilizadas ferramentas de metal duro da série HY-PRO com quatro canais, inteiriças de metal duro classe H, com 10% de cobalto, fornecidas pela OSG Sulamericana. Os revestimentos aplicados foram aplicados por deposição física a vapor (PVD). Foram eles o Alcrona (Al-Cr-N) e o Futura Top (TiAl-N), ambos produzidos pela Oerlikon Balzers, que têm suas características descritas na tabela 2.
As fresas utilizadas possuem 10 mm de diâmetro, 70 mm de comprimento e 25 mm de extensão da aresta de corte.
Equipamentos utilizados
Os ensaios foram realizados no Lepu utilizando os seguintes equipamentos:
● dinamômetro rotativo Kistler 9123C,
● centro de usinagem Romi Discovery 760 com CNC Siemens 810 15 kVA (rotação máxima de 10.000 rpm) e
● microscópio óptico Olympus SZ61.
Condições de corte
Para estabelecer as melhores condições de corte na realização dos ensaios de vida, foram realizados alguns pré - testes utilizando dados disponíveis em catálogos. O tipo de usinagem escolhido foi o fresamento de topo em uma única direção (sentido discordante), com penetração de trabalho ae de 1 mm e profundidade de corte ap de 10 mm. O comprimento em balanço foi de 35 mm, o batimento medido no eixo-á rvore da máquina e na ponta da ferramenta foi de 6 e 9 µm, respectivamente.
O desgaste da ferramenta foi medido no fl anco principal, na extensão dos 10 mm correspondentes à profundidade de corte utilizada. Para monitoramento do desgaste das ferramentas, utilizou-se o desgaste de fl anco médio VBB, de acordo com a norma ISO 8688-2.
Inicialmente, foram realizados testes com velocidade de corte de 45, 50 e 60 m/ min (mantendo a velocidade de avanço em 90 mm/min). No entanto, em virtude da presença de lascamentos, optou-se por aumentar até 100 m/min.
Durante a realização dos pré-testes, foi observado que o aumento da velocidade de corte acarretou melhor durabilidade da ferramenta. Ou seja, a vida da ferramenta aumentou significativamente. Outro dado que foi levado em consideração na escolha das condições de corte foi o desgaste da ferramenta. A velocidades de corte abaixo de 60 m/min, a ferramenta apresentou inúmeros lascamentos ao longo da aresta de corte, e consequentemente um desgaste irregular. Com o aumento do avanço, a vibração aumentava consideravelmente.
Analisando os dados obtidos em pré-testes (tabela 3), optou-se por escolher duas condições de corte. A mais branda teve velocidade de corte de 80 m/ min e a outra, de 100 m/min, mantendo o avanço por dente em 0,015 mm/dente.
As condições de corte escolhidas favorecem o desgaste uniforme da ferramenta. Para a condição vc = 100 m/min, o critério de fim de vida teve de ser alterado devido às altas vibrações geradas, o que aumentava o desgaste. Um número fixo de passadas foi adotado como critério de fim de vida da ferramenta. A tabela 4 apresenta os critérios de fim de vida adotados para cada tipo de teste experimental realizado.
Durante o primeiro teste com ferramentas de diferentes revestimentos, a análise de desgaste foi realizada a cada 10 passadas. Posteriormente, com maior conhecimento sobre a vida da ferramenta e seu comportamento, optou-se por realizar paradas a cada 20 passadas, até mesmo por uma questão de agilidade na execução dos testes. A mudança não alterou o comportamento da ferramenta, levando em conta a comparação entre os dados coletados nas réplicas.
Reafiação
O processo de reafiação na OSG Sulamericana consistiu em refazer toda a geometria da ferramenta utilizando uma ferramenta de rebolo abrasivo. Depois de reafiadas, as ferramentas foram enviadas para Oerlikon Balzers, onde receberam o revestimento. Esse revestimento pode ser feito por cima do anterior ou retirando o antigo (processo conhecido por decapagem) e aplicando um novo. No caso deste trabalho, foi adotada a primeira opção.
A Oerlikon Balzers seguiu o critério de manter a espessura do revestimento entre 0,002 e 0,005 mm.
O fim de vida da ferramenta foi predeterminado em conjunto com o setor de reafiação da OSG Sulamericana. Na condição 1, o critério adotado para o fim de vida foi o desgaste de flanco médio VBB de 0,2 mm. Esse é o desgaste máximo que a ferramenta pode apresentar para que se possa obter uma reafiação sem perder muito no diâmetro final, uma vez que a reafiação é feita no sentido radial da ferramenta.
Resultados
O comportamento da ferramenta ao longo da vida indica uma taxa de desgaste alta nos primeiros instantes de corte e desgaste menos acentuado nos tempos finais de corte. Depois do desgaste acelerado no início do corte, passa para uma taxa constante. Depois, próximo ao fim de vida, o aumento acentuado na taxa de desgaste é proveniente das elevadas temperaturas e tensões promovidas pela deterioração da aresta de corte[4,9].
Geralmente, o desgaste de flanco tem uma taxa de crescimento uniforme em relação à aresta de corte. A sua largura é relativamente fácil de ser medida e a evolução, para todas as ferramentas, ocorre com uma elevada taxa inicial e diminui consideravelmente após um curto espaço de tempo – a menos que sejam selecionadas altas velocidades de corte[1].
Às vezes, um desgaste de flanco irregular é causado pelo lascamento da aresta de corte. Esse lascamento consiste no arrancamento de partículas e/ou pedaços da aresta durante o processo de corte.
Durante os pré-testes, ficou evidente que o aço VP20ISOF apresentou melhor usinabilidade sob maiores velocidades de corte, o que acarretou maior tempo de usinagem para a ferramenta atingir o fim de vida estipulado. Isto ocorreu porque o lascamento foi reduzido.
Ferramentas com revestimento TiAlN
A figura 2 apresenta o desgaste ao longo da vida da ferramenta revestida com TiAlN e compara a evolução dos valores da ferramenta reafiada com a nova. Observa-se tendência de menores desgastes na ferramenta nova. Estes resultados, entretanto, não se confirmaram pela análise estatística, que tem 95% de confiabilidade e registra igual desempenho para as duas ferramentas.
Figura 2 – Gráfico do desgaste para TiAlN.
Ferramentas com revestimento AlCrN
A figura 3 apresenta o desgaste ao longo da vida da ferramenta revestida com AlCrN, comparando a evolução dos valores da ferramenta reafiada com a nova. De forma geral, as ferramentas revestidas com AlCrN tiveram desempenho superior ao das ferramentas revestidas com TiAlN, possibilitando sua utilização por um tempo maior de usinagem até atingir o fim de vida estipulado.
Figura 3 – Gráfico do desgaste para AlCrN.
As principais causas associadas a este resultado podem ser atribuídas à falta de uma boa adesão do revestimento ao substrato da ferramenta, à alta dureza deste revestimento (que indica provável baixa tenacidade), além das condições mecânicas, químicas e térmicas impostas durante o processo de fresamento[1].
Considerando a velocidade de corte utilizada, o avanço, a profundidade de corte e a alta dureza do material usinado, o melhor desempenho do revestimento AlCrN deve-se à sua maior capacidade de trabalho a elevadas temperaturas (1.100ºC). O TiAlN pode ser usado a uma temperatura máxima de operação de 900ºC.
As ferramentas reafiadas e revestidas com AlCrN apresentaram um desgaste ligeiramente inferior ao de uma ferramenta nova, enquanto as ferramentas reafiadas e revestidas com TiAlN apresentaram um desgaste levemente superior ao de uma nova. Entretanto, estes desgastes se igualam estatisticamente, com 95% de confiabilidade.
Análise estatística
Para analisar o desgaste das ferramentas, utilizou-se de um planejamento fatorial clássico 2k, com dois níveis (ferramentas novas e reafiadas) e três fatores (velocidade de corte, revestimento e reafiação). Assim, foi gerado um planejamento fatorial 23. As comparações foram realizadas apenas com os valores de desgaste da 100a passada. O gráfico de Pareto gerado é apresentado na figura 4 e os níveis, na tabela 5. A tabela 6 ilustra os tempos de usinagem (vida) para cada tipo de revestimento.
Figura 4 – Gráfico de Pareto para o desgaste VBB.
No gráfico de Pareto da figura 4, é possível perceber que o tipo de revestimento foi o fator mais influente no desgaste da ferramenta. Com o aumento da velocidade de corte, também aumentou o desgaste. Quando foi feita a comparação entre os revestimentos, o desgaste foi menor nas ferramentas revestidas com AlCrN.
Conclusão
Referências
1] Ávila, R. F.: Desempenho de ferramentas de metal duro revestidas com Ti-N, Ti-C-N e Ti-Al-N (PAPVD) no torneamento do aço ABNT 4340 temperado e revenido. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, 152 p., Belo Horizonte, 2003.
2] Groover, M. P.: Fundamentals of modern manufacturing, materials, processes, and systems . New Jersey, Ed. John Wiley & Sons, 2002.
3] ISO 8688-2: Tool life testing in milling – Part 2: end milling . International Organization for Standardization, 1989.
4] Machado, Á. R.; Abrão, A. M.; Coelho, R. T.; Silva, M. B.: Teoria da usinagem dos materiais . Ed. Edgard Blucher, São Paulo, SP, v. 1, 371 p., 1a ed., 2009.
5] Mesquita, R. A.; Barbosa, C. A.: Moldes de plástico: otimização da usinabilidade do aço P20 . O Mundo da Usinagem, p. 28-30, 2009.
6] Milan, J. C. G.: Usinabilidade de aços para moldes para plástico . Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, MG, 99 p., 1999.
7] Moura, R. R.: Fresamento de aço para matrizes VP20ISOF com ferramentas reafiadas . Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, MG, 101 p., 2012.
8] Suarez, M. P.: Fresamento de canais da liga de alumínio aeronáutico 7075-T7 . Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, MG, 111 p., 2008.
9] Trent, E. M.; Wright, P. K.: Metal cutting . Butterworth Heinemann, 4 a ed., São Paulo, 751 p., 2000.
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