Figura 1 – Usinagem de titânio puro grau 4 utilizando resfriamento com jato de neve de dióxido de carbono
Anualmente são aplicados na Alemanha cerca de um milhão de implantes dentários [4], e o potencial dos procedimentos médicos envolvendo implantes ainda está muito distante de ser esgotado. Naquele país, em 2005, em apenas 15% dos casos se preferia usar implantes ao invés das soluções tradicionais como, por exemplo, próteses, muito embora em até 90% dos casos o uso de implantes fosse possível do ponto de vista médico.
Mais de 90% dos implantes dentários são confeccionados de titânio, particularmente titânio puro. As principais razões são sua alta biocompatibilidade, resistência à corrosão e resistência mecânica específica. Contudo, o titânio apresenta má usinabilidade, em função de sua baixa condutibilidade térmica, do baixo módulo de elasticidade e da tendência à formação de cavacos segmentados, o que leva a um intenso desgaste e curta vida útil para a ferramenta, o que reduz a produtividade do processo.
No entanto, o desenvolvimento técnico da tecnologia odontológica avançou vertiginosamente. Já em 2009 cerca de um terço das pontes dentárias eram produzidas de forma automática na Alemanha [1] e alguns estudos estimavam que o volume de produção seria duplicado em 2015.
O aumento do volume removido de material, ao se utilizar ferramentas para fresamento com menores diâmetros, é inevitável. Dentro do atual estado da técnica, é possível melhorar a produtividade por meio de maiores velocidades de corte e de avanço; em compensação, o desgaste da ferramenta progride de maneira muito rápida, tornando-se um fator limitante para o processo.
Igualmente, no caso do processamento de materiais de difícil usinabilidade na indústria médica, tais como ligas de titânio ou cobalto-cromo, altas velocidades de corte elevam as temperaturas no processo, as quais prejudicam, entre outros aspectos, a vida útil da ferramenta. Os métodos convencionais de resfriamento geralmente se mostram ineficazes para se alcançar os níveis de produtividade e qualidade requeridos e influenciam negativamente o processo como um todo. Isso corre não apenas em função da degradação do ambiente imediato de trabalho, como também do meio ambiente de forma geral.
Refrigeração criogênica
Os estudos sobre o aumento do volume de material usinado e
Figura 2 – Montagem experimental: processo de fresamento com mínima quantidade de lubrificante
sobre a redução da agressão ao meio ambiente mostram que os métodos de refrigeração criogênica podem ser uma solução. Contudo, o potencial pleno desse recurso ainda não foi amplamente estudado. De fato, já nos anos 1960 foram feitas pesquisas sobre a usinagem sob baixas temperaturas, mas elas não chegaram a alcançar a maturidade. Portanto, é necessário determinar sua capacidade de resfriamento para viabilizar processos mais produtivos de usinagem de materiais com difícil usinabilidade, como o titânio puro.
Atualmente vem sendo estudada no Instituto para Gestão da Produção, Tecnologia e Máquinas-Ferramenta da Universidade Técnica de Darmstadt (PTW) a adequação de ferramentas para fresamento feitas de metal duro, com diâmetro em torno de 3 mm, para a usinagem de desbaste de titânio puro grau 4. Além de ter sido analisada a influência dos parâmetros de processo usuais sobre o efeito da refrigeração criogênica, usando dióxido de carbono sobre a evolução do desgaste das ferramentas para fresamento, também foi promovido o desenvolvimento de versões dessas ferramentas que apresentem melhor desempenho durante a usinagem com esse tipo de refrigeração.
Ensaios
Os primeiros estudos (figura 2) foram executados num centro de fresamento, modelo DMC linear 75V, onde foram executados ensaios para determinação de vida útil durante o fresamento frontal e periférico, sob condições constantes e com emprego de MQL (lubrificante sintético à base de éster, 20 ml/h). Foram usadas fresas de topo e toroidais, feitas com metal duro, com cantos de corte chanfrados (diâmetro de 3 mm, quatro arestas de corte, eixo com diâmetro de 6 mm), três tipos de revestimento e diversas geometrias de corte (figura 3, pág. 18). O desgaste foi
Figura 3 – Representação tridimensional das geometrias das fresas
registrado na superfície de saída e na superfície livre usando um videomicroscópio digital fabricado pela Hitec. Além disso, as geometrias das ferramentas de fresamento foram analisadas por medição tridimensional.
O critério estabelecido para interrupção do uso da ferramenta especificava que ela deveria ser substituída quando o desgaste nas superfícies de folga, VBmax , fosse de 200μm em, no mínimo, duas das quatro arestas de corte da ferramenta, uma referência de máximo volume usinado e que corresponde a um parâmetro de medida da usinagem de blanques cilíndricos de titânio na indústria odontológica. O material escolhido para os ensaios, titânio puro grau 4 (3.7065, ASTM F67) apresenta limite de resistência (Rm) igual a 635 N/mm2, e limite de escoamento (Rp0,2) de 484 N/mm2. Ele foi fornecido na forma de barras redondas, sendo fixado à mesa da máquina por um mandril com três castanhas durante a usinagem.
Os primeiros ensaios tiveram como objetivo determinar a influência da macro e da microgeometria da ferramenta em função da evolução do desgaste e da vida útil. Também foram feitos estudos sobre a influência do revestimento selecionado e da
Figura 4 – Formação de rebarba por diversas geometrias. Parte superior: peça teste; parte inferior: imagens geradas por varredura tridimensional.
formação de rebarbas. Além disso, foi analisado o emprego do processo de refrigeração criogênica sobre a evolução do desgaste.
Para tanto, foram realizados ensaios com o uso da neve de dióxido de carbono (jato de ar comprimido contendo partículas de gelo seco, ou seja, dióxido de carbono sólido) e selecionados diversos valores de vazão volumétrica. A condução da neve de CO 2 até a zona de corte foi feita por jatos laterais, como também por jatos na direção axial através de um bocal encaixado na região lateral da ferramenta. A alimentação de dióxido de carbono, entre 1,3 e 17 kg/h, proveniente de um cilindro, foi regulada por uma válvula para controle de fluxo acionada magneticamente.
Foram adotados os parâmetros tecnológicos descritos a seguir. A velocidade de corte foi definida em dois estágios, vc1 e vc2 , com valores de, respectivamente, 100 m/min e 130 m/min. A profundidade de usinagem a p variou entre 0,15 mm e 0,17 mm. O avanço por dente fz foi fixado em 0,02 mm ou 0,017 mm. Para assegurar a confiabilidade estatística dos resultados obtidos, foram efetuados vários ensaios para determinação da vida útil da ferramenta (expressa pelo comprimento que ela foi capaz de usinar) para cada ponto experimental.
Resultados
Os resultados obtidos nos ensaios de usinagem de titânio puro grau 4, ao se utilizar as ferramentas de metal duro de 3 mm, tanto na versão usando refrigeração criogênica, como na que usou MQL, permitiram deduzir conclusões inequívocas sobre a influência das diversas estratégias de resfria-
Figura 5 – Evolução do desgaste para as fresas dos tipos A, C, D e E usando mínima quantidade de lubrificante
mento sobre a vida útil da ferramenta. Durante os estudos sobre os parâmetros de processo, foram variados de forma sistemática a velocidade de corte, o avanço por dente e a profundidade de corte.
Os ensaios foram efetuados usando-se MQL, com óleo à base de éster, sob vazão de 20 ml/h. O uso de ferramenta com geometria toroidal mostrou-se favorável nos casos estudados. Os ensaios com fresas de topo apresentando cantos chanfrados revelaram a ocorrência de forte desgaste nas ferramentas, mesmo para curtos períodos de tempo, na forma de lascamentos nos cantos de corte. A razão para o elevado desgaste das ferramentas com essa geometria específica encontra-se na configuração dos cantos de corte chanfrados, que gerava uma aresta de corte fraca em comparação com o raio dos cantos de corte das ferramentas com geometria toroidal.
Além disso, foi constatado que, à medida em que o desgaste da ferramenta progredia, ocorria maior formação de rebarba na superfície usinada ao se usar a fresa de topo em relação ao verificado quando se usou a fresa toroidal. Quanto à qualidade da superfície obtida
Figura 6 – Comparação da evolução e aparência do desgaste entre a usinagem com mínima quantidade de lubrificante e com dióxido de carbono
após a usinagem de acabamento, posterior ao desbaste, foi constatada a presença de bordas geradas pela ferramenta quase isentas de rebarbas, enquanto que, nos casos em que se usou fresa de topo, verificou-se intensidade de formação de rebarba 36 vezes maior ao final da vida útil, dependendo do grau de desgaste da ferramenta (figura 4, pág. 18). Portanto, a predisposição que alguns processos possuem em relação à formação de rebarbas altamente abrasivas, e que exercem forte impacto sobre a ferramenta, pode ser eliminada por meio do emprego de fresas com geometria toroidal.
A partir dessa constatação, todos os demais ensaios foram feitos usando ferramenta de fresamento com geometria toroidal. Foi então constatado que o fresamento efetuado sob a seguinte combinação de parâmetros – velocidade de corte (vc), 130 m/min; avanço por dentre (fz), 0,02 mm; e profundidade de usinagem (ap ), 0,15 mm – apresentou vida útil máxima e evolução com máxima estabilidade em relação à evolução do desgaste e, simultaneamente, maior produtividade. A investigação sobre a escolha do revestimento mostrou que o desgaste mínimo da ferramenta ocorreu quando elas foram revestidas com AlCrN (figura 5). Ocorreram menores níveis de abrasão e de adesão em comparação com as ferramentas revestidas de TiAlN e TiCN.
Ensaios posteriores mostraram que a substituição da usinagem com aplicação de MQL pela versão usando neve de CO2 promoveu redução do progresso do desgaste das superfícies de folga. Esse desgaste, bem como o lascamento de arestas e cantos, foi quase que totalmente suprimido. A razão para esse fato foi
Figura 7 – Aparência do desgaste com a usinagem usando MQL (parte superior) e resfriamento com neve de dióxido de carbono (parte inferior)
a diminuição dos processos de oxidação e difusão nas zonas de usinagem e de formação de cavacos, os quais se intensificam sob temperaturas crescentes e levaram ao enfraquecimento do material da ferramenta de corte. O emprego da neve de dióxido de carbono pode reduzir a temperatura de usinagem, fazendo com que ocorra predominância de desgaste por abrasão e aderência (ou seja, virtual ausência de lascamento) (figura 6, pág. 20). A figura 7 mostra a aparência do desgaste das fresas de topo e com geometria toroidal sobre a periferia da superfície de folga para um volume usinado de 30.000 mm3, após usinagem efetuada tanto com MQL, quanto com CO2 (parte inferior da figura 7). A partir daí fica evidente a diferença na aparência do desgaste em função do método de refrigeração/lubrificação utilizado. Enquanto a usinagem usando MQL fez com que as pontas de corte da fresa de topo sofressem tanto abrasão como lascamento (figura 7, canto superior esquerdo), o uso de CO2 levou a um desgaste puramente abrasivo das superfícies de folga (figura 6, canto inferior esquerdo).
A fresa com geometria toroidal apresentou comportamento semelhante. Ao se efetuar a usinagem com MQL, o desgaste de entalhe ocorreu de forma dominante (canto superior direito da figura 7), o qual foi amenizado ou mesmo suprimido quando se adotou a refrigeração por CO2. Também neste último caso ficou evidente o predomínio de desgaste puramente abrasivo da superfície de folga sob os mesmos volumes de material usinado (figura 7, canto inferior direito).
Uma investigação adicional permitiu demonstrar que a vazão volumétrica do meio de refrigeração criogênico pode ser reduzida a um mínimo em comparação aos valores adotados nos ensaios anteriores,
Figura 8 – Usinagem com resfriamento por neve de dióxido de carbono. À esquerda, jato livre; à direita: jato axial
sem que ocorresse degradação digna de nota na evolução do desgaste. Foram feitas reduções da vazão mássica de dióxido de carbono em até 65% e, ainda assim, o comportamento do desgaste da ferramenta de fresamento sempre se mostrou estável e previsível.
Também foram executados ensaios complementares usando diferentes métodos para se conduzir a mistura de gás e neve de dióxido de carbono até a zona de usinagem. Neste caso, além do método inicialmente adotado, usando jatos radiais, quando a refrigeração criogênica foi aplicada através de bocais flexíveis, também foi desenvolvido um bocal encaixável que aplicava o meio de resfriamento de forma axial na zona de corte (figura 8, pág. 22). Foram implementadas variações da geometria do fluxo de descarga no interior dos bocais encaixáveis usando o processo de fusão seletiva a laser, as quais foram executadas no próprio PTW. Contudo, até o momento, essas outras variantes desenvolvidas e vazões de dióxido de carbono aplicadas não alcançaram os resultados que já haviam sido obtidos usando-se os jatos livres.
Conclusões e perspectivas
Os ensaios específicos realizados neste trabalho mostraram, inequivocamente, que é possível viabilizar um processo de usinagem de titânio puro grau 4, mais consistente e com menor desgaste da ferramenta, utilizando resfriamento com neve de dióxido de carbono no lugar da mínima quantidade de lubrificante. A partir dos ensaios efetuados no PTW, puderam ser identificadas as geometrias de ferramenta que são adequadas para a usinagem de titânio puro. No momento estão sendo feitos testes visando o aperfeiçoamento dessas ferramentas de fresamento.
Também foi constatado que o uso de revestimento de AlCrN possui efeitos favoráveis neste caso. As vidas úteis das ferramentas podem ser prolongadas, por meio da redução de seu desgaste, em comparação com a usinagem usando MQL, que constituía o atual estado da técnica. Os ensaios feitos para se analisar a formação de rebarba mostraram a existência de vantagens secundárias ao se utilizar a refrigeração com neve de dióxido de carbono ao invés da mínima quantidade de lubrificante. As investigações sobre o suprimento do meio de resfriamento mostraram que, até o momento, jatos oblíquos e radiais são mais vantajosos e promoveram vida útil mais longa do que os jatos axiais gerados por bocais encaixáveis.
No futuro, o PTW irá comparar, de forma global, o processo de refrigeração criogênica no fresamento com as versões que usam fluido de corte convencional ou mínima quantidade de lubrificante. As conclusões de estudos feitos num passado recente já mostraram as vantagens tanto econômicas como ecológicas do resfriamento com dióxido de carbono em relação ao uso de mínima quantidade de lubrificante e, sobretudo, com o resfriamento por inundação [2]. Pode-se afirmar antecipadamente que as investigações sobre os aspectos econômicos da usinagem usando métodos inovadores de refrigeração já demonstraram suas vantagens em termos de custo em relação aos processos que empregam fluidos de corte convencionais ou mínima quantidade de lubrificante.
Futuramente deverão ser revelados outros benefícios para a usinagem de titânio com refrigeração criogênica em consequência da redução massiva (de até 65%) da vazão de dióxido de carbono em relação a outras séries de ensaios efetuadas dentro deste trabalho. Da mesma forma, deverão ser identificadas as vantagens eventuais de uma combinação do uso de meio criogênico de resfriamento com mínima quantidade de lubrificante, bem como avaliar o suprimento otimizado de dióxido de carbono e os requisitos relativos às quantidades mínimas.
Referências
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