As ligas de titânio se destacam devido a duas propriedades: resistência específica elevada e excelente resistência à corrosão. Elas também explicam o seu uso preferencial no setor aeroespacial, na indústria química e na engenharia médica.
Segundo Ezugwu e Wang[3], o progresso na usinagem de ligas de titânio não obteve o mesmo avanço comparativamente a outros materiais devido às características desses materiais com relação à resistência mecânica a altas temperaturas, baixa condutividade térmica, baixo módulo de elasticidade e alta reatividade química. Deste modo, o sucesso na usinagem das ligas de titânio depende em grande parte da superação dos principais problemas associados com as propriedades inerentes destes materiais.
Uma análise geral das operações de usinagem, considerando os aspectos ecológicos, pode identificar nestas operações várias fontes agressoras do meio ambiente, entre elas, os fluidos de corte ou fluidos lubrificantes/refrigerantes. Em distintos processos, eles são utilizados em grandes quantidades para aumentar a vida das ferramentas e melhorar a qualidade das peças produzidas, consequentemente, influindo nos custos industriais.
Esses fluidos introduzem uma série de melhorias funcionais e econômicas no processo de usinagem de metais. As melhorias de caráter funcional são aquelas que facilitam o processo de usinagem, e que conferem a este um melhor desempenho, com redução do coeficiente de atrito entre a ferramenta e o cavaco, expulsão do cavaco da região de corte, refrigeração da ferramenta, refrigeração da peça em usinagem, melhor acabamento da peça usinada e refrigeração da máquina-ferramenta. Entre as melhorias de caráter econômico, distinguem-se a redução do consumo de energia, do custo da ferramenta na operação e o impedimento da corrosão da peça usinada.
Para a obtenção destas melhorias, diversas formas de aplicação e tipos de fluidos de corte são utilizadas. Entre os meios auxiliares, os principais métodos utilizados são os de aplicação com fluido em abundância (emulsão) e, atualmente, também a Mínima Quantidade de Lubrificante (MQL) e a usinagem a seco.
A tendência mundial visa a usinagem sem fluido de corte (a seco), que objetiva reduzir de forma significativa os custos com a compra de fluidos de corte e com a sua destinação final, bem como problemas ocupacionais, tais como doenças de pele (dermatites) e variações de sintomas respiratórios, e relacionados ao meio ambiente, quando os fluidos de corte tornam-se graves poluentes da água, solo e ar.
Segundo Sreejith e Ngoi[15], a usinagem a seco é relatada por muitos pesquisadores como a “usinagem do futuro” por eliminar a utilização de fluidos de corte, devido ao avanço dos materiais para ferramentas de corte. Entretanto, Costa et al[2] mostram que, em processos com condições mais severas de usinagem, como na furação e no fresamento (corte intermitente), a não utilização de fluido de corte tem algumas restrições devido a maiores esforços térmicos e mecânicos do processo, havendo a necessidade de facilitadores do processo. Como em muitos casos não é possível a ausência total do meio auxiliar, o método de aplicação MQL tem se mostrado uma boa alternativa.
Rao e Krishna[10] mostram que pesquisadores têm trabalhado com a utilização de “eco-lubrificantes” em processos de usinagem, utilizando MQL com grafite em pó, água e óleo SAE 20 em várias proporções em vez de apenas refrigerantes em sua composição. Khan e Dhar[6] obtiveram resultados que são encorajadores e incluem reduções significativas na taxa de desgaste da ferramenta, na imprecisão dimensional e na rugosidade da superfície pela utilização do MQL, principalmente por meio da redução da temperatura da zona de corte e da mudança favorável na interação cavaco/ferramenta e ferramenta/peça de trabalho.
Pesquisas recentes investigaram o uso de grafite como um meio lubrificante no processo de usinagem para reduzir o calor gerado e seu papel foi evidente na melhoria global do processo. Vários trabalhos [14,17] observaram diferentes parâmetros do processo, como forças de corte, temperatura, energia específica e rugosidade superficial e os relataram
Figura 1 – Posição dos bicos nebulizadores do sistema MQL
como inferiores, quando comparados com os resultantes da usinagem com refrigeração convencional.
A utilização de grafite e bissulfeto de molibdênio (MoS2) no processo de usinagem assistida, relatada por Reddy e Rao[11], mostra melhoria considerável no desempenho do processo, em comparação com a usinagem com fluido de corte convencional, em termos de forças de corte, qualidade da superfície e energia específica.
A usinagem da liga de titânio é dificultada pela sua alta reatividade, baixa condutividade térmica e esforços elevados, que levam à elevadas temperaturas de corte e vibração. Por se tratar de um material amplamente utilizado na indústria aeronáutica e de alto valor agregado, qualquer avanço que leve à melhoria do processo é de extrema importância industrial e científica.
A presente pesquisa concentra-se na usinagem com lubrificação sólida, contribuindo para uma usinagem sustentável de materiais avançados de engenharia. Além disso, sugere uma alternativa às tradicionais técnicas de usinagem. Com os resultados obtidos, será
possível analisar a viabilidade da utilização dos lubrificantes sólidos na usinagem de uma liga de baixa usinabilidade, como a Ti-6Al-4V.
Procedimentos experimentais
Os ensaios foram conduzidos nas dependências do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Usinagem da Faculdade de Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Uberlândia (LEPU/FEMEC/UFU). Foi utilizado um torno CNC Romi Multiplic 35D, com rotação máxima de 3.000 rpm. O corpo de prova de titânio ASTM F136 grau 5, conhecido como liga Ti-6Al-4V, possuía a dimensão de 200 mm de diâmetro por 300 mm de comprimento. Foi utilizado fluido de corte sintético da Quimatic (Super Fluido 3), aplicado pelo sistema MQL da Accu-Lube. As ferramentas utilizadas possuem o código SNMG120408-SM 1105, metal duro da classe S15, revestidas com TiAlN (PVD) e produzidas pela Sandvik.
Os testes foram realizados a seco e com MQL, apenas com fluido de corte, e com solução contendo fluido de corte e lubrificantes sólidos. As soluções utilizadas continham fluido de corte e lubrificante sólido com 20% em peso. Foi utilizado o bissulfeto de molibdênio (MoS2, 6 μm) como lubrificante sólido.
Os parâmetros de corte são apresentados na tabela 1. A rugosidade média aritmética (R a) foi medida com auxílio de um rugosímetro Mitutoyo, modelo SJ-201, com cut-off de 0,8 mm x 5 leituras. O comprimento de amostragem é definido pela norma ABNT NBR ISSO 4287 (2002). Foram realizadas seis medições para cada condição de corte, com temperatura média de 28oC, ao longo do comprimento usinado na direção de avanço da ferramenta.
Cada bateria de testes foi realizada com uma aresta nova da ferramenta de corte, sendo assim, quatro testes variando a velocidade de corte (30, 50, 70 e 90 m/ min) com avanço e profundidade de corte fixos. Essa padronização, utilizando uma aresta de corte para cada bateria de testes, visa eliminar o efeito do desgaste na rugosidade.
Os testes com variação da profundidade de corte também seguiram o padrão adotado anteriormente, ou seja, cada teste foi realizado utilizando uma aresta nova.
Sistema MQL
O sistema MQL utilizado foi o Accu-Lube 02A0-DMO, com pressão de 3 bar e vazão de 5 mL/min. Os bicos nebulizadores do MQL foram posicionados de forma a facilitar o escoamento do cavaco, evitando a formação do “efeito guarda-chuva”, conforme ilustrado na figura 1 (pág. 17).
Resultados e discussão
A rugosidade pode ser medida por vários parâmetros. Em muitos casos, segundo Machado et al [8], a rugosidade é utilizada como parâmetro de saída para controlar um processo de usinagem. De fato, a rugosidade de uma superfície depende de vários parâmetros, como má quina-ferramenta, propriedades do material da peça, geometria e material da ferramenta, e operação de usinagem.
A rugosidade superficial é a grandeza que quantifica o grau de acabamento e está diretamente relacionada à geometria da ferramenta e aos parâmetros de usinagem. Vários trabalhos [4,12,16] mostram que o avanço de corte (f) é também uma variável que influencia diretamente o valor da rugosidade teórica: pois quanto menor o avanço, menores tendem a ser as marcas deixadas na superfície da peça pela passagem da ferramenta, como pode ser observado na figura 2 (pág. 22). Ela mostra que o aumento do avanço de corte proporcionou maiores valores de rugosidade.
Outros trabalhos[9,13] mostram que, além das questões relativas à geometria de corte, o acabamento superficial é influenciado pela velocidade de corte (vc). Mantidas as demais condições de trabalho, maiores velocidades de corte tendem a produzir melhor qualidade superficial. O aumento da velocidade de corte de 30 m/min para 90 m/ min demonstrou uma tendência de melhorar o acabamento superficial. Consequentemente, pode-se observar que os valores de Ra tendem a diminuir com o aumento da velocidade de corte (mantendo mesmo avanço e profundidade de corte), como pode ser visto na figura 2a.
Entretanto, em alguns casos (figura 2d), o aumento da velocidade de corte proporciona piores valores de rugosidade devido ao aumento do avanço de corte (de 0,05 mm/rot para 0,2 mm/rot), consequentemente, gerando temperatura e pressão de corte elevadas.
O aumento do avanço e da profundidade de corte proporcionam a elevação da força de usinagem. Isso ocorre devido ao aumento das áreas dos planos de cisalhamento primário e secundário. Já o aumento da força de usinagem proporciona uma pequena piora nos valores de rugosidade, como ilustrado na figura 2e.
As forças de corte registradas durante a usinagem das ligas de titânio são semelhantes às obtidas com os aços, sendo que o consumo de energia é aproximadamente o mesmo ou inferior. Elevadas solicitações mecânicas ocorrem próximas à aresta de corte quando se usina ligas de titânio. Segundo Konig[7], ocorrem maiores tensões sobre a ferramenta durante a usinagem do Ti6AI-4V do que na usinagem do Nimonic 105, e três a quatro vezes mais que as observadas na usinagem de aço CK53N.
Isso pode ser atribuído ao fato de apresentar uma área de contato muito pequena do cavaco sobre a face inclinada da ferramenta, o que é cerca de um terço da área de contato do aço com mesmo avanço e profundidade de corte. Elevadas forças de corte também acarretam maiores temperaturas e é de conhecimento público que altas temperaturas de corte são geradas quando as ligas de titânio são usinadas, e estas atuam perto da aresta de corte da ferramenta, sendo uma das principais razões para o rápido desgaste da aresta de corte.
Uma grande porcentagem (cerca de 80%) do calor gerado na usinagem de liga de titânio ti-6AI-4V é conduzida para a ferramenta, porque não pode ser removido com o cavaco ou dissipado para a peça de trabalho devido à baixa condutividade térmica das ligas de titânio. Por conta desta característica, é praticamente inviável a usinagem a seco das ligas de titânio.
Como pode ser visto na figura 2, em todas as condições de corte, a usinagem a seco apresentou piores valores de rugosidade quando comparada com a aplicação de fluido com MQL, o que pode ser explicado pela elevada temperatura na região da aresta de corte.
Se compararmos a usinagem utilizando o sistema MQL apenas com fluido e a solução contendo fluido com bissulfeto de molibdênio (MoS2- 20% em peso), nota-se que a melhoria da rugosidade gerada possivelmente é resultado do efeito refrigerante do fluido somado com a característica lubrificante do MoS2.
Outros pesquisadores [11,14,17] já trabalharam com lubrificantes sólidos e atestaram sua eficiência na usinagem de ligas de aço. Os resultados obtidos com este trabalho confirmam que os benefícios gerados pelos lubrificantes sólidos se estendem à usinagem da ligaTi-6Al-4V.
Conclusão
● O aumento da velocidade de corte tende a diminuir os valores de rugosidade.
● Com o aumento do avanço, os valores de rugosidade aumentaram significativamente.
● A profundidade de corte teve pequena influência sobre a rugosidade.
● Os testes realizados com MQL apresentaram menores valores de rugosidade quando comparados com a usinagem a seco.
● De modo geral, a solução contendo bissulfeto de molibdênio (MoS2) obteve o melhor desempenho, conseguindo os menores valores de rugosidade.
Figura 2 – Resultados de rugosidade (Ra) nas condições de corte
Referências
1]ABNT NBR 4287: Rugosidade: Metódo do perfil - Termos, definições e parâmetros da rugosidade, 2002.
2]Costa, E. S.; Machado, A. R.; Rosa, S. N.; Souza Jr. E. A.: Qualidade dos furos usinados com diferentes métodos de lubrificação e refrigeração. Revista Máquinas e Metais, São Paulo, no 484, p. 140-161, maio 2006.
3] Ezugwu, E. O.; Wang, Z. M.: Titanium Alloys and their Machinability – a review. Journal of Material Processing Technology, v. 68, p. 262-274, 1997.
4]Ferraresi, D.: Fundamentos da Usinagem dos Metais. Editora Edgard Blucher, São Paulo, p. 751, 1977.
5] Galdino, R. S.; Andrade, J. F.; Buzone, D. M.; Ribeiro, M. V.: Avaliação dos cavacos obtidos da usinagem do Ti-6Al-4V. 6o Congresso Brasileiro de Engenharia de Fabricação (6o Cobef), ABCM, v. CD Rom, Caxias do Sul, 2011.
6] Khan, M.M. A.; Dhar, N. R.: Performance evaluation of minimum quantity lubrication by vegetable oil in terms of cutting force, cutting zone temperature, tool wear, job dimension and surface finish in turning AISI-1060 steel. Journal of Zhejiang University, Science A 7 (11), p. 1.790-1.799, 2006.
7] Konig, W.; Schroder, K. H.: Titanium Alloys. 1980.
8] Machado, Á. R.; Abrão, A. M.; Coelho, R. T.; Silva, M. B.: Teoria da Usinagem dos Materiais. 1a ed., v. 1, 371 p., Edgard Blucher, São Paulo, 2009.
9] Oliveira, F. G.: HSM – Conceito e aplicações. In: Usinagem em altíssimas velocidades: como os conceitos HSM/HSC podem revolucionar a indústria metal-mecânica. Editora Érica, p. 29-35, São Paulo, 2003.
10] Rao, N. D.; Krishna, V. P.: The influence of solid lubricant particle size on machining parameters in turning. International Journal of Machine Tools and Manufacture 48, p. 107-111, 2008.
11] Reddy, N. S. K.; Rao, P. V.: Experimental investigation to study the effect of solid lubricants on cutting forces and surface quality in end milling. International Journal of Machine Tools and Manufacture 46, p. 189-198, 2006.
12] Sandvik Coromant. Manual técnico de usinagem. Sandviken, Suécia, 2005.
13] Schulz, H.: Hochgeschwindigkeitsfräsen metalischer und nichtmetalischer Werkstoff. Hanser, München- Wien, 1989.
14] Shaji, S.; Radhakrishnan, V.: Na investigation of a solid lubricant moulded grinding wheels. International Journal of Machine Tools and Manufacture 43, p. 965-972, 2003.
15] Sreejith, P. S.; Ngoi, B. K. A.: Dry machining: machining of the future. Journal of Material Processing Technology 101 (3), p. 287-291, 2000.
16] Stemmer, C. E.: Ferramentas de corte I. Editora da UFSC, p. 249, 1995.
17] Venugopal, A.; Rao, P. V.: Performance improvement of grinding of SiC using graphite as a solid lubricant. Materials and Manufacturing Processes 19 (2), p. 177-186, 2004.
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