No presente trabalho, o aço 1045 foi torneado a seco, com insertos de cermet (material compósito cerâmico e metálico) sem revestimentos. O objetivo foi avaliar se a combinação do uso de cermets modernos no torneamento a seco de aços de médio carbono é viável, do ponto de vista da integridade da superfície usinada e da vida útil da ferramenta.

Optou-se pela não utilização de meios lubrificantes refrigerantes, uma vez que estas substâncias podem causar problemas ambienta tais como contaminação da água e do solo, quando descartadas de forma inapropriada. Com efeito, ao se optar pelo processo a seco, os custos podem ser reduzidos pela simplificação de toda a logística relacionada aos meios lubrificantes refrigerantes, incluindo compra, armazenamento, tratamento e descarte. Além disso, efeitos adversos na estrutura da máquina-ferramenta e na peça usinada, tais como corrosão, podem ser atenuados. Em tempo, o uso de lubrificantes refrigerantes pode causar efeitos adversos à saúde humana(4).

Os cermets se destacam por sua alta dureza a quente, baixa reatividade com aços e outros metais e, principalmente, baixa condutividade térmica em comparação com o metal duro(5).

Estas características, bem como desempenho e custo, tornam as ferramentas de cermet uma alternativa competitiva para a usinagem de pré-acabamento e acabamento de aços e ferros fundidos(1).

A rota do torneamento a seco tem sido bastante explorada em pesquisas recentes. Yang et al(6), por exemplo, realizaram o estudo do mecanismo de desgaste de flanco de cermets (Ti,W)C-Mo2C-Co durante a usinagem de um aço de alta liga de carbono endurecido a 62 HRC. No estudo, foi considerado como critério de fim de vida da ferramenta o desgaste de flanco médio igual a 0,3 mm, obtendose uma vida útil da ferramenta de cerca de 33 minutos para uma velocidade de corte de 180 m/min e vida útil cerca de 40% menor quando a velocidade de corte foi aumentada para 280 m/min.

O objetivo do presente trabalho é contribuir para um processo de usinagem mais sustentável.

Materiais e métodos

O torneamento externo a seco foi realizado em barras cilíndricas de aço AISI 1045 (% em peso - 0,48 C, 0,73 Mn, 0,25 Si, 0,016 P, 0,05 S, 0,02 Al, 0,02 Cr, 0,01 Ni – dados do fabricante) com 30 mm de diâmetro e 55 mm de comprimento em um torno CNC Boxford 160 VMCi (0,5 kW de potência e 3.200 rpm máxima). As propriedades mecânicas do material são mostradas na tabela 1.

Os insertos de cermet não revestidos, positivos (ângulo de saída de 6°) classe T1200A, geometria DNMG090202N-SC e porta-ferramentas SDACR062B, fornecidos pela Sumitomo Tools, foram usados nos experimentos, conforme ilustrado na figura 1.

Figura 1 – Esquema de fixação ferramenta-peça durante os testes

De acordo com o fabricante, os insertos apresentam uma fase tenaz composta de grãos grossos, uma fase dura e tenaz rica em tungstênio e uma fase de grãos finos com TiCN na fase ligante.

Os parâmetros de corte empregados estão apresentados na tabela 2. Um novo gume foi utilizado para cada teste, sendo cada um deles reproduzido duas vezes. Uma ferramenta dedicada foi utilizada para uniformizar a superfície antes de cada teste.

Análise por elementos finitos (FEA)

Análises por elementos finitos (finite elements analysis, FEA) foram realizadas para prever forças de corte e o fluxo de calor na zona de corte e formação de cavacos. O software AdvantEdge V7.1 foi usado para simular o corte ortogonal.

O coeficiente de atrito foi estabelecido de acordo com a geometria da ferramenta e configurações padrões do software para ferramentas cerâmicas. O software Tecplot 360 R2 foi utilizado para análise e tratamento dos dados.O estereomicroscópio Carl Zeiss Discovery V12 equipado com software AxioCam 305 e AxioVision V4.7 foi usado para medir a espessura do cavaco e comparar esses resultados com as análises por elementos finitos.

Rugosidade da superfície e desgaste de flanco

A topografia das superfícies usinadas foi avaliada por interferometria de luz branca. Foi empregado o interferômetro New View 7300, da Zygo, com taxa de varredura de 100 µm/s e uma ampliação de 20 vezes.

Em um segundo momento, avaliouse a rugosidade da superfície a cada 150 mm de intervalo de comprimento usinado juntamente com a avaliação do desgaste da ferramenta, para que pudesse ser traçada uma curva rugosidade x desgaste de flanco. Nesta etapa foi empregado um estereomicroscópio Carl Zeiss Discovery V12 equipado com software AxioCam 305 e AxioVision V4.7 para aquisição e processamento das imagens digitais do desgaste e um rugosímetro Taylor Hobson Surtronic 25. Seguiu-se a norma ISO 4288.

Os resultados são uma média de três medições realizadas em cada amostra e foram comparados com a rugosidade teórica. Os mecanismos de desgaste foram avaliados junto a um microscópio eletrônico de varredura (MEV) JEOL, modelo JSM 6610 LV equipado com detector de energia dispersiva de raios-X (EDS) Bruker, modelo Xflash detector 6. O critério de fim de vida da ferramenta utilizado foi desgaste de flanco médio VBB = 0,1 mm, de acordo com a norma ISO 3685.

Avaliação da microestrutura e da microdureza

dureza em cada microconstituinte do material (perlita–fase escura e ferrita–fase branca). Os cortes metalográficos foram imersos em solução de ácido nítrico com concentração de 2% (Nital 2%) durante 10 segundos. Um penetrador Vickers com carga de 25 g, durante 12 s, foi utilizado no teste para todas as medições que foram realizadas abaixo da superfície usinada nas profundidades de 25 µm, 125 µm, 225 µm, 325 µm e 425 µm, conforme mostrado na figura 2.

Figura 2 – Indentações de microdureza na fase perlita em uma amostra usinada com Vc = 275 m/min e f = 0,1 mm/rev

O microscópio Nikon Eclipse MA200 foi usado para analisar a microestrutura do material após o ensaio de microdureza.

Resultados e discussão.

Análise por elementos finitos (FEA)

Os valores de temperatura são 17% menores quando se compara a configuração de velocidade de corte e avanço empregando os maiores valores, com a configuração com os valores mais baixos para estes parâmetros de corte, conforme demostrado nas figuras 3 e 4. Quanto menor o avanço, menor o ângulo de cisalhamento do cavaco.

Figura 3 – Distribuição de calor e espessura de cavacos em análises FEA para f = 0,025 mm/rev: Vc = 175 m/min (à esquerda) e Vc = 275 m/min (à direita)

Figura 4 – Distribuição de calor e espessura de cavacos em análises FEA para f = 0,1 mm/rev: Vc = 175 m/min (à esquerda) e Vc = 275 m/min (à direita)

Comparando a espessura dos cavacos quando avaliados por microscopia com os valores obtidos por análise FEA, respectivamente, tem-se para Vc 175 m/min e f 0,025 mm/rev, 0,045 mm contra 0,043 mm de espessura dos cavacos. Já para f 0,1 mm/ rev, tem-se 0,12 mm contra 0,15 mm. Quando Vc é igual a 275 m/ min, para o menor avanço tem-se 0,028 mm contra 0,035 mm e para o maior avanço, tem-se 0,18 mm contra 0,17 mm, sendo possível verificar uma boa concordância entre os valores de espessura dos cavacos estimados por FEA e avaliados por microscopia.

Na tabela 3 estão ilustradas imagens dos cavacos gerados para os parâmetros de corte utilizados. Os cavacos são predominantemente gerados na forma de fitas torcidas do tipo contínuo, para todas as configurações de teste.

Rugosidade da superfície e desgaste da ferramenta

As topografias das superfícies usinadas, em função do menor e do maior avanço de corte, estão ilustradas nas figuras 5 e 6, onde é possível notar a influência do avanço na qualidade da superfície usinada, como esperado, em função da cinemática do processo.

Figura 5 – Rugosidade 3D da superfície para o menor avanço (à esquerda) e maior avanço (à direita) para Vc = 175 m/min

Figura 6 – Rugosidade 3D da superfície para o menor avanço (à esquerda) e maior avanço (à direita) para Vc = 275 m/min

Os resultados resumidos e comparados com a rugosidade teórica estão ilustrados na figura 7.

Figura 7 – Altura média aritmética (Sa) em função do avanço e velocidade de corte (nova aresta de corte)

A relacão da altura média aritmética (Sa) com o desgaste de flanco são mostrados na figura 8. A curva de vida da ferramenta é mostrada na figura 9.

Figura 8 – Deterioração da superfície usinada com o aumento do desgaste de flanco

Figura 9 – Curva de vida útil para o inserto de cermet na usinagem a seco do aço AISI 1045

A figura 10 mostra o flanco principal dos insertos no critério de fim de vida quando empregadas as velocidades de corte de 175 m/min e 275 m/min, respectivamente (avanço 0,025 mm/rev e profundidade de corte 0,2 mm). Observa- -se que o desgaste abrasivo foi predominante.

Figura 10 – Desgaste do flanco principal no critério de fim de vida: (a) Vc = 175 m/min (ampliação de 400 x); (b) Vc = 275 m/min (ampliação de 400 x

 

Microdureza e microestrutura

Os resultados da microdureza a partir da superfície usinada são mostrados na figura 11. Para a velocidade de corte de 175 m/min, houve uma leve redução na dureza da ferrita a 25 µm em relação à superfície usinada.

Figura 11 – Microdureza a partir da superfície usinada para diferentes avanços em cada fase do material: (a) Vc = 175 m/min; (b) Vc = 275 m/min

O mesmo ocorreu na perlita para Vc = 275 m/min. As temperaturas na zona de corte, próximas à faixa de austenitização do material, em conjunto com as pressões específicas de corte, podem ter contribuído para esse leve “amolecimento”.

Conclusão

 

De acordo com as análises por elementos finitos (FEA), a temperatura na zona de corte atinge a faixa de 860 °C para os maiores valores de avanço e velocidade de corte usados nos experimentos. Aespessura e o formato dos cavacos previstos pela análise FEA estão muito próximos do observado nos cavacos obtidos nos experimentos. As forças de corte não ultrapassaram 120 N pela análise FEA, principalmente devido às pequenas seções de corte utilizadas.

O avanço é um fator-chave na rugosidade da superfície, devido à própria cinemática do processso de torneamento, enquanto a velocidade de corte mostrou pouca influência sobre este fator. Valores da ordem de Sa 0,23 µm podem ser obtidos quando se utilizam os menores valores de avanço, empregando um gume novo.

Como esperado, o aumento do desgaste de flanco prejudica a rugosidade da superfície usinada. Quando o desgaste atinge VBB = 0,1 mm, o valor de Ra aumenta para 2,92 µm.

O desgaste de entalhe nos flancos primário e secundário é decisivo para este fato. O desgaste abrasivo é predominante. Observou-se redução dos valores de microdureza, próximo à superfície usinada (até 100 µm de profundidade), tanto na fase perlita quanto na ferrita. Não foram observados defeitos, trincas, deformações ou alterações na forma dos grãos.

 

O torneamento a seco do aço 1045, com insertos de cermet não revestidos, mostrou-se bastante viável do ponto de vista da qualidade da superfície, vida útil de ferramenta , microestrutura, morfologia do cavaco e sustentabilidade.

Agradecimentos

Os autores agradecem às equipes do Tricormat e do Laboratório de Caracterização de Superfícies de Materiais do CT – UFES, ao Laboratório de Ultraestrutura Celular Carlos Alberto Redins (LUCCAR – UFES) e ao edital MCT/FINEP/ CT – INFRA – PROINFRA 01/2006. Ao LABMAT – UFSC.

Responsabilidade pelas informações

Os autores são os únicos responsáveis pelas informações incluídas neste trabalho.

Referências

  1. Chen , X.; Xu, J.; Xiao, Q. Cutting performance and wear characteristics of Ti(C,N)-based cermet tool in machining hardened steel. Int J Refract Met Hard Mater 2015, vol. 52, pp. 143-150.

  1. ISO 3685: Tool life testing wit single point turning tools, International Organization for Standardization, 1993

  1. ISO 4288: Geometrical product specification (GPS)—Surface texture: Profile method — Rules and procedures for the assessment of surface texture, International Organization for Standardization, 1996.

  1. Klocke, F.; Eisenblatter, G. Dry Cutting. Annals of the CIRP 1997, vol. 46/2.

  1. Peng, Y.; Miao, H.; Peng, Z. Development of TiCN-based cermets: mechanical properties and wear mechanism. Int J. Refract Met Hard Mater 2013, vol. 39, pp. 78-89.

  1. Yang, T.; Ni, L.; Xiong, J.; Shi, R.; Zheng, Q. Flank wear mechanism and tool endurance of (Ti,W)C-Mo2C-Co cermets during dry turning. 2018. vol. 44, pp. 8447-8455.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Mais Artigos MM



Análise de fluido de corte orgânico à base de óleo de mamona aplicado à usinagem

Empresas do setor de usinagem pretendem reduzir os resíduos sólidos e líquidos provenientes de seus processos produtivos como, por exemplo, cavaco, resíduos de lubrifi cantes e borra proveniente do processo de retifi cação, visando alinhar suas operações aos conceitos de sustentabilidade. Foi então feito um estudo de possíveis fontes de óleo na natureza, e também os possíveis aditivos necessários para agregar a esse óleo as propriedades necessárias para a aplicação na usinagem. Foi escolhido o óleo de rícino 100% natural proveniente da mamona e foram feitas algumas misturas envolvendo emulsionantes e bactericidas até ser obtido um fl uido que apresentasse viscosidade adequada e boa capacidade de refrigeração.

23/02/2024


XIV Inventário Brasileiro de Máquinas-ferramentas

Nova edição do levantamento sobre o parque de máquinas industriais no setor de usinagem mapeou o setor com base em uma amostragem menor em relação a anos anteriores. Mas a análise aponta boa perspectiva de aquisição de máquinas para o próximo ano.

22/02/2024


Análise da circularidade e cilindricidade de furos feitos por fresamento em material compósito

Os materiais compósitos são amplamente usados na indústria aeronáutica e o processo de furação é essencial para a fixação de componentes e para a garantia da qualidade do produto final. Independentemente do tipo de material furado, a qualidade de um furo é essencial para um encaixe ou ajuste perfeito entre dois componentes mecânicos. O objetivo deste trabalho é estudar uma alternativa para a realização de furos de forma a minimizar danos como a delaminação na sua saída.

22/02/2024