Ligas metálicas com memória de forma (LMF) são capazes de retomar uma forma e/ou tamanho após a aplicação de uma tensão externa ou variação de temperatura, quando são submetidas a um determinado número de ciclos térmicos(12). Os fenômenos do efeito memória de forma (EMF) são propriedades termoelásticas da transformação martensítica, podendo ser divididos em efeito memória de forma simples, efeito memória de forma reversível ou pseudoelasticidade, que, dependendo da fase inicial a ser deformada, divide-se em superelasticidade (matriz) e comportamento tipo borracha (martensita)(12).

As LMF possuem duas fases: uma martensita, de estrutura monocíclica B19, dúctil e que ocorre a baixas temperaturas; e uma austenita, de estrutura cúbica B2, mais rígida e que ocorre a altas temperaturas. Nas ligas com efeito memória de forma, em especial nas ligas de Ni-Ti, pode ocorrer o surgimento de uma fase de estrutura romboédrica denominada fase “R”(8).

A laminação é um processo mecânico em que um material é conformado entre rolos, sofrendo deformação plástica devido a tensões compressivas indiretas, auxiliadas por tensões de cisalhantes, ocasionadas pela motorização dos cilindros. A força de atrito entre o material e os cilindros de laminação é a responsável pela deformação. Neste processo a seção é modificada e passa a ter a forma de barra, lingote, chapa ou fio. A figura 1 representa este processo(2).

Figura 1 – Representação esquemática do processo de laminação. Fonte: Groover (2014)

 

 

O laminador é composto por, no mínimo, dois rolos de trabalho, fixados em uma estrutura de apoio comumente chamada de “gaiola”. Seu sistema de acionamento consiste em motor, caixa de transmissão e mancais de apoio, conjunto que fornece potência aos rolos e controla sua velocidade. Este processo proporciona bom controle dimensional. As dimensões finais do produto a ser laminado são determinadas pela abertura dos rolos(2, 3). O processo de laminação pode ocorrer a frio, quando a temperatura de trabalho é menor que a temperatura de recristalização, e a quente, em que a temperatura de trabalho é maior que a temperatura de recristalização do material(2).

O trabalho a frio confere alta resistência mecânica e dureza à liga, melhor acabamento superficial e tolerâncias menores. Para isso, requer altas forças e potências na conformação dos materiais. Os grãos resultantes são achatados, alongados e anisotrópicos (estrutura de grãos orientados). O trabalho a quente requer baixas forças e potências do maquinário, e permite mais deformações do material, além de obtenção de grãos isotrópicos(3). A figura 2 mostra o desenho esquemático de um processo de laminação e a redução de espessura ocorrida. A equação(1) apresenta a fórmula utilizada para determinar os percentuais de redução obtidos na laminação dos fios:

Figura 2 – Processo de laminação e sua redução de espessura. Fonte: Ferreira (2010)

Onde: t0 = espessura inicial do fio; tf = espessura final do fio; r = percentual de redução.

Métodos de conformação plástica e de fusão são muito utilizados na produção de peças com efeito memória de forma. Estudos anteriores abordaram a estampagem a laser de chapas de Ni-Ti, com dimensões de 60 × 50 mm e espessura de 0,25 mm, uma técnica avançada de conformação, não convencional, usada para deformar chapas metálicas e não metálicas(10). A potência do feixe de linha do laser, o diâmetro do ponto, a velocidade de marcação e a quantidade de passes determinaram o padrão da peça final. Verificou-se que há um certo incremento não linear no ângulo de flexão com um incremento da potência (30, 40 e 50 W) e da quantidade de passes (10 e 20 passes). O DSC identificou a presença dos picos das fases martensita e austenita para a potência de 30 W, com diferentes quantidades de passes. Para as potências de 40 e 50 W foi verificada a presença das fases R, martensita e austenita.

Em outro trabalho foi constatado um aumento da trabalhabilidade de ligas trefiladas de Ni-Ti-Hf, que ocorreu com a adição de Nb, mostrando uma deformação abaixo de 1,00% para as amostras sem Nb, e chegando à deformação máxima de 6,00% em amostras com adição de 8,00 at.%Nb(5). Há também estudos sobre a fabricação de um vidro metálico Ni-Ti-Cu-Zr-Si superelástico em escala milimétrica (espessura: ~450 μm) por meio do método de estampagem a quente de chapas fundidas sobrepostas(4), bem como sobre a fabricação de estruturas honeycomb de Ni-Ti, com efeito memória de forma, usando manufatura aditiva de fusão seletiva a laser, o que permitiu a obtenção de peças de alta qualidade e com densidade relativa de 99,5%(13).

 

Materiais e métodos

Neste trabalho foi usado um fio de Ni-Ti produzido pela Memory- -Metalle GmbH. A tabela 1 mostra as características do fio de Ni-Ti utilizado e suas classificações. Trata-se de uma liga equiatômica (MSA).

A escolha do fio MSA foi feita com base na literatura(6, 11), em que foi constatado que os tratamentos térmicos de baixo tempo de ciclo (1 e 4 h) suprimiram a fase R, mantendo a faixa de temperatura de transformação da fase martensita acima de 0 °C. Para supressão da fase R, uma amostra do fio foi recozida sob temperatura de 600 °C por 1 h, e submetida à têmpera em água a temperatura ambiente. Este tratamento térmico foi realizado em um forno do tipo Mufla da marca Jung, com potência de 4 kW, pertencente ao Laboratório de Materiais Inteligentes (LMI) do Departamento de Engenharia Mecânica (Demec) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A segunda amostra não recebeu tratamento térmico.

Para a laminação das amostras foi utilizado um laminador de bancada, da marca G3 (figura 3), com potência de 2 cv (1,47 kW), pertencente ao mesmo laboratório. O incremento de um dente da engrenagem central equivalente a aproximadamente 0,03 mm de abertura. Para a medição da espessura dos fios foi utilizado um paquímetro com 0,01 mm de precisão.

Figura 3 – Laminador de bancada da marca G3. Fonte: A autora (2022)

Na realização da primeira etapa da laminação foram necessários dez passes para obter os primeiros percentuais de laminação do fio MSA. A partir do segundo percentual de redução foram usados três passes para cada amostra. Após cada redução, foi realizado o experimento de calorimetria diferencial de varredura para verificar a presença das fases de transformações martensíticas, e as laminações foram cessadas. A figura 4 mostra os percentuais de laminação do fio MSA nas duas condições térmicas. A análise térmica dos fios foi realizada no DSC (Differential Scanning Calorimetry) Modelo 823e, da marca Mettler Toledo, usando software analisador Stare. O DSC também pertence ao laboratório mencionado anteriormente. As análises determinaram as temperaturas críticas de transformação das amostras. O range de temperatura utilizado foi de -30 a 100 °C a uma velocidade de 10 °C/min.

Figura 4 – Percentuais de laminação do fio MSA. Fonte: A autora (2022)

Os ensaios de microdureza foram realizados no microdurômetro Vickers da marca EMCA Test Durascan, pertencente ao Laboratório de Microscopia e Análise Macroestrutural (Lamam) do Departamento de Engenharia Mecânica (Demec) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). As amostras de fio foram embutidas em resina a quente, pois as temperaturas de transformação das ligas de Ti-Ni são superiores às usadas neste processo, e posteriormente foram desbastadas com lixas d’água de grânulo 400, 600, 1.000, 1.200 e 2.000, e em seguida foram polidas com pasta de diamante de 3 e 1 μm em pano de polimento. A carga utilizada foi de 300 g (0,03 kgf), com tempo de aplicação de 15 s para ambos, e dez indentações por amostra. As indentações foram feitas longitudinalmente. Estes ensaios foram realizados segundo a norma ABNT NBR 6507-1- Materiais metálicos – Ensaio de dureza Vickers. Parte 1: Método do ensaio.

 

Resultados e discussões

As figuras 5 e 6 mostram os resultados de difração de raios-X das amostras sem redução e na sua redução máxima. De acordo com a literatura, o percentual de redução das amostras com e sem tratamento térmico caracteriza a deformação do fio como severa(1). Os resultados mostram que o efeito memória de forma continua ativo nas máximas reduções obtidas na laminação. Foi observado que nas amostras sem tratamento térmico a fase R é suprimida após tratamento térmico severo (MSA 5). As figuras 7 e 8 mostram os gráficos referentes ao ensaio de microdureza Vickers para os corpos de prova do fio MSA. Foi constatado que a dureza aumentou com o aumento do percentual de redução do fio.

Figura 5 – Resultados de DRX das amostras sem tratamento térmico. Fonte: A autora (2022)

Figura 6 – Resultados de DRX das amostras com tratamento térmico. Fonte: A autora (2022)

Figura 7 – Ensaio de microdureza Vickers dos corpos de prova sem tratamento térmico. Fonte: A autora (2022)

Figura 8 – Ensaio de microdureza Vickers dos corpos de prova com tratamento térmico. Fonte: A autora (2022)

 

Conclusão

Os resultados obtidos mostraram que o desempenho de um fio com efeito memória de forma submetido ao processo laminação a frio é satisfatório, apresentando reduções severas sem a necessidade de tratamentos térmicos intermediários. Nos resultados obtidos por meio de DSC foi observada a permanência do efeito memória de forma e o suprimento da fase R para a amostra sem tratamento térmico inicial. A dureza das amostras obteve ganhos significativos e semelhantes, chegando a durezas máximas de MSA 5 (325,63 HV) e MSATT 5 (323,40 HV). Em vista dos dados obtidos, a amostra sem tratamento térmico apresentou melhor desempenho, com redução máxima de 14,85% e dureza máxima de 325,63 HV, sem a necessidade de tratamento térmico inicial, diminuindo assim os custos de fabricação.

 

Referências

1] Choi, E., Ostadrahimi, A., Park, J.: On mechanical properties of NITI SMA wires prestrained by cold rolling. Smart Mater. Struct. 29 (2020) 065009 11pp, 2020.

2] Ferreira, R. S.: Conformação plástica, fundamentos metalúrgicos e mecânicos. 2ª ed. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010.

3] Groove, M. P.: Introdução aos processos de fabricação. Grupo GEN, 2014.

4] Kim, J., Kim, Y., Kim, W., Kim, D.: Enhancement of the glass forming ability of superelastic Ni-Ti-CuZr-Si alloy. Journal of Alloys and Compounds 882 (2021) 160730, 2021

5] Lemke, J. N., Gallino, F., Cresci, M., Coda, A.: Achieving improved workability and competitive high temperature shape memory performance by Nb addition to NiTi-Hf alloys. Scripta Materialia 191 (2021) 161-166, 2021.

6] Oliveira, C. A. N.: Estudo mecanometalúrgico de fios de Ti-Ni para aplicação em atuadores de válvulas de fluxo. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco, 2011.

7] Otsuka, K., Ren, X.: Physical metallurgy of Ti-Ni-based shape memory alloys, Progress in Materials Science 50(5), 511–678, 2005.

8] Otsuka, K., Wayman, C. M.: Shape Memory Materials. Edited by K. Otsuka and C. Wayman. Cambridge University Press, Cambridge, England, 1998.

9] Pereira, A. M.: Deformação plástica severa por ECAP de ligas com memória de forma. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Nova Lisboa. Faculdade de ciências e tecnologia, abril 2013.

10] Sharma, A., Prabu, S. S. M., Palani, I. A., Hosmani, S. S., Patil, R.: Formability studies on Ni-Ti shape memory alloy using laser forming technology. The 3rd International Conference on Materials and Manufacturing Engineering 2018. Conf. Series: Materials Science and Engineering 390 (2018) 012053, 2018.

11] Silva, K. C. A.: Estudo de fadiga em sensores/atuadores de Ni-Ti com memória de forma. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CTG. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica, 2018.

12] Silva, T. T. L., Virgolino, F. S. S., Oliveira, C. A. N., de Araújo, C. J., Gonzalez, C. H.: Fabricação de uma liga equiatômica de TiNi com efeito memória de forma pelo método plasma skul-push pull. Revista Engenharia e Tecnologia. V. 13, n° 4, 2021.

13] Xu, Y., Qiu, L., Yuan, S., Wang, Y.: Research on shape memory alloy honeycomb structures fabricated by selective laser melting additive manufacturing. Optics and Laser Technology. 152 (2022) 108160, 2022.

14] Zhang, J., Chen, T., Li, W., Bednarcik, J., Dippel, A. C.: High temperature superelasticity realized in equiatomic Ti-Ni conventional shape memory alloy by severe cold rolling. Materials and Design. 193 (2020) 1008875, 2020.


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